Centro de Memória resgata origem do maior complexo da Reforma Agrária da América Latina
Por Jaine Amorin
Da Página do MST
Aconteceu na terça-feira (12) no assentamento Marcos Freire, em Rio Bonito do Iguaçu, Paraná, a inauguração do Centro de Memória Terra e Povo.
O ato de abertura começou às 15h30 na Escola Municipal do Campo Hebert de Souza, e contou com a presença da comunidade local, representantes da escola do campo Iraci Salete Strosak, da Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS) e do Centro de Desenvolvimento Rural Sustentável e Capacitação em Agroecologia (CEAGRO).
As famílias Sem Terra dos assentamentos Marcos Freire e Ireno Alves dos Santos reuniram suas fotografias, depoimentos, vídeos, notícias de jornais locais e demais ferramentas com o objetivo de contar suas histórias nas paredes, estandes e mesas do Centro de Memória.
Os arquivos mostram a mudança na realidade dessas famílias, que sem esperança e apenas a roupa do corpo, ousaram ocupar um latifúndio. Elas resistiram ao frio, à chuva e ao sol, e hoje colhem os frutos dos longos dias embaixo da lona preta.
Orlando Baim, morador do assentamento Marcos Freire, defende a valorização desta história. “Para mim é um orgulho expor o que nós e muitos outros fizeram. Muitas vezes valorizamos o que falam no jornal sobre o exterior, mas o nosso trabalho árduo e complicado não é valorizado”.
O assentado conta como ficou emocionado ao recordar sua história: “Quando fui procurar fotos para trazer aqui, me arrepiou”. Segundo ele, as conquistas de sua família são resultado dessa luta: “Minhas crianças nasceram no acampamento e graças a isso tenho duas filhas que são professoras. Elas valorizaram esse sofrimento porque se formaram quando ainda não tínhamos muita estrutura”, completou.
Para Ivair Juncoski, também morador do assentamento Marcos Freire, o MST tem um papel fundamental na história dos brasileiros. “Não adianta a gente só lutar pela Reforma Agrária e depois ficar descansado, temos que continuar a luta pelo país. Temos que ficar atentos em tudo, não podemos esquecer que a nossa luta é uma luta de classe, do povo pobre”, completa o agricultor.
A História rememorada
Em 17 de Abril de 1996, dois marcos importantes fizeram da data o Dia Nacional da Luta por Reforma Agrária. No massacre de Eldorado dos Carajás, no Pará, 21 Sem Terra foram assassinados pela Polícia Militar do Estado.
Na cidade de Rio Bonito do Iguaçu (PR), três mil famílias Sem Terra ocuparam o latifúndio da Giacomet Marodin, atual madeireira Araupel. A ocupação no Paraná teve início no “Buraco” (local que fica à beira do Rio Xagu, nas margens da BR 158) e transformou a vida das famílias que ali enfrentaram fome, frio, chuva, ameaças do governo e dos “jagunços” da Giacomet. As dificuldades existiam, mas a esperança de um pedaço de chão mantinha a união e a força do acampamento.
“Aquele acampamento é a prova de que a força e união do povo é vida!”, afirmou Irmã Lia, em depoimento a alunos do Colégio Estadual do Campo Iraci Salete, localizado no assentamento Marcos Freire. Ela, que dedicou sua vida à luta do povo, relatou as dificuldades vividas naquele período: “Crianças recém-nascidas totalmente desnutridas eram comuns. O alimento era escasso, pouco para muitos”, relembrou.
Questionada na época por um padre da cidade sobre o porquê suportar àquelas condições, Irmã Lia respondeu: “E onde o povo encontra forças para viver?”. Segundo ela, era impossível saber o momento de ir embora, “e foi assim que o tempo passou”.
O Centro de Memória Terra e Povo revive as dificuldades e conquistas das famílias Sem Terra para reafirmar a luta desse povo que resultou em dois assentamentos: o Marcos Freire, formado por 578 famílias em uma área de 9.400 hectares, a partir do decreto de agosto de 1998; e o assentamento Ireno Alves dos Santos, com nome em homenagem à principal liderança da época que faleceu em 1996, com 972 famílias em uma área de 16.852 hectares, cujo decreto desapropriatório é datado de Janeiro de 1997.
Já o acampamento do Buraco sucedeu em outras ocupações de municípios vizinhos como Quedas do Iguaçu (também em terras da Giacomet-Marodin), Laranjeiras do Sul, Nova Laranjeiras e Espigão Alto, dentre outros. Assim, o latifúndio do território da Cantuquiriguaçu começou a ser diluído e tornou-se a área do maior complexo da Reforma Agrária da América Latina.
Ainda assim, o latifúndio da Giacomet-Marondin ainda existe. O nome não é o mesmo, agora é chamado de Araupel, mas as terras e os crimes são os mesmos. A área já foi dividida em quatro assentamentos e hoje conta com duas mil famílias divididas em dois acampamentos. As famílias esperam que Justiça seja feita e que a terra que hoje pertence a União seja destinada para fins de Reforma Agrária.