No Amapá, briga pelo Senado opõe políticos envolvidos em grilagem internacional
Por Bruno Stankevicius Bassi
De Olho de nos Ruralistas
Com 71% de seu território protegido sob unidades de conservação e terras indígenas, o Amapá ostenta o título de estado menos desmatado do Brasil. Mas seu território está sob ameaça: vendido por políticos ruralistas como “nova fronteira agrícola“, o cerrado amazônico – que ocupa 9,25% da superfície do Amapá – vem perdendo terreno para a expansão da soja e do eucalipto.
Um dos pioneiros da sojicultura no estado é Jorge Amanajás (PPS), ex-presidente da Assembleia e candidato ao Senado. Junto ao deputado estadual Eider Pena (PR), Amanajás liderou missões no Mato Grosso, visando o escoamento de grãos via porto de Santana, e encabeçou a tentativa de revogar a lei que criou a Floresta Estadual do Amapá (Flota), numa área cobiçada por produtores de soja.
A dupla – que ilustra a foto em destaque – tem mais coisas em comum. Em 2006, os dois foram denunciados pelo Incra por um esquema de grilagem na Fazenda Lago Azul. Segundo a ação ajuizada no Ministério Público no âmbito da CPI das Terras Públicas do Amapá, os deputados compraram inicialmente 1.377 hectares pela bagatela de R$ 67 mil. O preço baixo se devia ao fato das terras estarem em uma área sob litígio, originalmente pertencentes à Amapá Florestal e Celulose (Amcel), desde os anos 1970 considerada uma das principais responsáveis pela grilagem de terras públicas no estado.
De acordo com a denúncia, Amanajás e Pena avançaram também sobre terrenos vizinhos, abocanhando mais de 5 mil hectares. Os políticos negaram as acusações, alegando que a Fazenda Lago Azul estava totalmente regularizada. A pecha de “grileiros do colarinho branco” levou Jorge Amanajás a processar, por danos morais, o jornal Folha do Amapá.
A FARRA DAS TERRAS PÚBLICAS
Como resultado da CPI, a Amcel foi condenada a devolver 118 mil hectares à União. Não era sua primeira vez: a empresa, vendida em 2006 ao grupo japonês Nippon Paper Industries, é alvo de 13 processos impetrados pelo Incra e está envolvida em grande parte dos conflitos fundiários no estado, impactando 1.024 famílias.
Em 1998, dois anos antes de ser incorporada pela multinacional estadunidense International Paper, a Amcel já havia se comprometido a não utilizar 140 mil hectares adquiridos irregularmente. Em 1995, outros 10 mil hectares haviam sido devolvidos no município de Tartarugalzinho, por indícios de grilagem.
Proibida de comprar novas terras, a empresa usou seu capital político para tentar reverter a decisão. No livro “Código Florestal e Compensação de Reserva Legal: ambiente político e política ambiental”, o autor Paulo Roberto Cunha relata que uma minuta redigida pela empresa e apresentada ao Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), viria a se tornar a Medida Provisória (MP) 1.605-30/1998, que introduziu o sistema de compensação de reserva legal no Brasil. A compensação de RL foi um dos pilares que levou à criação do Novo Código Florestal de 2012.
As ligações de Jorge Amanajás e Amcel não param por aí. Josmar Chaves Pinto (PPS), indicado como segundo suplente de sua chapa, foi denunciado em 2012 como um dos responsáveis pelos crimes ambientais cometidos pela empresa Concretos do Amapá. Desativada desde 2006, a Concreap alugava máquinas para a Amcel realizar trabalhos internos em uma de suas propriedades em Santana.
Apesar das acusações de grilagem, Amanajás participou, enquanto presidente da Assembleia, de audiências públicas sobre regularização fundiária, onde foram abordadas outras denúncias contra a Amcel. Em 2015, já empossado pelo governador Waldez Góes (PDT) como secretário dos Transportes, ele foi acusado pela deputada federal Janete Capiberibe (PSB) de articular a exoneração da superintendente do Incra no Amapá.
