As Batalhas de Porto Alegre
Frei Sérgio Antônio Görgen*
Por ocasião do julgamento do Presidente Lula em segunda instância no Tribunal Regional Federal de Porto Alegre, a capital dos gaúchos e gaúchas de todas as querências, viu o desenrolar de três batalhas: a das ruas, a dos tribunais e a das antenas. Uso o termo “batalha” em sentido figurado, não militar, mesmo que autores renomados classifiquem a política como forma de guerra sem armas.
A Batalha das Ruas
O que vimos na batalha das ruas? Uma multidão multicolorida, povão mesmo, de todos os cantos do Rio Grande e do Brasil, das cidades e dos campos, com mais de 100 mil pessoas no centro de Porto Alegre no dia 23 à tardinha e na vigília cívica do dia 24, no Anfiteatro Por do Sol. Uma grande, robusta e consagradora vitória das forças e organizações populares e da militância social e política de esquerda. Para os que diziam, à direita e à esquerda, que o povão não vinha pra rua, a resposta foi fragorosa: o povão mostrou sua força. O efeito retardado disto é incomensurável. Pode indicar o início de uma ascensão do movimento de massas, uma virada de vento.
A própria rebeldia legítima da juventude queimando pneus em ruas da cidade de Porto Alegre após o vergonhoso julgamento fez parte da batalha das ruas e foi um sinal de saúde social da sociedade ainda tomada pela doença do ódio de um lado e da anestesia social de outro. Seríamos uma sociedade totalmente doente se diante de tamanha injustiça, a juventude não tivesse mais capacidade de se indignar.
O Acampamento da Cidadania, com milhares de pessoas em vigília, de 22 a 24 de janeiro, numa demonstração gigante de fraternidade, igualdade, respeito mútuo, ajuda mútua, partilha, alegria, esperança, convivência fraterna, transformou-se também num símbolo vitorioso, no símbolo de um Brasil possível, em oposição ao entreguismo das elites e aos ódios da direita fascista.
Os pobres, os jovens e todos os democratas engoliram o choro e o gosto amargo da condenação de Lula.
A Batalha dos Tribunais
Esta, o povo perdeu de três a zero. Resultado esperado, num jogo difícil, fora de casa. A direita e o imperialismo mostraram que não estão para brincadeira e que estão dispostos a testar os limites do enfrentamento com as forças populares, talvez dispostos a tentar aniquilá-las.
Mas tem um detalhe importante para nossas análises: se, nas ruas, as forças populares podem estar em ascensão, o principal instrumento político da direita e do imperialismo, o poder judiciário, pode estar vivendo o movimento inverso. A corrosão de sua credibilidade pode estar avançando a passos largos. Estão sendo obrigados a expor suas entranhas.
E o que o povo pode ver? Juízes frios, insensíveis, engomados, distantes do povo, com a cara limpinha de elite, retrato vivo de falsas aparências, bem pagos pelo imposto do trabalho do povo, destilando ódio de classe com aparência de locutores imparciais, matando com bisturi e anestesia, fazendo com Lula o que fazem todos os dias com a Juventude pobre e com o povo nos tribunais. Juízes com uma aura de deuses limpinhos e asseados, vindos ninguém sabe de onde, condenam pobres porque são pobres.
O povo vê o que nunca viu e anota. Um dia destes a conta virá.
A condenação de Lula foi festejada por meia dúzia de “gatos pingados”, pedindo desculpas aos bichanos pela infelicidade da comparação. A festa anda miúda nas ruas golpistas.
Nos círculos financeiros a bolsa de valores subiu, o dólar caiu, a festa foi dos investidores internacionais e dos ricos com certidão de nascimento no Brasil. Ganharam dinheiro com a derrota do povo. A eles interessa a derrota do povo para facilitar o saque das riquezas da Nação. A eles serve a parte dos tribunais servil ao capital.
A Batalha das Antenas
Travou-se também em Porto Alegre a grande batalha da comunicação, das versões sobre os fatos, dos enfoques sobre a realidade, das óticas interpretativas. Nas antenas, nas ruas, nas redações, nas mídias e nas redes sociais travou-se outra batalha definidora de futuro. Uma batalha desigual. Os donos do poder dominam o mais amplo espectro do sistema de comunicações do país.
Mas as forças populares foram heroicas e bravas, demonstraram uma capacidade de ação, de organização, de unidade, de criatividade, de ação militante, de capacidade de produção de conteúdos, simplesmente impressionante. Através de ondas e redes de rádio, novas mídias, jornal impresso, sites, blogs, comunicação direta em redes sociais, contatos de rua, uma impressionante gama de meios fez chegar a uma grande parte da sociedade brasileira uma versão popular do julgamento, de Lula, do que está em jogo no Brasil, do judiciário apodrecendo em praça pública e dos interesses de classe da própria mídia burguesa.
Valendo-me ainda da analogia do futebol, foi como se, num jogo fora de casa, num campeonato que valoriza o saldo qualificado, é como se time das forças populares tivesse perdido o jogo de dois a um, mas fazendo um gol fora de casa, no campo do adversário.
E o Vento virou.
Talvez a batalha das ruas, onde as forças populares foram amplamente vitoriosas, seja um sinal de virada de vento. Valendo-me de uma analogia camponesa, em tempos de estiagem, os camponeses todos os dias olham o curso dos ventos. Quando o vento vira, é sinal de chuva. Ela não vem logo, demora uns dias, mas o vento é o sinal. Quando a estiagem é muito longa e cruel, só um vento forte, com trovoadas, relâmpagos e raios, é que traz chuva.
Mas se o vento virou, a chuva virá.
A próxima Batalha
A próxima grande disputa será em torno da dita e mal-dita reforma da Previdência, marcada para o mês de fevereiro. De novo três partidas, três palcos: as ruas, as antenas e a câmara dos deputados. Preparar-se e enfrentá-la é o novo desafio das forças populares. Esta disputa tem enorme poder de definição de rumos do futuro.
E o Vento Levou
Usando agora a analogia de um famoso romance, talvez daqui a algum tempo possamos dizer do Golpe midiático-judicial: E o Vento Levou….
Para algum mau entendedor de analogias: o vento é o povo.
*Frei da Ordem Franciscana, Militante do Movimento dos Pequenos Agricultores e autor do livro “Trincheiras da Resistência Camponesa”.
**Editado por Rafael Soriano