Sem Terrinha em Movimento: corações e mentes da comunicação popular
Por Iris Pacheco
Da Página do MST
Os quatro dias do 1° Encontro Nacional das Crianças Sem Terrinha foram recheados de atividades culturais, lúdicas e estudos, mas também se configurou como uma grande oficina e exercício da comunicação popular construída no MST.
Como todos os espaços, a comunicação da atividade também se organizou de forma coletiva, desde o início da concepção e preparação do encontro havia a ideia de que as crianças deveriam ser parte de todo o processo de construção.
Segundo Camila Bonassa, do Setor de Comunicação, “o MST pensou e construiu o Encontro as crianças, mas também com as crianças. Em outras atividades – como os Congressos e feiras nacionais – já havíamos desenvolvido algumas experiências com as crianças na área de rádio, então pensamos que aqui, no Encontro Nacional das Crianças Sem Terrinha, elas poderiam também contribuir em outras frentes da comunicação (texto, audiovisual, texto e fotografia). A ideia geral era ter o olhar da criança sobre o Encontro, que é um marco para o Movimento”.
A comunicação do Encontro se organizou internamente por frentes que prestigia as linguagens de rádio, audiovisual, texto e fotografia. A proposta é que as comunicadoras e comunicadores adultos pudessem não apenas inseri-los neste processo de cobertura da atividade, mas pensar uma metodologia que possibilitasse a maior liberdade e criatividade possível.
E é sobre essa liberdade que Eduarda Prates Pianissola, 09 anos, do Assentamento Bela Vista, em Itamaraju, no estado da Bahia, expressa. A Sem Terrinha contribuiu com a frente de audiovisual do encontro e ao ser questionada sobre como se sente ao usar uma câmera, ela responde: “Eu me sinto livre! Liberdade de gravar o que eu quiser, essa é a liberdade”.
Eduarda conta que já vem contribuindo com a comunicação em atividades preparatórias ao Encontro e que durante a viagem também entrevistou as crianças sobre suas expectativas para a atividade.
Bonassa lembra que o processo de construção desse espaço foi um desafio para a comunicação. “A partir da definição da inserção das crianças fomos construindo internamente essa proposta e nos desafiando a pensar e repensar nossa forma do fazer comunicação. Em alguns estados, foram realizadas oficinas de comunicação, mas é diferente de trabalhar junto no dia a dia. Então desde o início do planejamento foi necessário pensar a metodologia dessa inserção, porque não dava para simplesmente dizer para as crianças fazerem o que a gente já está acostumada a fazer”, afirma.
Brincar, sorrir, lutar por Reforma Agrária Popular
No MST, fazer comunicação popular requer que a gente compreenda a realidade onde estamos inseridas para que, a partir desta análise, possamos construir ferramentas comunicativas de resistência e emancipadoras.
Nesse sentido, pensar o processo de inserção da criança Sem Terrinha nestes espaços é um desafio para todas, tanto na concepção quanto na forma, pois tudo deve ser construído junto com elas, o que será falado na rádio, quais as imagens vamos captar para o vídeo, como enquadrar uma foto, o que é legal colocar num texto… Tudo vindo da realidade onde estão inseridas.
“É um aprendizado para nós também, porque precisamos, de certo modo, nos libertar da forma ‘mecânica’ do fazer a comunicação e experimentar novos jeitos. Isso significa que podemos construir outras metodologias agregadoras”, salienta Bonassa.
O locutor do “Programa Sem Terrinha no Ar”, da Rádio Livre do MST em Santa Catarina, o Sem Terrinha Flávio Rossato, de 12 anos, do Assentamento 25 de maio em Aberlardo Luz faz o programa musical e de notícias semanalmente.
Quando falamos da sua atuação na frente de rádio do encontro ele comenta que foi um processo enriquecedor, “eu pude aprender mais coisas, como mexer no gravador que eu não sabia. Fizemos programa do Sem Terrinha e entrevistamos várias pessoas da cozinha e a professora de Santa Catarina que fez a oficina de criação de história. Eu sinto que estou ajudando as pessoas, levando informação para outros estados que puderam estar aqui”, conclui.
Além disso, também houve inserção das crianças na fotografia e produção de texto, neste último se destaca a criação do Diário do 1° Encontro Nacional das Crianças Sem Terrinha, escrito por elas e ao fim do dia publicado no site do MST. Ao todo vinte crianças foram envolvidas no processo da comunicação do evento.
Pés no chão e mídias na mão: democratizar a comunicação
Ao longo dos seus 34 anos, o MST sempre teve a comunicação popular como um elemento da sua estratégia de Reforma Agrária e luta pela democratização da terra. O enfrentamento à mídia burguesa é algo que o Movimento vivencia desde o início de sua existência, o que coloca sempre o desafio de atualizar a discussão do debate sobre o papel da comunicação e seus desafios na organização do povo Sem Terra.
Uma vez que, entendemos a comunicação em uma perspectiva emancipadora, onde cada trabalhadora e trabalhador possa ser um comunicador popular, fazer uma comunicação do povo, com o povo e para o povo, sempre dialogando com a luta e projeto do que queremos com a sociedade brasileira.
É nesse cenário que também se localiza a criança Sem Terra, ela não é um sujeito deslocado da luta pela terra e de todos os aspectos que envolvem a construção da Reforma Agrária Popular, e a comunicação é um elemento fundamental.
A Sem Terrinha Eduarda Prates lembra que é preciso fortalecer a unidade e solidariedade. Quando questionada sobre sua interação com as demais crianças da equipe, comentou: “a gente falou que um tem que ajudar o outro para não se sentir solitário quando se mais precisa e temos que ser amigas”. E faz o seguinte apontamento para a próxima atividade: “eu gostaria de ter liberdade para gravar um Encontro inteiro do MST, pois ele luta pelos direitos, mas também tem responsabilidades de cuidar das coisas e ser organizado”, reforçou.
Camila Bonassa acredita que “depois dessa experiência, vamos sempre levar em conta a possibilidade de trazer as crianças mais para perto da comunicação, não só nos encontros Sem Terrinha, mas no dia a dia da nossa organização. Essa experiência acumula não só para o Setor de Comunicação, como também para o conjunto do Movimento, pois foi um passo a mais no desafio de internalizar a comunicação como parte – e necessidade – da luta por Reforma Agrária Popular”.
Ao fim, liberdade segue como uma das palavras que expressam o que foi experienciar esses dias com as crianças. Com certeza não saímos as mesmas comunicadoras e comunicadores que aqui chegamos. Na bagagem de volta para casa muitos aprendizados, afetos e a certeza de nosso papel nessa história é seguir construindo processos emancipadores do povo, que passa por uma comunicação libertária.
Acompanhe no especial do Encontro Sem Terrinha tudo o que foi produzido pela comunicação durante a atividade.
*Editado por Gustavo Marinho