Um dos principais responsáveis pela indicação de cargos comissionados no Instituto de Meio Ambiente e de Ordenamento Territorial do Amapá (Imap), Amanajás foi condenado em 2016 pelo desvio de R$ 820 mil durante sua gestão como presidente da Assembleia. Seu eterno sócio, Eider Pena, foi condenado à prisão em regime fechado.
‘HERDEIRO’ DE SARNEY QUER O SENADO
Entre os rivais de Amanajás na briga pelo Senado está o ex-aliado Gilvam Borges (MDB), que tenta retomar a cadeira perdida em 2011. Afilhado político e sucessor de José Sarney, Gilvam é filho de Miguel Pinheiro Borges, denunciado na CPI das Terras Públicas como um dos principais beneficiários da grilagem da Amcel no Amapá.
O envolvimento histórico do ex-presidente com a grilagem no Maranhão – onde Sarney voltou a ter domicílio eleitoral – foi um dos temas da série De Olho na Bancada Ruralista: “Com Roseana, família Sarney tenta retomar controle do feudo político no Maranhão”.
Nos últimos anos, Borges protagonizou um duelo particular com o ex-governador João Capiberibe (PSB). Em 2005, após ter perdido a disputa pela reeleição ao Senado para o rival, articulou a cassação de Capi, como é conhecido, denunciado por compra de votos junto à mulher, a deputada federal Janete Capiberibe (PSB). O casal, inimigo histórico do clã Sarney no Amapá, alega ter sido vítima de uma armação dos adversários políticos.
Em 2010, seu aliado Jorge Amanajás foi derrotado por Camilo Capiberibe (PSB), filho de Capi, na disputa pelo governo do estado. Na disputa pelo Senado, Gilvam Borges perdeu novamente nas urnas, mas assumiu o mandato de senador após a candidatura de João Capiberibe ser impugnada com base na Lei da Ficha Limpa. A vitória durou pouco: em 2011, o ex-governador conseguiu uma reversão na Justiça e pôde exercer o cargo até 2018, deixando o adversário sem mandato.
Mais uma vez na disputa para o Senado, Gilvam Borges leva consigo a família: seu irmão Geovani e seu filho Miguel Gil são seus suplentes, enquanto o primo Cabuçu Borges concorre à reeleição na Câmara. Em 2017, Miguel Gil Pinheiro Borges entrou no centro de uma polêmica após ser nomeado por José Sarney para um cargo no Senado, com salário de R$ 4.084,29. A repercussão fez o ex-presidente cancelar a nomeação.
WALDEZ TEM LIGAÇÃO DIRETA COM AMCEL
Candidato a governador, João Capiberibe lidera as pesquisas de intenção de voto contra o senador Davi Alcolumbre (DEM) e o candidato à reeleição Waldez Góes (PDT), outro político intimamente ligado à Amcel.
Em 2017, ele recebeu a nova diretoria da empresa no Palácio do Setentrião e anunciou seu apoio à entrada da Amcel no mercado de grãos, com o plantio de 20 mil hectares de soja. Na campanha de 2014, o grupo nipônico doou R$ 20 mil para a eleição de Waldez.
Entre os governadores brasileiros, o pedetista é o líder em processos na Justiça, sendo réu em quatro processos, todos referentes a fraudes em licitações. Embora a família não declare nenhum bem rural, seu filho, o deputado federal Roberto Góes (PDT), é membro ativo da Frente Parlamentar da Agropecuária.
Outro membro da FPA, André Abdon (PP) é filho do ex-deputado estadual Zeca Abdon (PSDB), dono da Agropecuária Lago Novo, destinada à criação de búfalos em Santana. Em 2016, Abdon indicou sua irmã para o cargo de diretora da Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia (Sudam), responsável pela aprovação de projetos de desenvolvimento financiados por empréstimos públicos.
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