Luiz Antonio Simas: “Os carnavais em momentos de crise são mais potentes”
Por Maura Silva
Da Página do MST
A folia já toma às ruas de Norte a Sul do país. Nos blocos passarelas e avenidas, as marchinhas e samba-enredos embalam a nossa maior festa. O Carnaval crítico e satírico nos mostra a cara do Brasil do golpe, do retrocesso e também da injustiça e da resistência, que segundo o historiador, escritor e pesquisador Luiz Antônio Simas é pilar de nossa história.
Em entrevista, o autor de 16 livros sobre a cultura popular, entre eles o recente Almanaque Brasilidades e o ganhador do Prêmio Jabuti: “A História Social do Samba”, fala sobre a maior festa popular do planeta.
Acompanhe:
Nós sabemos que o carnaval tem origem popular, mas, com o passar do tempo, a festa foi ficando cada vez mais mercantilizada (vide grandes desfiles e patrocínios). Na sua opinião, ainda é possível encontrar a cara do povo no carnaval?
Eu costumo dizer uma coisa que eu acho que é chave para que possamos entender o carnaval. O carnaval – ao contrário do que a gente imagina – é uma festa com uma tradição muito politizada na história brasileira. Então, você pega, por exemplo, os carnavais do século 19, eram festas que problematizavam a abolição da escravatura e a disputa pela terra. Ainda no século 19 tínhamos também o entrudo – uma festa extremamente popular de origem portuguesa – e, ao mesmo tempo, tínhamos o carnaval mais elitista, dos salões, as festas das grandes sociedades. A rigor, o carnaval é uma festa disputada. Ele pode ser mais elitista ou mais popular. Particularmente eu não acho que seja uma coisa ou outra, ele é tensionado, existe uma disputa pelo carnaval, sempre foi assim.
No ano passado a Paraíso do Tuiuti trouxe um enredo marcado pelas críticas sociais e governamentais, esse ano a Mangueira homenageia Marielle, isso significa uma mudança do olhar social das escolas de samba?
Quando a gente fala de carnaval de escola de samba é importante entender o seguinte: A escola de samba não é exatamente uma instituição de resistência convencional como a gente imagina que seja uma instituição de resistência. Desde suas origens na década de 1930, as escolas negociam com o Estado, com a contravenção, com o turismo, com a mídia, com o mercado. As agremiações alteram momentos de resistência, momentos de negociação e de adesão.
Politizou o governo Floriano Peixoto (1839-1895), o governo Hermes da Fonseca (1910-1914), satirizou poderosos, têm enredos que foram adesistas ao Estado Novo de Getúlio Vargas e a ditadura militar. Ao mesmo tempo, você tem enredos críticos a todo esse processo. Então, o que acontece em relação às escolas de samba é que a crise que atingiu os barracões nos últimos anos foi terrível, mas, ao mesmo tempo, foi positiva no seguinte sentido: as escolas de samba vinham aderindo a enredos muito marcados pela força do mercado porque você tinha uma marca que patrocinava a escola que, por sua vez, aceitava o dinheiro, mas o que aconteceu? Isso começou a mudar porque esse dinheiro sumiu e quando esse dinheiro some as escolas de samba precisam mudar e ai vem, por exemplo, carnavalescos como Leandro da Mangueira, Jacques Vasconcelos da Paraíso do Tuiuti, que são pessoas com uma pegada mais progressista, mais de esquerda e propõem enredo com cunho social mais efetivo.
Além disso, hoje nós podemos ver um avanço muito significativo nas pautas comportamentais, que foram respondidas com um discurso de retrocesso. Os festejos de Rio, São Paulo, Belo Horizonte têm apresentado uma grande novidade, que é o protagonismo da mulher brincando o Carnaval. Em 2019 as pautas do campo comportamental, que envolvem tolerância contra o obscurantismo, serão uma marca muito efetiva.
O atual governo e sua composição parece querer acabar com o carnaval e com quaisquer manifestações culturais. Como lidar com mais esse golpe?
O carnaval satiriza, lida com a galhofa, com o simulacro, então eu acho que quem diz que o carnaval é um momento de alienação devia estudar melhor a história da festa porque essa sempre foi uma festa que esteve relacionada à política seja como adesão ou como resistência. Então, você tem um momento como esse em que temos governos reacionários, o Rio de Janeiro tem que lidar como uma prefeitura neopentecostal da igreja Universal do Reino de Deus que demoniza o carnaval. O governo federal recém-eleito é um governo que demonstra claramente que não tem a menor aptidão para gostar do carnaval, da festa, e é por isso mesmo que ele tem que ser criticado, De certa forma, os carnavais em momentos de crise são mais potentes porque a festa é um instrumento de subversão, é um exercício de cidadania por canais que não são formais, é cultura de fresta. Diante disso, me parece que politizar o carnaval, foi, é e vai continuar sendo fundamental na história do nosso país.