Via Campesina faz marcha e cobra solução para problemas da estiagem na região Sul do RS

Trabalhadores também se mobilizam pela continuidade do Programa Camponês, Reforma Agrária e democracia
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Foto Catiana de Medeiros 

 

Por Catiana de Medeiros
Da Página do MST

 

Organizações ligadas à Via Campesina, entre elas o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e o Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), começam na manhã desta terça-feira (17) uma série de mobilizações na região Sul do Rio Grande do Sul para cobrar do governo do Estado uma solução urgente para o problema da estiagem que atinge 24 municípios na metade Sul gaúcha. Os trabalhadores também exigem a retornada da Reforma Agrária, a continuidade da execução do Programa Camponês e a realização de eleição direta este ano.

Os camponeses se concentram desde às 7h30 no Trevo do Atacadão do Povo, que dá acesso à cidade de Canguçu, na ERS-265. De lá, os trabalhadores darão início daqui a pouco a uma marcha pela cidade em direção à BR-392. Conforme a Via Campesina, mais de 2 mil pessoas devem participar das mobilizações, que não têm data para serem encerradas. Para o MST, as ações fazem parte da Jornada Nacional de Luta pela Reforma Agrária. 

Entenda as reivindicações

1. Estiagem

A estiagem que atinge a metade Sul do Rio Grande do Sul, especialmente as regiões da Campanha, Fronteira Oeste e Sul, tem prejudicado o desenvolvimento de cadeias produtivas dos pequenos agricultores e assentados da Reforma Agrária. Segundo o dirigente nacional do MST, Ildo Pereira, a produção de leite teve cerca de 70% de perda e muitas famílias desistiram da atividade. O cultivo de hortifrutigranjeiros também registrou prejuízos, e a falta de chuva por mais de três meses deixou seco 90% dos açudes pequenos.

“A chuva retornou nos últimos dias, mas não em volume suficiente para recuperar as perdas, pois não conseguimos armazenar água para o consumo humano e para os animais”, relata. Pereira acrescenta que algumas famílias já perderam animais em função da seca e que esta é a pior já registrada nos últimos 30 anos na região. Segundo ele, entre os municípios mais atingidos estão Hulha Negra, Aceguá, Candiota e Pedras Altas. Ao todo, 24 cidades já decretaram situação de emergência.

Diante dessa situação, os camponeses denunciam a falta de comprometimento do poder público com os pequenos agricultores e os assentados em relação à seca e pressionam o governo do Estado a apresentar soluções para o problema. De acordo com Pereira, mesmo após inúmeras audiências para tratar sobre a pauta em Porto Alegre e em Brasília, com as casas civis do governador José Ivo Sartori e do presidente Michel Temer, a grande maioria das famílias atingidas pela estiagem ainda continua desassistida.

Do governo estadual, somente alguns municípios receberam cestas básicas. Já do governo Federal, apenas três – Hulha Negra, Candiota e Pedras Altas – receberam recursos para a manutenção de estradas e a limpeza dos açudes. Os camponeses avaliam como “vergonhosas” as atuações dos dois governos. “Não há nenhuma sinalização de que o poder público vá nos ajudar nesse momento difícil. Será que os nossos municípios não fazem mais parte do Rio Grande do Sul?”, questiona Pereira.

Neste sentido, os trabalhadores reivindicam que a pauta da estiagem, apresentada ainda na Jornada de Luta das Mulheres Sem Terra, na primeira quinzena de março deste ano, e nas audiências com movimentos populares e prefeitos no Distrito Federal e na capital gaúcha, seja atendida em caráter de urgência. Eles exigem cesta básica para famílias em situação de vulnerabilidade; milho para os animais; perfuração de poços artesianos e construção de redes d’água; óleo diesel para as prefeituras; máquinas para limpeza de açudes e bebedouros; doação de caixas d’água; decreto coletivo de situação de emergência; anistia do sistema troca-troca de sementes, de dívidas — FEAPER, FUNTERRA, PRONAF — e de parcelas de financiamentos bancários que vencem este ano; cartão estiagem de dois salários mínimos; R$ 4 mil para manu-tenção familiar; e crédito emergencial de R$ 5 mil para aquisição de sementes crioulas, mudas e insumos agroecológicos, com arrebate de 80% de pagamento, para pastagem de inverno e recuperação da produção.

2. Programa Camponês

A mobilização também é para pressionar o governo estadual a dar continuidade na execução do Programa de Apoio à Agricultura Familiar e Camponesa, mais conhecido como Programa Camponês. Criado em 2012, a partir de lutas dos movimentos da Via Campesina e de organizações urbanas, ele prevê investir R$ 100 milhões na cadeia produtiva de alimentos saudáveis, sendo R$ 50 milhões oriundos do Governo Estadual e 50 milhões do BNDES.

O intuito da iniciativa é melhorar as condições para os camponeses produzirem, transportarem, industrializarem e comercializarem a sua produção. A iniciativa estabelece ainda investimentos na construção de Biofábricas de Insumos orgânicos e de pequenas estruturas urbanas de distribuição para facilitar a chegada dos alimentos na mesa dos trabalhadores gaúchos. A estimativa inicial era envolver, através do programa, 15.150 famílias camponesas, 94.000 famílias moradoras de bairros populares e 61.000 trabalhadores metalúrgicos. Pretendia-se, também, ampliar a participação no Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) e nas compras governamentais.

A primeira etapa do programa foi executada pelo governo Tarso Genro, com recursos do Estado, no valor de R$ 25 milhões em projetos. Com a troca de governo, se iniciou o debate para o acesso de mais R$ 25 milhões, que agora seriam disponibilizados pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES – Fundo Social). O recurso seria destinado para a melhoria tecnológica das cadeias produtivas através da aquisição de máquinas e de equipamentos; para a construção, a ampliação ou a recuperação de unidades agroindustriais; e para viabilizar a logística de distribuição e de comercialização, por meio da aquisição de veículos para transporte de matéria-prima e produtos.

Entretanto, os movimentos denunciam a paralisia do Programa Camponês e alegam que isto o-corre por decisão política do governo Sartori, uma vez que todas as etapas competentes aos agricultores já foram executadas. Neste sentido, os trabalhadores reivindicam ação imediata do governador em relação à contratação dos projetos que já estão aptos para esta finalidade e para que pressione a liberação dos outros que estão sob análise do BNDES, para que também possam ser contratados. Eles ainda cobram o lançamento de edital para a utilização de recurso que está em aberto no Programa Camponês.

3. Reforma Agrária e Democracia

A Jornada Nacional de Luta também pauta a retomada da Reforma Agrária no país. Os camponeses se mobilizam pelo assentamento de mais de 2 mil famílias acampadas no território gaúcho. Hoje, o número de famílias que vivem em beiras de estradas e embaixo de lona preta passa de 100 mil em todo o Brasil. No RS, o último assentamento criado foi em 2015, pelo governo Federal, no município de Esmeralda, na região Campos de Cima da Serra. Porém, ele ainda não foi reconhecido pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra).

Além disso, a Via Campesina protesta em defesa da democracia e pela realização de eleição direta este ano. “Queremos que a direita, assim como fez a esquerda, se quiser representar o Estado brasileiro, apresente o seu candidato, que o povo exerça o poder de eleger o seu representante nas urnas, de forma direta”, finaliza Pereira.