MST forma 44 engenheiros agrônomos comprometidos com a agroecologia
Por Catiana de Medeiros
Da Página do MST
Fotos: Leandro Molina
Por meio da Educação, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) reforça a luta por um novo projeto de agricultura, que respeite a natureza e todas as formas de vida. Esse objetivo se fortalece com a formatura de 44 jovens camponeses, oriundos de dez estados, no Curso Superior de Agronomia com Ênfase em Agroecologia. A colação de grau dos trabalhadores Sem Terra e Atingidos por Barragens foi realizada na noite do último sábado (15) no Assentamento Novo Sarandi, em Sarandi, no Norte do Rio Grande do Sul.
As aulas de Bacharelado em Agronomia acontecem desde 2014 no Instituto Educar, uma escola de ensino superior e técnico construída pelo MST na antiga Fazenda Annoni, em Pontão, também na região Norte gaúcha. Essa é a primeira turma de engenheiros agrônomos formada na instituição. A segunda conclui seus estudos em 2020 e a terceira deve ingressar em fevereiro de 2019. O curso, que possui cinco anos de duração e ocorre em regime de alternância, é viabilizado através do Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (Pronera), em parceria com a Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS) – Campus Erechim.
Colação de grau
O ato de colação de grau lembrou o papel histórico das mulheres camponesas na descoberta e no desenvolvimento da agricultura, por meio do cultivo e da preservação de sementes crioulas. Também criticou a ofensiva do modelo capitalista de produção, que destrói a natureza com o uso abusivo de insumos químicos, agrotóxicos e sementes transgênicas. O novo projeto de agricultura, defendido pelo MST para o campo brasileiro, foi representado pelos 44 jovens formandos, que simbolizaram o sonho de milhares de famílias Sem Terra de transformar a sociedade com a agroecologia.
Nesse sentido, a assentada Irene Manfio ressaltou que esse novo projeto deve incluir “as famílias camponesas como sujeitos de uma transformação histórica no campo e na cidade” e ser capaz de produzir alimentos saudáveis e de interpretar a natureza como aliada e não como inimiga. “Queremos relações mais humanas e não de interesses econômicos. Assim, se faz necessário formar agrônomos militantes que construam junto com o campesinato a agroecologia”, disse.
O juramento dos formandos complementou o tom das declarações de Irene. Eles se comprometeram a trabalhar pelo bem da humanidade, a respeitar a natureza e os saberes camponeses, a buscar a sustentabilidade ambiental, uma agricultura socialmente justa, economicamente viável e ecologicamente sustentável, além de compartilhar seus conhecimentos, honrar o legado de luta herdado de seus pais e educadores e sempre seguir, na execução das atividades de Agronomia, os princípios da agroecologia.
Desafios e superações
Os oradores Tatiana Lopes e Lucas da Silva, representando todos os integrantes da turma, compartilharam com os participantes da formatura os momentos mais marcantes durante os cinco anos de curso. Lembraram que a ocupação do espaço universitário ainda é um privilégio no país e uma barreira colocada principalmente aos filhos de camponeses, historicamente privados do direito de estudar. Diante dessa realidade, destacaram a luta do MST desde 2012 para tornar possível o Curso Superior de Agronomia com Ênfase em Agroecologia no Instituto Educar. “O processo inicial não foi fácil. Houve intensas negociações com representantes da universidade, apresentando o projeto, os objetivos do curso, a importância da formação para a juventude camponesa e do desenvolvimento da produção agroecológica nos assentamento de Reforma Agrária”, resgataram.
Segundo os recém-formados, lutas em torno de objetivos coletivos se fizeram necessárias para garantir a continuidade dos seus estudos, em função do desmonte do Pronera após o golpe político, midiático e parlamentar de 2016. Recordaram a maturidade que tiveram para enfrentar aquele momento, com a decisão de destinar recursos que estavam sendo guardados à formatura para apoiar financeiramente o Instituto Educar, garantir a infraestrutura básica e impedir a paralisação das aulas.
Para a turma, que recebeu o nome de Ênio Guterres — em homenagem e memória ao engenheiro agrônomo e militante da agroecologia falecido em 2005 —, a elaboração teórica e a pesquisa acadêmica também foram grandes desafios, pois vinham acompanhadas da tarefa de estudar e pesquisar costumes, técnicas, culturas e problemáticas que envolveriam a base Sem Terra. No entanto, os jovens se destacaram pela qualidade dos trabalhos de conclusão de curso e o resultado das avaliações, feitas por doutores — as notas mais baixas foram oito, 15 jovens receberam nota 10 e 15 já estão publicando artigos.
Além disso, o único trabalho brasileiro premiado na Conferência Internacional sobre Agricultura e Alimentação em uma Sociedade Urbanizada, evento que envolveu este ano mais de 400 elaborações de acadêmicos, mestres e doutores de 32 países em Porto Alegre, é de autoria da primeira turma de Agronomia do Instituto Educar. Conforme a educadora Salete Campigotto, os recém-formados possuem alta qualidade e contribuirão com o desenvolvimento sustentável dos assentamentos da Reforma Agrária. “Muitos já estão inseridos em cooperativas e no Setor de Produção do MST em várias regiões do Brasil, e alguns jovens ajudarão camponeses a aplicarem a agroecologia na Venezuela e no Haiti”, contou.
Motivos de orgulho
O engenheiro agrônomo Adalberto Martins foi escolhido para ser paraninfo da turma Ênio Guterres, juntamente com a educadora Salete Campigotto. Durante o ato de colação de grau, eles demonstraram o orgulho que sentem pela formação dos pioneiros em Agronomia do Instituto Educar e elogiaram a trajetória trilhada pelos 44 formandos durante as etapas do curso. “Vocês amadureceram e se transformaram. Se tornaram seres humanos melhores e comprometidos com os camponeses e as mudanças necessárias ao país. Essa turma nos orgulha, porque é a maior formada pela UFFS no Campus de Erechim, porque alguns de vocês nós vimos crianças, vimos seus pais em acampamentos e em assentamentos se sacrificando para organizar o MST. Sem vocês aqui hoje, isso tudo não faria sentido. Agora é a hora de nos responsabilizarmos, de darmos sequência a essa dedicação pela causa popular”, apontou Martins.
Já Mário Lill, coordenador geral do Instituto Educar, agradeceu a todos que, de uma forma ou outra, contribuíram para que o curso se tornasse realidade. Ele destacou que a instituição é resultado da luta do MST, que traz como frutos a Reforma Agrária, a reorganização da produção, a socialização do conhecimento e condições melhores de vida. “O Educar fez tudo o que pôde para que os formandos saíssem daqui os mais humanos possíveis e com o máximo de conhecimento para transformar a produção em nossos assentamentos”, finalizou.