Conheça a maior produção de arroz orgânico da América Latina, do MST
Por Maiara Rauber
Da Página do MST
Após uma década produzindo arroz orgânico, José Carlos de Almeida, residente no Assentamento Santa Rita de Cássia II, em Nova Santa Rita, na região Metropolitana de Porto Alegre, se orgulha das conquistas que a luta coletiva propiciou às famílias do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). “Através da produção agroecológica, nós somos reconhecidos, respeitados e temos força. Hoje somos os maiores produtores de arroz orgânico da América Latina”, destaca. Essa posição de liderança é confirmada pelo Instituto Riograndense de Arroz (Irga).
A primeira experiência do MST na produção de arroz de base agroecológica ocorreu há 20 anos, em pequenas áreas no entorno da capital gaúcha. Sustentadas em uma rede de cooperação e de ajuda mútua, as famílias se organizavam inicialmente por meio da Cooperativa dos Trabalhadores Assentados da Região de Porto Alegre (Cootap), no Assentamento Integração Gaúcha, em Eldorado do Sul; da Cooperativa de Produção Agropecuária dos Assentados de Tapes (Coopat), no Assentamento Lagoa do Junco, em Tapes; e da Cooperativa de Produção Agropecuária Nova Santa Rita (Coopan), no Assentamento Capela, em Nova Santa Rita.
Segundo o assentado Emerson Giacomelli, contrapor o modelo do agronegócio e apostar em novo jeito de produzir, com respeito à vida, aos ciclos da natureza e ao meio ambiente, fez com que os Sem Terra enfrentassem à época uma série de dificuldades. “Nós não conseguíamos nenhuma assistência técnica, nenhum incentivo ou apoio, nenhuma linha de crédito”, recordou.
No entanto, a produção de arroz em áreas de Reforma Agrária começou de forma convencional. As famílias, através da Cootap, tinham acesso a máquinas agrícolas e assistência técnica para organizar a produção nos assentamentos. Hoje, a cooperativa regional atua na linha de frente da cadeia produtiva de arroz agroecológico e organiza há 16 anos consecutivos eventos para celebrar a colheita.
Para Giacomelli, alguns motivos que levaram os camponeses à transição de cultura, da convencional à ecológica, como a profunda crise econômica do setor orizícola, no final dos anos 90, o surgimento de inúmeros problemas de saúde, a poluição nos assentamentos, o manejo inadequado de recursos naturais devido ao uso abusivo de agrotóxicos e a busca de autonomia no plantio, beneficiamento e comercialização.
Celso Alves Silva, coordenador do setor de grãos da Cootap, reforça que a decisão foi técnica e política. “Durante sua trajetória, o MST amadureceu e abraçou a bandeira da conquista da terra, de produção de alimentos saudáveis, distribuição de renda e integração social e econômica entre as famílias assentadas. Ele indicava que era possível produzir alimentos sem veneno em escala e preservando os recursos naturais”, acrescentou.
Envolvimento de mais famílias
O debate sobre a construção de uma nova sociedade e a conscientização sobre os impactos dos modelos de agricultura na saúde e no meio ambiente fizeram com que centenas de outras famílias Sem Terra, motivadas pelas experiências da Cootap, Coopan e Coopat, começassem a produzir arroz agroecológico. Esse processo se fortaleceu por meio de intercâmbios e estudos sobre rizipiscicultura, arroz pré-germinado, secagem, armazenagem, beneficiamento, processamento e formas de comercialização.
Atualmente há 363 famílias do MST produzindo o arroz orgânico em 15 assentamentos e 13 municípios – Charqueadas, Capela de Santana, Eldorado do Sul, São Jerônimo, Canguçu, Manoel Viana, Tapes, Arambaré, Nova Santa Rita, Viamão, Capivari do Sul, Guaíba e Santa Margarida do Sul. A área plantada na safra de 2018-2019 é de 3.433 hectares, e a estimativa de colheita é de aproximadamente 16 mil toneladas.
Os assentados prepararam o solo e plantam o arroz em sistema pré-germinado. A produção é totalmente livre de agrotóxicos. Quando se faz necessário o controle de pragas, utilizam biofertilizantes, repelentes naturais ou insumos permitidos pela legislação dos orgânicos. A água também ajuda a combater inços e plantas indesejadas. Já o melhoramento do solo é feito com incorporação de matéria orgânica, como estercos de animais e palhas de arroz, uso de calcário, pó-de-rocha e fosfato natural.
