A vida não é abstrata, é estrutural
Por Maysa Mathias*
Da Página do MST
“Diferença é aquela conexão crua e poderosa na qual nosso poder pessoal é forjado para definir e buscar um mundo no qual todas nós possamos florescer.
É aprender a tomar nossas diferenças e torná-las forças
Pois as ferramentas do senhor nunca vão desmantelar a casa-grande”
(Audre Geraldine Lorde)
Nós somos muitos e somos diversos, mulheres, homens, travestis, transexuais, lésbicas, bissexuais, gays, e o Racismo em sua perversidade, nos atravessa. Neste mês diante da hipocrisia desta sociedade racista, somos relembrados, porém existe uma dívida histórica latente na estrutura social, na qual os sujeitos dotados de privilégios – classe burguesa, não querem falar.
É abominável a forma exótica com a qual as negras e os negros são colocados na história, no sentido, de ver a luta e os processos de resistência meramente como uma expressão cultural. Como também é lamentável a forma com a qual querem afeiçoar a relação entre escravizados e senhores. Nascemos do estupro de negras e índias e não há nada de exótico nesses atos. Tal relação ainda perpetra as relações afetivo sexuais da nova ordem social (Andréia Roseno, 2016).**
O mito da democracia racial no Brasil formulado e naturalizado pela raça/classe dominante e munida pelo Estado, mistifica e nutre a falsa consciência sobre as relações sociais, políticas e econômicas, mascarando e silenciando as desigualdades sociais e raciais na organização da sociedade.
Os resquícios coloniais foram instrumentalizados para manter a exploração e precarização da vida da população negra, e independente da relação de poder e formas de opressão, seja ela de ordem patriarcal, racista, LGBTfóbica, a moral colonizadora enraizada nas relações sociais, reforça a violência sistêmica e violação dos corpos.
E o corpo enquanto campo de batalha é bombardeado e expropriado continuamente de sua identidade racial e sexual, bem como, estruturalmente esta população é expulsa das mínimas organizações sociais, como a vida em família, acesso à educação, saúde, moradia, emprego, amor, não dotando de qualquer privilégio.
O sistema patriarcal-heterossexista, racista e LGBTfóbica são estruturais e funcionais para manutenção do sistema capitalista, que se apropria dos corpos, tempo, consciência e conformam a divisão social, racial e sexual do trabalho, na sociedade capitalista, estabelecendo a ideologia de inferioridade e minando a humanidade dos sujeitos, para continuidade da superexploração, precarização do trabalho e submissão para manter os privilégios da classe burguesa.
Assim, se faz necessário refletir e compreender que o Racismo precisa ser combatido e debatido pelo conjunto das organizações sociais, movimentos LGBT e em vários setores da sociedade, pois ele torna ainda mais perverso a luta de classes e a vida desta população.
Falar de sexualidade, afetividade, de escolhas é também desmontar os sistemas de preferências, onde as mulheres negras e homens negros aparecem como corpos hipersexualizados, erotizados, racializados e não afetivos na construção das relações afetivas e sexuais.
O enfrentamento aos mecanismos de dominação, exploração, opressão e violência, alicerçados nos setores organizados da sociedade devem ser pautados e construídos junto ao projeto de sociedade, compreendendo que os sujeitos que constroem a luta pela transformação social são diversos.
Assim, com o retrocesso político e avanço do conservadorismo no Brasil, embora os corpos das “minorias” não sejam contabilizados, o sangue derramado hoje no Brasil tem raça “cor”, gênero e orientação sexual, o extermínio do povo negro é concreto. E com a crescente repressão e avanço neoliberal, faz-se necessário retomar os processos de formação política, pois posturas e reproduções de cunho racista, machista, sexista, LGBTfóbico são dispositivos apropriados pelo sistema capitalista para fragmentação da classe e o retrocesso da luta popular.
A igualdade na diferença deve ser concreta para que a revolução triunfe e não fique apenas no campo discursivo ou enaltecida novembro a dentro. Hoje é Novembro, mas desde que o primeiro português pisou no Brasil teve luta e resistência, e assim permaneceremos, de pé, resistindo para que a revolução socialista seja antirracista, feminista, colorida e popular!
* LGBT Sem Terra, Maysa é dirigente do Setor de Gênero do MST em Minas Gerais. **Andréia Roseno. Militante da Consulta Popular. Assistente Social. Conselheira Municipal de Promoção da Igualdade Racial /BH. Educadora da EDUCAFRO/MG.