O quintal de Gilberto e a Agroecologia na saúde das camponesas e camponeses
Com a Agroecologia podemos fazer com que a “nossa comida seja nosso remédio, que nossa cozinha seja nossa farmácia e nossa casa seja nosso hospital!”
Por Danilo Araújo*
Da Página do MST
Caminhando pelo quintal de Seu Gilberto, pergunto sobre o que tinha plantado, e ele me diz:
-Rapaz, tenho um pouco de tudo, banana, aipim, feijão, cana, remédios…
-Ué remédios?
-Sim, remédios, essa é mertiolate, serve pra curar ferida, seca em um dia! Esse é guaco, para gripe é tiro e queda, serve até pra “pulmonia”. Tenho boldo pra dor de barriga… Só o que tem aqui é remédio! No meu quintal não entra veneno, anunciou, seu Gilberto.
O pai da medicina moderna Hipócrates já alertava que o maior paradigma da saúde é “Que seu remédio seja seu alimento, e que seu alimento seja seu remédio”.
Por todos os lados recebemos todos os dias um bombardeio de propagandas do tipo: “Tome Coca Cola!, Coma Elmas Chips! Coma McDonald&”39;s!!” na televisão, no rádio, na internet e até nas redes sociais!!! e isso não é por acaso. Vivemos em uma sociedade de consumo, somos consumidores, e o que comemos gera lucro para alguém, então, alimentos rápidos, produzidos em grande escala e padronizados chegam cada vez mais fácil para as pessoas. Seja através de um telefonema ou de um aplicativo, em nossas casas, mesas e corpos. E a propaganda é a alma do negócio.
Seria coincidência o grande aumento do número de pessoas obesas, diabéticas e hipertensas no Brasil e no mundo hoje? No Brasil se estima um número de 36 milhões de indivíduos hipertensos, aproximadamente 12 milhões de diabéticos e mais de 50% da população brasileira está acima do peso. E a relação causal entre a alimentação e a incidência das mencionadas enfermidades já é comprovada cientificamente, sem mencionar os diversos tipos de câncer, que hoje no mundo ocupa uma das primeiras causas de morte.
Tendo em vista esses aspectos, como se produz o que comemos hoje? O modelo de agricultura industrial e excludente do agronegócio, do capital, produz alimentos em grande escala, ou seja, monocultivos, e para que existam, necessitam cada vez de maiores quantidades de agrotóxicos/veneno aplicados em sua produção.
Estima-se que cada brasileiro consome cerca de 7,3 litros de agrotóxicos por ano, por meio da alimentação! Um índice assustador e que vai em crescente!
Os agrotóxicos geram intoxicações ao corpo humano, de curto, médio e longo prazo, as de médio e logo prazo são as mais difíceis de detectar, pois os sintomas são mais vagos e de longa duração, afetam todos os sistemas do organismo, podendo provocar diversos tipos de câncer. E o mais assustador é que já são encontrados no leite materno, segundo pesquisas recentes!
Então, esse é o tipo de comida que queremos comer? Existe alguma outra forma de produzir comida que não seja essa? A boa notícia é que sim!! Existe outra forma de produzir comida por meio da Agroecologia! A agroecologia é um sistema, onde se produz comida saudável respeitando a natureza e os seres que nela habitam, e o melhor de tudo: não utiliza agrotóxicos!
Voltando ao quintal de seu Gilberto podemos ver como funciona um sistema produtivo agroecológico. Ao redor da sua casa, vemos aipim ou macaxeira, a mandioca para fazer farinha, o urucum para fazer corante, o milho e o feijão, as hortaliças verdinhas sem uma gota de veneno, além das galinhas, porcos e vacas que são criadas e alimentadas da maneira mais natural possível.
— Seu Gilberto, como o senhor faz para não usar agrotóxicos?
— Ah meu filho a natureza é boa com a gente sabe? Se sabendo agradar ela, ela devolve em dobro! Pra começar tem que ter um pouco de tudo, se não “as pragas” tomam conta…
— Como assim um pouco de tudo?
— Olha, tem que ter planta nativa, combinada com frutífera, que essas é pra dar sombra e frutas todo ano. Depois tem as plantas de comer que vai no meio das outras… e assim praga nenhuma toma conta, e se vier sempre tem alguma plantinha que ajuda…
— E a adubação?
— As “vaquinha” meu filho, eu vou rotando, fazendo rodízio, delas por vários pastos sabe. Assim conserva mais a terra, e o esterco que elas vão deixando dá um adubo bom danado! Além das outras plantinhas que a gente chama de adubadeira, que a gente planta e elas deixam a terra bem fértil pra plantar no outro ano.
— E os remédios seu Gilberto? Onde entram?
— Tudo que a natureza dá pra a gente comer é remédio, é só não envenenar ela, mas a gente sempre tem as nossas plantinhas pra quando dá uma decaída, e elas ficam ali na hortinha, junto com as de comer. Tem pra todo tipo de dor e doença, só que tem que saber usar! Tem umas que é chá, outras que faz pomada, outras pra fazer sabão, outras pra comer e assim vai… Aqui todo mundo usa os remédios, eu, meus vizinhos e todos que precisar!
Então, logo depois de conhecer a Agroecologia, o que esperamos para começar a cuidar da nossa saúde como ela merece? Para isso que isso aconteça, que “nossa comida seja nosso remédio, que nossa cozinha seja nossa farmácia e nossa casa seja nosso hospital!”
“AgroecologiaÉOCaminho
*Danilo Araújo é militante Sem Terra, médico popular e integra o coletivo de Saúde do MST no estado da Bahia.
**Editado por Solange Engelmann.