Famílias Sem Terra sofrem despejo em Goiás
Por Janelson Ferreira
Da Página do MST
Nesta última quinta-feira (23), cerca de 150 famílias Sem Terra do Distrito Federal e Entorno foram despejadas do acampamento Antônio Nascimento, em Formosa (GO)- localizado há 80 quilômetros de Brasília-.
A ação, executada pela Polícia Militar de Goiás, cumpriu liminar de reintegração de posse solicitada pelo suposto proprietário da fazenda que as famílias ocuparam.
A fazenda, que possui cerca de 1.600 hectares, situa-se às margens do Rio Paranã, importante afluente da região. Segundo as famílias acampadas, a área estava improdutiva há anos e foi grilada pelo proprietário que a desmembrou em várias partes e as transferiu para laranjas.
O levantamento da cadeia dominial, que está em andamento, demonstra que a área, além de ser improdutiva, é objeto de especulação. A grilagem de terra é uma prática histórica na região. Há registros de diversas famílias tradicionais do município de Formosa que obtiveram grandes latifúndios por meio de grilagem.
“O Estado é o responsável por essa violência”, afirma Iracilda Rodrigues, da direção estadual do MST do Distrito Federal e Entorno, e continua: “Aqui era uma área abandonada, nem pasto para o gado tinha. Com a ocupação, demos uma outra cara ao lugar. Mas, o Estado, por meio do Judiciário e da Polícia, optou pela grilagem, pela improdutividade e o latifúndio”.
A dirigente lembra também a mudança que a produção coletiva no acampamento causou na vida das famílias. “As famílias não tinham para onde ir. O acampamento foi a possibilidade que tiveram de reconstruir suas vidas, sonhando com o assentamento”, destaca.
“O despejo fez com que elas [as famílias] se questionassem para onde iriam, pois não têm dinheiro para pagar aluguel na cidade. Elas são vítimas deste Estado”, enfatiza Rodrigues.
Augusto Targino, também dirigente estadual do MST-DF e Entorno, fala sobre a mudança que o acampamento gerou na área. “Quando ocupamos, aqui era só mato, nem pasto tinha. O pouco gado que havia aqui estava passando fome”, afirma Targino.
O Sem Terra lembrou ainda que foi realizado um planejamento para garantir a produção na área. “Toda família tinha uma roça aqui. Plantavam mandioca, abóbora, arroz, feijão. Daqui alguns dias plantaríamos uma roça coletiva de milho crioulo. Não deu tempo. A injustiça foi mais rápida”, denuncia.
Maria Marli: presente, presente, presente!
Durante o despejo, a acampada Maria Marli sofreu um ataque cardíaco fulminante e faleceu. O Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU) não foi até o local, apesar de receberem diversos pedidos das famílias acampadas, e a Polícia, que pressionava as famílias para saírem do acampamento, se negou a atender Maria.
Revoltada com o ocorrido, Rodrigues destaca: “É essa a atenção que nos sobra. Não temos direito a atendimento médico, socorro. Para nós, só há a polícia. O que nos sobra é somente a violência do Estado, nada mais”.
Nesse sentido, ela lembra que Maria, sempre com um sorriso no rosto, dizia que “aqui era a casa dela e não sairia daqui por nada”.
“A lembrança de Marli e a violência do Estado serão combustíveis da nossa luta. Não recuaremos! Nossa luta continuará até que todo latifúndio abandonado se torne vida pelas mãos dos e das Sem Terra cuidando da terra”, conclui Rodrigues.
Atuação do agronegócio
O município de Formosa é conhecido como “Berço das Águas”, por localizar-se em uma região de tríplice divisão de águas. Três das maiores bacias hidrográficas da América do Sul – São Francisco, Tocantins/Araguaia e Paraná/Prata – possuem nascentes no município. Por conta desta característica, Formosa possui um meio ambiente extremamente sensível. No entanto, ações do agronegócio e de grileiros colocam em risco a biodiversidade do local.
Além disso, a região é o principal trecho de ligação do Centro-Oeste com o Nordeste, sendo fundamental para o fluxo do agronegócio. Diversas multinacionais ligadas ao agronegócio, como a Syngenta, Bayer e Cargill, estão instaladas na região.
Com este despejo, o acampamento Antônio Nascimento é o segundo a ser expulso de uma área improdutiva em menos de um mês no Distrito Federal e Entorno desde o resultado das eleições.
O primeiro, acampamento Dandara, sofreu reintegração de posse e ocupava uma área que possuía cerca de 400 hectares grilados.
“A eleição de Bolsonaro e os nomes que ele está indicando para seus ministérios, apontam um cenário perigoso para os e as Sem Terra”, comenta Targino e acrescenta: “Mais do que nunca, resistiremos à qualquer tentativa de criminalização da nossa luta”.
Neste momento, as famílias foram deslocadas para um assentamento próximo e o MST está tomando todos os cuidados de acompanhamento e organização das famílias.
*Editado por Wesley Lima.