MST faz homenagens a Frei Henri
Da Página do MST
No último domingo (26), faleceu às 14h30, horário de Paris, o Frei Henri des Roziers, religioso que dedicou sua vida à luta em defesa dos povos, da Amazônia, dos camponeses e contra o trabalho escravo. Diversas homenagens estão sendo divulgadas, principalmente das organizações e lutadores que conviveram com Frei Henri na região amazônica.
Abaixo, segue uma carta de despedida do MST no estado do Pará, seguida de um poema, de autoria de Charles Trocate, militante do MST no estado. Confira.
Querido Frei Henri,
Nestes dias de tumulto generalizado, de luta e resistência do nosso povo Sem Terra para não serem despejados, termos recebido na tarde de hoje a notícia de sua morte nos deixou momentaneamente entristecidos e sem “chão”.
Logo nós Henri, ficarmos sem chão?! Que tanto defendemos e aspiramos conquistar a terra!
Agora lemos as inúmeras noticias de reconhecimento de sua vasta trajetória, marcada pela luta incansável e intransigente em defesa dos pobres camponeses da fronteira amazônica que viviam e seguem vivendo uma dura realidade de perca de terra, de submissão ao trabalho escravo, de perseguições e de assassinatos!
A relação com os sem terra do MST do Pará merece um capítulo a parte. Neste momento, estamos dispersos cumprindo as mais distintas tarefas de organização dos trabalhadores, estamos por essa razão impedidos de nos abraçarmos e chorarmos juntos a sua perca.
Mas isso não nos impede de buscar a memória coletiva das histórias da nossa relação com o querido Frei Henri: Das ocupações de terras assistidas por você e que nos ajudou a livrar pessoas das garras da polícia, a que livrou a nossa Izabel de uma prisão no que hoje é o acampamento Dalcidio Jurandir e, mesmo aquela que não foi possível evitar, como a prisão do companheiro Tim Maia, você estava lá presente exigindo cuidados e respeito a um militante do povo.
O seu dom de nos escutar, aconselhar e respeitar as nossas decisões, você foi um dos que melhor compreendeu o sentido da autonomia do MST, sempre afirmava que estaria conosco, apoiando as nossas ações; como não lembrar da ocupação do que hoje é o assentamento João Canuto, em Xinguara no sul do Pará? Ali todos diziam que estávamos errados e que seria “suicídio” fazer aquela ocupação, e você sempre tão carinhoso com os “meninos e meninas do MST” – sim era assim como nos chamava -, dizia estarei lá com vocês! Aí pensávamos se Frei Henri está com a gente, com toda essa bagagem, porque haveríamos de desistir dos nossos planos?!?!
A sua presença cativante e resistente em nossas atividades públicas, como a que realizamos no dia 17 de abril na curva do S; estava certo, a estrada só poderia ser bloqueada quando o Frei Henri passasse, porque para nós era uma grande alegria encontrá-lo sorrindo e rejuvenescido, tocando nossos rostos, perguntando como estávamos e, quando de pronto não encontrava algumas pessoas não hesitava em perguntar: Cadê o menino Charles, a menina Maria Raimunda, a menina Isabel, o menino Ivagno, o menino Tim Maia e todos os outros meninos e meninas do MST? Nos últimos períodos os meninos e meninas foram “substituídos” pelo: como está o “meu” acampamento Frei Henri?
Sua trajetória de vida e nossa relação construída no campo da luta e da resistência que nos fez tomar uma decisão importante, reconhecer e homenagear ainda em vida uma pessoa, dando o nome a nossa escola de formação de base e do nosso acampamento de Frei Henri des Roziers.
E hoje no momento que nossos corações pesam, temos a mais profunda convicção que aquela decisão de sete anos atrás foi acertada! As recordações e o acampamento Frei Henri farão que nos aproximemos ainda mais e, mais do que isso será o símbolo do feliz dia que as vidas dos Sem Terra do MST se cruzaram com a vida do grande lutador Frei Henri des Roziers!
Vá em paz querido Henri que aqui seguiremos inspirados em seu testemunho de amor e fé para ver a terra e os homens e as mulheres verdadeiramente livres e felizes!
Saudades sempre!
Marabá, 26 de Novembro de 2017.
O CAMPO DESSE CAMPO
Para Frei Henri
Um dia quando não existiam latifúndios
Eram florestas de castanhais
Então o que deveis?
Vejo os governantes disso por aí
Fogosos e hirtos rumando para a dissipação
Estão informulados
Imunes?
Reclamo, não permanecerão…
Difícil é compor isso
Atravessar o tempo com os corpos em jejum
Aprender a sepultar com a mesma fronteira
Ignorar, teses secretas a podridão do assunto
Permiti com – o aço da beleza – flores
Nesse campo exausto, exausto?
Xingo a morte e o drama aberto
Intermino pela palavra esse acontecimento.
Minha vida posicionada
Aceita o sol
Vai com o corpo cheio de obrigatoriedade
Podeis vê nisso felicidade?
É verdade!
Venho do campo com os meus mutilados universais
Em pasmo explico a tensão
Efusão que me dá tempo de dizer: viveremos!
Neles me calam justificativas para faltar
O arroz e a novidade, eu canto
Todos estão inertes, infantes?
Densos e súbitos planejam hectares
É o dever já amanhecido
Que quer meu coração
Essa conclusão que realiza e consome
Qual é o pronome?
Trago da noite que perturba o gesto unido
Espantosa multidão da lavoura!
Charles Trocate,
Do livro Ato Primavera
Editora Expressão Popular.
2007
*Editado por Rafael Soriano