Culinária da Terra: a gente cozinha política junto
Por Geanini Hackbardt
Fotos: Pablo Vergara
Da Página do MST
Uma fumaça que perfuma o ambiente e um bater de panelas incomum surpreende quem passa pelo Parque da Água Branca, logo de manhãzinha. São as equipes da Culinária da Terra cortando, picando, cozinhando temperando a todo vapor. São cerca de 50 pratos de 18 cozinhas diferentes, representando a cultura de cada cantinho do país. E ainda tem as opções vegetarianas e veganas trazidas pelo Levante Popular da Juventude. Seria possível fazer três refeições ao dia, durante toda a Feira sem repetir um prato.
O verde da Tapioca feita com Chaya (ou espinafre de árvore) enche os olhos com recheado de queijo e sabor de Rio de janeiro. “Aí quando a gente vai fazer o trabalho, reúne as mulheres na cozinha, para fazer a produção de bolo, pão, geléia. Essa é uma planta originária do México. Ela serve para vários tipos de doenças, para emagrecer, para tireóide, para diabetes, colesterol e por aí vai”, conta Dona Maria Lucia Siqueira, do coletivo de mulheres do acampamento Marli Pereira da Silva. Elas estão estudando na UFRJ para desenvolver todas estas receitas. Já para os mais tradicionais, tem pão de queijo mineiro com café orgânico.
É difícil escolher, suco de mangaba, cupuaçu, cajá, jenipapo, umbu ou bacuri para adoçar o dia? Já na hora do almoço, no Rio Grande do Sul, são os homens quem pilotam o fogão. Segundo eles, para mostrar que o machismo se desconstrói desde agora. Marildo Mulinari, mais conhecido como Tubiano, exibe o pacote do Arroz Terra Livre, com o qual ele mesmo faz o Carreteiro do Sul. “Aqui está o resultado da nossa luta pela terra, a gente briga e aqui vem mostrar os nossos produtos e a nossa culinária. A gente cozinha política junto. E a gente sonha que um dia a sociedade vai entender e ela que vai nos levar a avançar na luta pela reforma agrária democrática e popular que a gente sonha”.
Alguns passos à frente e é possível mergulhar na diversidade de aromas e sabores do Brasil profundo. O Cuxá, mais conhecido como hibisco, é utilizado para fazer arroz ou creme com quiabo no Maranhão. Com cebola, alho e azeite de coco, a erva de origem africana comumente utilizada em chás para emagrecer, se transforma numa iguaria. Mas se quiser algo mais forte, o Tocantins trouxe seu Chambari. O diferencial da carne cozida está no tutano, “um santo remédio para a ressaca”, afirmam.
Bode assado ou cozido, caldo de sururu, sarapatel, quiabada, moqueca de catado de siri ou aratu, tripa de porco, feijão de corda, fígado com jiló, galinhada com pequi, carne de sol, tropeiro, peixe no açaí, pato no tucupi. “Isso aqui faz parte da obra do conjunto, nos somos lutadores da reforma agrária democrática e popular. E esse produto nosso é diferenciado, ele é de um valor, assim, enorme e um preço baixo. Por que ele é um produto saudável, sem agrotóxico, sem veneno nenhum”, se orgulha Marildo.
Luciana Luchesi é advogada em São Paulo e passou pela feira com a mãe. Ao acabar de almoçar na cozinha do Pará ela afirma, “tive oportunidade de ir à Belém e o sabor é o mesmo, não perde nada. Os preços são ótimos, justos”. Ela explica que em São Paulo é restrito o acesso a alimentos de qualidade como na feira. “Aqui estamos acostumados a poucos lugares onde comprar comida sem agrotóxicos. A logística é difícil e os produtores vendem em pouca quantidade, acaba ficando elitizado. Os produtores são todos muito gentis, te explicam tudo, até os usos medicinais, por isso vou de ônibus para casa com a sacola e a barriga cheia”. Para completar a refeição ela leva, satisfeita, uma sobremesa de Guaraná da Amazônia.