Seminário estadual defende o direito à educação das populações do campo

Evento reafirma a necessidade de uma educação inclusiva e de qualidade diante do cenário de desmonte promovido pelo atual governo gaúcho
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O professor e assentado Ivori lembrou que o RS têm um dívida histórica com as populações do campo Foto Catiana de Medeiros

 

Por Catiana de Medeiros 
Da Página do MST

 

O direito à escola e à educação de qualidade das populações camponesas estiveram no centro do debate do seminário estadual “Educação do Campo no Rio Grande do Sul”, realizado na tarde desta terça-feira (27) no auditório do Centro Administrativo Fernando Ferrari (CAFF), no bairro Centro de Porto Alegre. O evento foi promovido pelo Conselho Estadual de Educação em parceria com a Articulação em Defesa da Educação do Campo. Esta, envolve várias entidades e movimentos populares, entre eles eles o MST.

O intuito do seminário, que reuniu dezenas de professores, estudantes e representantes do governo estadual e do Ministério Público, foi continuar os debates para consolidar diretrizes para a educação do campo no território gaúcho. As mobilizações em torno desta pauta começaram em 2017. Desde então, foram realizadas quatro audiências públicas nas cidades de Porto Alegre, Erechim, Santana do Livramento e Santa Cruz do Sul, para ouvir as comunidades sobre os problemas que enfrentam na área da educação, diante do cenário de desmonte da educação promovido pelo atual governo gaúcho.

Conforme a professora Cristina Vergutz, as audiências públicas trouxeram inúmeras denúncias de precarização do trabalho, de sucateamento pedagógico e das estruturas e de fechamento das instituições de ensino. Em nível estadual, de 2003 a 2016, o RS enxugou de 4.447 para 2.218 as escolas no campo. A região do Vale do Rio Pardo passou de 305 para 243 escolas nos últimos anos. Ou seja, 62 deixaram de funcionar na zona rural, mesmo que 97,9% da população regional viva no campo. “Torna ilegítimo fechar escola se a maioria da população está no campo. No Vale do Rio Pardo, o número de fechamento está acima da média estadual, chegando a 19.3%. Isso é agressivo e criminoso”, disse.

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Estudantes também acompanharam o seminário e defenderam a educação do campo 
 Foto Catiana de Medeiros

Diretrizes

O seminário apresentou propostas de diretrizes curriculares para oferta da educação do campo no sistema estadual de ensino, que foram construídas a partir das audiências públicas. A ideia é que elas estejam concluídas até o dia 11 de abril deste ano. O presidente do Conselho Estadual de Educação, Domingos Antônio Buffon, explicou que as diretrizes são fruto de um trabalho coletivo e ressaltou que, na prática, elas devem ter aplicabilidade.

“Não queremos fazer norma que não tenha como ser aplicada; temos que trabalhar com a realidade. Nós temos uma dívida muito grande com a população do campo, por isso temos que rever nossas prioridades. Entendemos que a escola é elemento fundamental para a manutenção das pessoas na área rural, mas ela tem que ser de qualidade”, defendeu.

Entre os pontos construídos coletivamente até então está a garantia de uma educação como política de Estado e não como uma política compensatória. Neste sentido, traz o direito à Educação de Jovens e Adultos (EJA), à educação básica, ao ensino fundamental e médio e à educação profissionalizante. A proposta também defende uma educação inclusiva e com atendimento especializado, além de formação de professores e funcionários. Ainda dá garantia de voz e poder de decisão às comunidades em relação à multisseriação, à nucleação e à municipalização das escolas.

Durante o debate, foram coletadas novas sugestões dos participantes para as diretrizes, tais como a construção de um plano de carreira específico para os professores que atuam em escolas do campo, a fim de evitar grande rotatividade em curtos períodos de tempo, garantia de uma alimentação escolar com produtos livres de agrotóxicos e acesso à água potável.

Consequências

Representando a Articulação em Defesa da Educação do Campo, o assentado e professor Ivori de Moraes recordou as lutas travadas nas últimas décadas pelo direito à educação do povo camponês. Ele destacou que nos últimos 20 anos, enquanto houve avanços nacionais significativos com a construção de políticas públicas e outros tipos de iniciativas, o RS continuou estagnado em relação à educação do campo. Como exemplo de consequência, citou o não início do ano letivo de 2018 para crianças e adolescentes de assentamentos de São Gabriel e de Santana do Livramento pela falta de transporte escolar.

“O povo que lutava por terra, crédito e previdência percebeu que também era excluído da educação. Mas ele foi se articulando e começou a pensar uma educação básica diferenciada, que passou a ser encarada como um direito da população e um dever do Estado. Essa luta gerou uma série de políticas públicas. Um dos marcos ocorreu em 2001, quando começaram a construir diretrizes para as escolas do campo. Aqui no estado estamos discutindo somente agora; são mais de 16 anos de dívida com a população do campo”, afirmou.

Moraes acrescentou que os camponeses “clamam pelo não fechamento das escolas”, uma vez que isto acarreta consequências maiores, como a evasão rural. “O campo é um espaço de vida, onde a renda faz parte, mas precisa de um projeto de desenvolvimento que mantenha os recursos naturais e propicie dignidade às famílias. Por isso, a educação que queremos prioriza a formação de professores, para que eles entendam esse desafio de desenvolver o campo, pois lá também precisamos de gestores, administradores, técnicos e gente que pense. A escolarização pode nos ajudar a avançar neste sentido”, completou.

A necessidade de respeitar a educação como direito foi reforçada por Adair Pozzebon, professor da Escola Família Agrícola de Santa Cruz do Sul. Ele alega que há um notório descaso do poder público com o campo e a agricultura. “Há um velho ditado, ainda muito vivo, que diz que pra pegar no cabo da enxada não é preciso ir à escola. Realmente, na linha que está hoje não precisa de escola para o agricultor, porque elas estão sendo fechadas. Tem comunidade que está exigindo a escola aberta, pois todo filho de camponês tem direito à educação. Mas enquanto não tratarmos a educação do campo como direito, não teremos mudanças”, concluiu.

 

*Editado por Maura Silva