Trabalhadores querem reverter cortes de até 99% nas políticas de agricultura familiar
Por Hylda Cavalcanti
Da Rede Brasil Atual
Mais de 300 agricultores familiares de todo o país, ao lado de técnicos legislativos e parlamentares de diversos partidos, se reuniram nesta quinta-feira (21), em Brasília, em um seminário que discute previsões orçamentárias para o setor e formas de atuação, em conjunto com movimentos sociais e centrais sindicais. Eles se preparam para apresentar, até 20 de outubro, emendas à proposta de Orçamento Geral da União (OGU) prevista para 2018, ainda em tramitação no Congresso. A proposta apresenta cortes considerados drásticos para várias rubricas e deixa a agricultura familiar em situação de penúria, pondo em risco os setores mais carentes do país.
Os dados foram levantados por técnicos da Confederação Nacional dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras Familiares (Contag), organizadora do evento, com o apoio de assessores parlamentares. Mostram que o corte de verbas para o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), por exemplo, será em 2018 de 86,7%. Somente as verbas para ações de promoção de educação no campo, serão reduzidas em 86,2%.
O mesmo se dá em relação a programas de desenvolvimento e infraestrutura de assentamentos, cujos recursos foram reduzidos em 69%; e para reconhecimento e indenização de territórios quilombolas, onde a redução foi de 62,5%. Em relação à verba destinada à organização da estrutura fundiária, o corte foi de 89,5%.
Estes percentuais são semelhantes no tocante a programas dos ministérios da Agricultura, Desenvolvimento Social e Meio Ambiente voltados para a agricultura familiar. Nas operações de crédito, os cortes atingem sobretudo subvenções para crédito de custeio e para programas de comercialização de alimentos e formação de estoque, conforme detalha tabela divulgada pela Contag (confira abaixo).
A pior situação, entretanto, diz respeito ao programa para habitação destas famílias, que terá zero no orçamento para o próximo ano – ou seja, caso continue da forma como está até a aprovação do OGU 2018, estará cortado.
“O estudo é muito claro e mostra que estão acabando com a agricultura familiar no país a partir do próximo orçamento da União. Só a comparação entre todas as rubricas do que foi destinado no OGU de 2017, e o que está previsto para 2018, mostra um corte que, em média, ultrapassa a casa dos 80%. Isso quando não encontramos determinadas rubricas onde há zero de recursos, como é o caso da habitação rural”, afirmou o presidente da Contag, Aristides Veras dos Santos.
Reação em cadeia
“Estamos unindo forças e nos mobilizando porque sabemos que a questão não atinge apenas a agricultura familiar, mas todas as políticas públicas voltadas para o segmento mais pobre da sociedade brasileira. A proposta de congelamento de gastos, aprovada pelo Congresso, não congela só recursos públicos, mas permite a adoção da estratégia do Executivo de congelar gastos para acabar com os programas voltados aos mais pobres”, afirmou ele.
De acordo com Aristides Santos, os agricultores do setor dependem das políticas públicas do Estado brasileiro. “Quando se fala em agronegócio, a situação é outra. O agronegócio também reclama da crise, mas as grandes empresas podem oferecer assistência técnica privada para seus trabalhadores e ter acesso a crédito nos grandes bancos. Conosco isso não tem como acontecer”, explicou.
“Todo o processo de golpe observado no país no ano passado afeta um conjunto em cadeia. Com estes cortes, o campo vai produzir menos, o abastecimento das cidades vai ser reduzido, pode haver falta de produtos e os preços, certamente, vão encarecer. Esta é a realidade. É preciso entender que do jeito que estão colocados, tais cortes também vão prejudicar a classe média que compra na agricultura familiar”.
Todos os setores
Os integrantes dos vários movimentos discutiram e detalharam a situação de rubricas na peça orçamentária no centro da Contag, no Distrito Federal, onde estão reunidos. O centro é localizado na área entre a região administrativa do Park Way e da Ceilândia. Foram acompanhados por deputados da Frente Parlamentar da Agricultura Familiar que compareceram em massa ao evento. Muitos trabalhadores chegaram ao DF desde a última quarta-feira (19), em ônibus provenientes de todos os estados.
