Ocupação do MST nas terras de Dal Agnol: MPE opina pelo improvimento da apelação e relator suspende o julgamento

Depois da sustentação oral proferida pelos advogados que representam as partes envolvidas no processo, a procuradora de MPE alterou o entendimento dado e concordou com as teses defensivas das famílias acampadas
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Por Catiana de Medeiros
Da Página do MST 

A 20ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul deu início nesta quarta-feira (29), em Porto Alegre, ao julgamento da apelação no processo de reintegração de posse de imóvel pertencente ao advogado Maurício Dal Agnol, o qual localiza-se na comunidade Santo Antão, no município de Passo Fundo, na região Norte do estado. No local está montado há mais de três anos um acampamento do MST, que hoje abriga cerca de 50 famílias. O julgamento acontece após a 5ª Vara Cível da Comarca de Passo Fundo ter extinto o processo de um suposto arrendatário.

Durante a sessão, o advogado do MST Emiliano Maldonado argumentou que a sentença de primeiro grau deveria ser mantida, uma vez que as alegações dos apelantes estavam equivocadas, pois em nenhum momento o suposto arrendatário comprovou a posse do imóvel ocupado pelos Sem Terra. Além disto, ressaltou que qualquer decisão tomada pelo Tribunal de Justiça não poderia violar o duplo grau de jurisdição, o contraditório e a ampla defesa, devendo pautar-se pelo princípio da dignidade humana e garantir o direito à terra e à moradia das famílias.

Depois da sustentação oral proferida pelos advogados que representam as partes envolvidas no processo, a procuradora de Justiça do Ministério Público Estadual (MPE) alterou o entendimento dado em sede de parecer (favorável ao apelante) e concordou com as teses defensivas das famílias acampadas (apelados) e com a sentença proferida pela juíza de primeiro grau. Neste sentido, manifestou-se pelo improvimento da apelação do suposto arrendatário das terras de Dal Agnol. “Trata-se de uma importante vitória, ainda que parcial, pois o Ministério Público reconheceu a validade da decisão de primeiro grau e das teses defensivas. Ou seja, garantiu o direito das famílias permanecerem acampadas no local e seguirem produzindo alimentos”, explica Maldonado.

Considerando a mudança de entendimento do MPE sobre o caso, o presidente da 20ª Câmara Cível, desembargador Carlos Marchionatti, que é o relator do processo, suspendeu o julgamento para fazer uma análise mais aprofundada e, assim, poder proferir o seu voto. A próxima sessão está agendada para o dia 13 de dezembro, ocasião em que o relator e mais dois desembargadores apresentarão os seus votos no processo.

Segundo o acampado Éverton Scherner, as famílias Sem Terra recebem a notícia com “bons olhos” e renovam a esperança de ter um julgamento favorável nos próximos dias. “Continuamos em vigília para reivindicar que o poder judiciário garanta a indenização dos lesados pelas ações de Dal Agnol, que a sua dívida pública seja paga e suas terras destinadas à Reforma Agrária”, argumenta.

Entenda o caso

A primeira ocupação do MST nas terras de Dal Agnol ocorreu em 2014 e teve concessão de liminar de reintegração de posse a favor do arrendatário. As famílias deixaram o local, mas ocuparam outra área próxima, que também pertence ao advogado. Ao analisar o processo, em novembro de 2016, a juíza Ana Paula Caimi, titular da 5ª Vara Cível da Comarca de Passo Fundo, verificou que a área onde se encontra o acampamento não pertence a nenhuma das matriculas que foi objeto do pedido inicial da reintegração de posse, nem as matrículas apresentadas no segundo pedido de reintegração. Por isto, ela extinguiu o processo e “reconheceu a inexistência de interesse de agir, em face da perda superveniente do objeto”, pois o suposto arrendatário já teve reintegrada a posse do bem descrito na petição inicial e, sobretudo, porque ele não comprovou a posse das áreas abarcadas pelo seu novo pedido de reintegração —  este novo pedido foi realizado cerca de dois anos após ter ingressado com o processo de reintegração.

Nesta quarta-feira, na 20ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça, deu-se início ao julgamento da apelação protocolada pelo suposto arrendatário para reformar a decisão da juíza de primeiro grau.

Quem é Maurício Dal Agnol?

Maurício Dal Agnol é um advogado que num período de 15 anos aplicou um golpe milionário em cerca de 30 mil clientes que venceram ações judiciais contra empresas telefônicas no estado gaúcho. Segundo informações divulgadas pela Polícia Federal, à época ele era proprietário de centenas de imóveis, inclusive um apartamento de quase R$ 14 milhões em Nova York.

De acordo com o Ministério Público, o advogado teria lucrado mais de R$ 100 milhões em causas que defendia contra empresas telefônicas — em algumas situações os seus clientes ganhavam entre R$ 300 a R$ 400 mil. Dal Agnol foi acusado de se apropriar de 90% do valor e hoje deve mais de R$ 30 milhões à Fazenda Nacional. As famílias Sem Terra exigem que o Incra faça a sua parte e também se mobilize para que as terras de Dal Agnol sejam destinadas à Reforma Agrária por conta desta dívida pública.

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Mobilização e produção

Desde a semana passada, os acampados e apoiadores do Movimento, como o Sindicato dos Metalúrgicos e o Sindicato dos Bancários, fazem vigília e realizam em diversos pontos da cidade ações de agitação e propaganda e coleta de assinaturas em apoio ao Acampamento Terra e Vida, nome dado ao espaço de seis hectares onde hoje vivem mais de 50 famílias do MST. Lá, elas produzem alimentos orgânicos para subsistência e para vender à população urbana, tais como feijão, amendoim, milho, pipoca, tempero verde, alface, cebola, abóbora, moranga, beterraba, mandioca, batata-doce, jabuticaba, araçá, pinhão e nozes. No acampamento também há criação de galinhas, patos, suínos e coelhos.

Os Sem Terra trabalham agora para obter a certificação orgânica dos seus alimentos e fortalecer a relação com os consumidores por meio da venda direta. No início de dezembro, inaugurarão simbolicamente uma feira de produtos agroecológicos.