Não basta não ser racista, devemos ser anti-racistas
Uma das formas pelas quais a produção capitalista se estruturou no mundo tem com base material no racismo. Isso provocou a exclusão violenta de grande parte da humanidade, seja nas terras africanas com territórios ocupados e sua população mercadorizada, seja em terras americanas com genocídio da população nativa e escravização da população negra sequestrada além mar.
O dia 21 de março é uma data de grande importância para os militantes sociais, principalmente aqueles que buscam a construção de uma sociedade que supere as bases da produção capitalista. No mesmo dia, em1960, na cidade de Johanesburgo (África do Sul), cerca de 20 mil negras e negros lutavam contra a Lei do Passe, que obrigava a população negra a usar cartões de identificação sobre locais onde poderiam transitar na cidade. A repressão pelas tropas militares do regime apartheid resultou na morte de 69 pessoas e mais de uma centena de feridos. O episódio tornou-se marco mundial de resistência e luta pelo fim da discriminação racial e pela dignidade do povo negro, sendo posteriormente reconhecida pela ONU como Dia de Luta pela Eliminação do Racismo.
Para nós, brasileiras e brasileiros, o dia 21 de março serve também para a reflexão, embasada na mística de resistência do povo negro e lutador, uma vez que o Brasil foi constituído enquanto país por um sistema econômico político e social colonialista, com escravização de um povo inteiro. Isso se deu a partir da necessidade da acumulação primitiva do capital que se instaura a partir de repressão, violência, criminalização e, ao longo de todo o processo histórico, o país manteve exclusão social da maioria da sua população a partir da desigualdade racial e social.
Neste contexto, é sempre importante lembrar desta data, pois ainda somos um país campeão mundial de violação dos direitos humanos da comunidade negra. A cada 4 mortes violentas, 3 são negras e mais de 60% da população encarcerada são negras. Aqui a violência contra as mulheres negras tem crescido, seja a violência doméstica, o abuso sexual ou a violência obstétrica.
Outros dados apontam que trabalhadoras negras recebem salários menores, estão presentes nos trabalhos mais precarizados e têm um número menor de possibilidade de assumirem cargos de chefias. Nos condomínios de classe média, ainda encontramos elevadores de serviço destinados à população negra, enquanto nas escolas e televisões o que se propaga são discursos preconceituosos e discriminatórios que reforçam a narrativa de desconstrução da identidade, da cultura e da religião negra.
Este processo de desenvolvimento e consolidação do capitalismo foi desafiado por inúmeras formas de resistências construídas pela população negra na luta contra o racismo. Essa resistência se realizou tanto no campo quanto na cidade, desde os movimentos quilombolas e lutas sociais pela terra e pela cidadania até a luta interseccional realizada pelas mulheres negras a partir de seus movimentos.
Essas lutas têm trazido grandes lições. Dentre elas, vale destacar a questão das cotas raciais, responsáveis pelo acesso das mulheres e homens negros as universidades, e a lei nº 10.639, que estabelece diretrizes e bases para o ensino da história e da cultura afro-brasileira e africana nas escolas, ampliando o reconhecimento da identidade negra.
No entanto, nos últimos anos podemos observar um intenso avanço do racismo em suas variadas vertentes e, consequentemente, o aumento da discriminação racial da população negra, explicitada no aumento de atitudes fascistas em nosso país e no mundo.
Esse processo histórico recente nos desafia a fortalecer o debate e a compreensão das questões étnico-raciais, além dar unidade à luta de classe e à lutas anti-racistas. Que as mulheres e homens negros da classe trabalhadora possam, junto aos demais setores, empunhar bandeiras de resistências e de construção de um país soberano e popular. E, como disse a filósofa Angela Davis “Numa sociedade racista não basta não ser racista. É necessário ser anti-racista”.