Grupo Gestor do Arroz Agroecológico
Os produtores se organizam no Grupo Gestor do Arroz Agroecológico desde 2002. Ele foi constituído a partir da união de famílias de vários assentamentos que passaram a compartilhar experiências e a aperfeiçoar suas visões enquanto coletivo. Isso resultou em avanços na cadeia produtiva de arroz orgânico do MST.
Giacomelli defende a organização coletiva busca consolidar alternativas ao agronegócio, pois estabelece relações de respeito e integração entre os seres humanos e os recursos naturais. “Nossa produção é feita com técnicas que estimulam a fertilidade e a produção de alimentos saudáveis, e gera mais qualidade de vida aos produtores e consumidores, além de renda às famílias assentadas”, complementa.
O valor da produção e da certificação orgânica
Hoje, todo o processo produtivo, industrial e comercial do arroz orgânico é coordenado pela Cootap, que detém a marca comercial Terra Livre. Ela ajuda a organizar a produção das famílias vinculadas ao Grupo Gestor do Arroz Agroecológico, através de associações, grupos informais e cooperativas – Coopan, Coopat, Cooperativa de Produção Agropecuária de Charqueadas (Copac) e Cooperativa dos Produtores Orgânicos da Reforma Agrária de Viamão (Coperav).
O MST possui unidades próprias de agroindústria para recebimento, secagem, armazenagem e embalagem de arroz, além de Unidade de Beneficiamento de Sementes (UBS). As sementes são produzidas em sete assentamentos nos municípios de Eldorado do Sul, Viamão, Nova Santa Rita, Tapes e Guaíba.
O arroz orgânico é certificado desde 2004, em todas as etapas da produção, com base em normas nacionais e internacionais, por meio da certificação participativa (OPAC – Coceargs) e de auditoria (IMO – Ceres).
Segundo o assentado Cleomar Pietroski, responsável pelo Setor de Certificação da Cooperativa Central dos Assentamentos do RS (Coceargs), o arroz é certificado a partir de 12 meses de manejo orgânico na unidade de produção. “Além de agregar valor, a certificação dá a garantia de procedência e de qualidade do produto aos consumidores”, argumenta.
Comercialização institucional e exportação
A maior parte do arroz orgânico produzido pelo MST é destinada ao Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e ao Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae). Assim, além de abastecer o RS, o alimento chega aos estados de São Paulo, Minas Gerais e Paraná. Na capital paulista, o MST deve entregar a escolas públicas cerca de 2 milhões de quilos de arroz só este ano.
O grão também pode ser adquirido em mais de 40 feiras ecológicas da Região Metropolitana de Porto Alegre, no Mercado Público de Porto Alegre, na Feira Latino-Americana da Economia Solidária, em Santa Maria; na Exposição Internacional de Animais, Máquinas, Implementos e Produtos Agropecuários (Expointer), em Esteio; e na Feira Nacional da Reforma Agrária, em São Paulo.
Além de abastecer o mercado interno, o MST exporta arroz orgânico. A primeira experiência ocorreu em 2008, para os Estados Unidos. Depois, o alimento foi para a União Europeia, Portugal, Holanda, Alemanha, Espanha e Venezuela, tendo como foco o comércio justo e solidário. Atualmente, há busca de novos mercados na Grécia, Portugal, Espanha, Holanda, Argentina, Emirados Árabes, China, Haiti, Jamaica, Costa Rica, Itália e Peru, entre outros países.
Metas Sem Terra
O Grupo Gestor do Arroz Agroecológico elegeu como metas a inserção de novas famílias do MST na cadeia produtiva, a expansão da área plantada, a consolidação de uma nova Unidade Básica de Sementes e a construção de uma indústria de arroz parboilizado.
Também quer garantir toda a infraestrutura necessária para viabilizar a produção aos assentados e às cooperativas, além de formar técnica e profissionalmente jovens para que possam dar continuidade ao cultivo de arroz orgânico.
Giacomelli afirma que a formação política e ideológica também é prioridade aos Sem Terra. “Não existe agricultor orgânico que não tenha uma cabeça aberta. Ele precisa ter em mente a política, entender de sociedade, saber da conjuntura e do novo momento. Isso é muito importante para nós”, finalizou.
*Editado por Fernanda Alcântara