A educação emancipadora como projeto de sociedade
Por Maura Silva
Da Página do MST
Até que ponto crianças podem ser envolvidas em movimentos ideológicos e políticos? Pergunta a matéria veiculada pela Rede Record de Televisão?
Ancorados no artigo 16 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que fala dos direitos à liberdade, sobretudo nos seus incisos II (opinião e expressão), III (crença e culto religioso), IV (brincar e praticar esportes e divertir-se), V (participar da vida familiar e comunitária, sem discriminação) e VI (participar da vida política), pode-se afirmar que a pergunta acima já tem resposta.
A educação transformadora e emancipatória é aquela em que as escolas, país, docentes, autoridades públicas, profissionais, gestores e a sociedade em geral, primam pela construção de um olhar crítico e emancipatório de crianças e adolescentes.
Onde está o ECA?
Ao conhecer o ECA e as suas diretrizes com profundidade vemos que a proposta educacional não se restringe apenas ao contexto da educação formal, ela acontece intramuros escolares, em casa com a família e na comunidade.
O mesmo estatuto diz que educadores devem estar atentos em relação aos direitos fundamentais de toda a criança e adolescente, ou seja, direito à vida, à saúde, à liberdade, ao respeito, à dignidade, à convivência familiar e comunitária, à família natural ou substituta, à tutela, à doação, ao direito fundamental à educação, à cultura, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à proteção no trabalho, e a todo o tipo de prevenção, proteção e políticas públicas de atendimento que a criança e o adolescente exigem para serem.
De acordo com o jurista, pesquisador e ex-reitor da Faculdade de Direito (Graduação e Pós-Graduação) da Universidade de Brasília (UnB), José Geraldo Sousa, quem ocupa terra para fazer cumprir a promessa constitucional da Reforma Agrária e, consequentemente luta pela educação e pela diminuição da desigualdade social, não pode ser considerado um espoliador.
“Quando falamos em MST, estamos falando de uma articulação social e política em forma de movimento. Considerado por Celso Furtado o movimento social mais importante do século XX no mundo, uma afirmação compartilhada pelo reconhecimento do movimento em escala internacional, seja por prêmios ou pela qualificação dos seus projetos ao longo de sua existência. O Movimento tem um grande programa de desenvolvimento para o país que, além da produção de alimentos saudáveis, incluí a educação. Pouca gente sabe, mas foi o MST que inseriu nas políticas públicas de governo e de estado o debate acerca da educação no campo. Nesse sentido, é preciso ler a ação do MST, sobretudo, agora, numa conjuntura em que toda forma de ativismo é ameaçada”, alerta.
Expectativa x Realidade
Atualmente no Brasil, o número de analfabetos supera a marca de 11 milhões de pessoas. Uma em cada cinco crianças está fora da escola. Segundo dados divulgados do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud), o Brasil ocupa a 79.ª posição, logo atrás da Venezuela, dentre um conjunto de 189 economias.
Na luta contra esse cenário, os acampados e assentados da Reforma Agrária já conquistaram mais de duas mil escolas públicas em acampamentos e assentamentos pelo país, que atendem 200 mil crianças, adolescentes, jovens e adultos. Dentro dessa perspectiva de programa pedagógico, as crianças e adolescentes têm o direito e o dever de, juntamente com os pais e responsáveis, construir uma plataforma pedagógica, formativa e educacional.
Ainda segundo Sousa, a atual postura pedagógica de reconhecimento da subjetividade da infância, reconhecida e aceita pelo Brasil, requer proteção, evidentemente, mas requer também que as crianças sejam vistas como sujeitos de direito com base nos valores pedagógicos designados no próprio ECA. Nesse sentido, o conceito de ideologização cai por terra.
“Essa gama de atividades promovidas pelo MST nas escolas do campo, em encontros e atividades, têm um centro pedagógico que educa para cidadania, para liberdade e para a forma democrática de realização social. É fundamental frisarmos aqui que as escolas de assentamentos e acampamentos passam por uma pedagogia de preparação da consciência para esse projeto transformador de sociedade. Tudo o que é ensinado e compartilhado nessas escolas está dentro das diretrizes educacionais aprovadas internacionalmente”.
O jurista completa: “Essa é a pedagogia da alternância, reconhecida internacionalmente. Alternância significa educação na escola e no campo com mediação pedagógica nas duas dimensões. Essa é uma pedagogia que emancipa, que transforma e que educa para o desenvolvimento social. Não é só o MST que ganha educando nessa perspectiva, mas todo um país”.