Para o presidente da Frente Parlamentar da Agricultura Familiar, deputado Heitor Schuch (PSB-RS), “o que está em curso por parte do Executivo para o ano que vem é um projeto para extinção da grande maioria dos programas sociais”. “Vamos agir e nos mobilizar para tentar salvar as políticas de agricultura familiar, reforma agrária e desenvolvimento rural”, afirmou.
Também o deputado José Geraldo (PT-PA) fez um alerta aos trabalhadores presentes. “Não podemos esperar. Se formos aguardar chegar as eleições de 2018, para que entre um governo comprometido com os movimentos sociais outra vez e para que as providências possam ser tomadas a partir de 2019, o estrago está feito. A luta tem que ser para agora”, disse ele, que sugeriu uma grande mobilização até o final do ano.
O deputado Marco Maia (PT-RS) destacou que, a seu ver, o governo está preparando terreno para votar a reforma da Previdência dentro de pouco tempo, motivo pelo qual a atuação dos trabalhadores precisa ser perene. Precisamos continuar mobilizados e ocupar as ruas do país para impedir esta, que é a maior maldade que está sendo articulada contra os brasileiros. Estamos vivendo a maior luta de classes da história do Brasil”, ressaltou.
De acordo com o deputado Davdison Magalhães (PCdoB-BA), a emenda constitucional que instituiu o teto dos gastos públicos não é apenas uma medida de ajuste como se pregou, mas uma ofensiva colonialista, que marca a visão do atual governo de que só cabe no país o agronegócio e não os agricultores familiares. “É um desmonte do Estado acima de tudo. Precisamos fazer uma frente política. O processo de privatização em curso desmonta a estrutura produtiva nacional como um todo”, disse.
Violência no campo
O deputado João Daniel (PT-SE) aproveitou para enfatizar a morte de trabalhadores do campo, nos últimos tempos. “Estamos aqui para darmos todo o nosso apoio. Se fizermos uma frente forte, com atuação em todos os estados e repercussão no Congresso, conseguiremos reverter essas rubricas orçamentárias. Estamos assistindo à volta da violência no campo e de tudo o que está relacionado ao retrocesso”.
Para a senadora Fátima Bezerra (PT-BA), o golpe que derrubou a ex-presidenta Dilma Rousseff foi “um golpe de classe contra os movimentos populares, o movimento sindical, contra a Contag, contra a luta pelo direito à terra e contra a soberania popular”. “Mas a gente não só resiste como tem que levantar a cabeça contra a realidade que aí está”, afirmou.
A senadora lembrou que esta semana a oposição teve uma grande vitória ao derrubar, no plenário da Câmara, a proposta que pretendia alterar o sistema eleitoral para o distritão, que beneficiaria os candidatos que possuem mais votos nas próximas eleições. “Queriam o distritão para interditar qualquer possibilidade de renovação da política e para favorecer os parlamentares que aí estão, mas não conseguiram. Precisamos ter força e a consciência de que juntos poderemos mudar tudo isso”.
A vice-presidenta da CUT, Carmen Foro, ressaltou o que definiu como “brava e qualitativa ação dos deputados e senadores no Congresso”. “Eles têm sido guerreiros e precisamos destacar isto aqui. Mas acho fundamental a Contag fazer esse debate sobre o orçamento, que é a consequência da escolha política feita pelo atual governo”, afirmou.
Segundo a dirigente da CUT, “um orçamento que zera recursos para nós e acrescenta para os mais ricos não é possível”. “Vamos fazer um debate público sobre como esse governo vai destinar os recursos para a agricultura familiar, nos articular com outras entidades e movimentos para virar esse jogo e garantir um futuro de dignidade para nosso país”.
O secretário de políticas Agrícola e Agrária da Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB), Adriano Gelsleuchter chamou a atenção para a importância da mobilização e da atuação unificada das várias entidades sociais e sindicais.
Confira abaixo os cortes que estão previstos para o setor no OGU 2018:
Edição: RBA