O caminho da nossa poesia
Por Janelson Ferreira
Da Página do MST
A elaboração literária no MST é um processo histórico e coletivo. Com a bandeira vermelha hasteada no latifúndio improdutivo, a resistência e produção de alimentos caminharam lado a lado com a tarefa da formação política e sistematização da luta.
No Seminário Nacional “Literatura nos Processos de Formação e Educação do MST”, que aconteceu entre os dias 22 e 25/8, foi apresentado esse percurso da luta pela terra com o trabalho literário no MST.
O Seminário, que aconteceu na Escola Nacional Florestan Fernandes (ENFF), em Guararema (SP), debateu essas questões, a partir do papael da literatura na formação do povo brasileiro, analisando como ela foi trabalhada nos processos revolucionários.
Como tudo começou?
Edgar Kolling, um dos militantes que contribuiu com as primeiras elaborações do MST, em 1986, coordenou o Curso de Formação de Monitores do MST, um dos primeiros cursos de abrangência nacional que preparou a militância Sem Terra à tarefa da massificação, com o objetivo de garantir a expansão do Movimento em todo território nacional.
O curso foi dividido em dez etapas, que foram concluídas em 1988, e alguns livros marcaram a militância da época, como “A montanha é algo mais que uma imensa estepe verde”, “Mulheres da Nicarágua… Estamos todas despertas”, “Se me deixam falar Domitila”, entre outros. Muitas dessas obras falavam da última revolução triunfante do século XX: a Revolução Sandinista, na Nicarágua.
“Naquela época, essa influência do combate e da solidariedade internacionalista, fazia a gente colocar a mochila nas costas e topar qualquer coisa”, lembra Maria Gorete, militante do MST e uma das participantes do curso.
Gorete atua no estado do Maranhão e hoje é uma das principais referências da Formação do MST. “A tarefa de construir o Movimento Sem Terra em todo país esteve fortemente influenciada pelo processo revolucionário sandinista. Era a guerrilha naquele país que levava diversos jovens sonhadores a ir lutar pela revolução brasileira”.
Poesia e luta
Desde o início do MST, uma das principais ferramentas de formação foi a poesia. Ainda no início da organização, pela primeira vez, milhares de camponeses tiveram contato com a poesia. Ela estava na fala, na organização das famílias, na luta contra o latifúndio, na resistência aos despejos e ataques dos pistoleiros. A poesia estava na essência.
A forma poética com que a militância intervia no processo de formação da consciência fazia com que o encantamento pela revolução avivasse a convicção da luta.
A poesia no MST é fruto do movimento do povo e de sua organização. Assim como toda a classe trabalhadora, os Sem Terra usam da poesia para formar sua própria cultura política, propondo, dentro do latifúndio ocupado, uma nova sociabilidade, que rompa com as opressões. Por isso, a literatura nunca caminhou sozinha.
Publicação
O livro “Sem Terra com Poesia”, de Roseli Caldart, foi a primeira sistematização da literatura poética dentro do MST. Publicado pela primeira vez em 1987 e relançado em 2017 pela Editora Expressão Popular, o livro analisa a manifestação das poesias entre os camponeses Sem Terra. A sistematização trazia fortemente a tradição da cultura da oralidade como forma narrativa predominante. As poesias falavam das experiências de vida, de luta pela sobrevivência e de engajamento na construção da Reforma Agrária.
“Nós encontramos na militância e na formação do movimento uma ampliação dos horizontes. A literatura nos fez olhar para o mundo e saber que ele era muito maior que aquilo que a gente via”, afirma Gorete. A literatura no MST dá voz aos camponeses historicamente silenciados. É também por meio da literatura que os Sem Terra falam de si para si.
Todo militante é um formador
A militância do MST sempre teve como tarefa a formação. Todo militante e dirigente precisava ser um formador. E, para isso, a literatura era fundamental. Mais do que ler, a militância Sem Terra sempre foi desafiada a escrever. A partir desse desafio surgem diversos Sem Terra poetas.
“A poesia do MST é uma arma subversiva. Ao subverter a ordem do discurso linguístico, ela contribui para a subversão da ordem capitalista em que estamos inseridos”, explica Maria Estefania Artigas, pesquisadora uruguaia que estuda a literatura no MST. Para ela, os escritores do MST possuem uma forma de escrita que cria e anuncia um mundo novo, mas que também demonstra que este novo já existe.
Charles Trocate, poeta e militante Sem Terra no Pará, ganhou o livro “Sem Terra com Poesia” ainda no início de sua militância. Alfabetizado pela irmã, ao ler a obra presenteada, descobriu o que queria ser: poeta. Sua poesia, até hoje é utilizada como ferramenta de rebeldia.
Palavras Rebeldes
Desde 2015, uma das frentes de trabalho do coletivo nacional de Cultura do MST é a de literatura “Palavras Rebeldes”. Ela surge, inicialmente, para suprir demandas especificas de organização de coletâneas de poesia para agitação e propaganda.
Ao ampliar sua atuação, “Palavras Rebeldes” passa a realizar experiências que dão vazão a produção de materiais de subsídios para os processos de formação. Exemplo disso, foi a coletânea de narrativas sobre violência contra as mulheres, construída em parceria com o setor de gênero do MST.
Hoje, a frente tem como objetivo lutar pela democratização da literatura, facilitando as vias de acesso aos conteúdos literários.
Estefania, ao fazer um estudo sobre a frente “Palavras Rebeldes”, diz que o coletivo consegue demonstrar que existem processos que destroem a ideia individualista de produção, confrontando com a base fundamental do capitalismo. “A poesia, sem dúvida, compõe a identidade do Movimento Sem Terra”, destaca.
Nestes 34 anos do MST foi possível construir a formação de uma cultura política, que tem a literatura como elemento central. E é justamente esta cultura política que continua formando militantes, que coletivamente ousam questionar, diariamente, o latifúndio da terra e da arte.
*Editado por Wesley Lima