“Nós não voltaremos para o armário”
Por Wesley Lima
Da Página do MST
Há três anos, lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais (LGBT) militantes Sem Terra deram unidade a luta contra a LGBTfobia nos assentamentos e acampamentos do MST, mas também ocupado às ruas diante dos desafios da conjuntura política.
Hoje, essas lutas deram corpo a um coletivo auto-organizado LGBT Sem Terra, legitimado durante o Encontro da Coordenação Nacional do MST, realizado em janeiro deste ano, na Escola Nacional Florestan Fernandes (ENFF), em Guararema, no interior de São Paulo.
As LGBT Sem Terra afirmam que esse momento foi uma conquista importante para o Movimento e ao conjunto de organizações populares do campo.
Lizandra Guedes, bissexual, educadora popular e militante do MST, acompanha desde 2015 as ações realizadas pelo Coletivo LGBT no enfrentamento ao preconceito e à discriminação. Ela conta que duas coisas são importantes serem reafirmadas quando tratamos desta questão.
“Primeiro que as LGBT sempre estiveram presentes no Movimento Sem Terra, desde sua constituição. E segundo que a organicidade pretende dar forma a processos concretos que acontecem no seu interior. Foi exatamente isso que aconteceu com o surgimento do Coletivo LGBT.”
Guedes explica que esse processo teve início um pouco antes de 2014, quando o MST discutiu o projeto de Reforma Agrária Popular, reafirmado com a realização do 6º Congresso Nacional do MST, em Brasília, e tendo como perspectiva a construção de novas relações com a natureza e entre os seres humanos.
Nesse sentido, ela destaca que a questão da liberdade sexual também é colocada como elemento de emancipação, dando base para o Seminário Nacional “O MST e a Diversidade Sexual”, realizado em agosto de 2015.
“O seminário foi o primeiro passo de auto-organização destes sujeitos no interior do movimento, se afirmando como LGBT Sem Terra. Eles apontaram uma série de desafios que a organização como um todo deveria enfrentar, como a ampliação da participação política das LGBT e o combate às atitudes discriminatórias nos diversos espaços”, pontua.
Uma identidade de luta
Durante o seminário, a identidade LGBT Sem Terra foi pautada enquanto referência de luta. A sua construção passa por diversas perspectivas de cunho teórico, a partir do acúmulo que a classe trabalhadora tem tido nos debates de gênero e diversidade sexual, e principalmente no sentido prático, pois é a partir da vivência política na luta em defesa da reforma agrária que essa questão é reafirmada.
Em entrevista para Página do MST, em 2017, Agnaldo Cordeiro, gay, educador do campo em Santa Catarina e sujeito LGBT Sem Terra, disse que essa identidade é intrínseca há um sujeito que, além de sonhar com uma sociedade justa economicamente, almeja a liberdade. E enfatiza: “Não se trata só de rótulos, mas de se amar, de se viver, de lutar e de experimentar sua sexualidade”.
Para ele o debate em torno da afetividade é necessário para o MST. “O LGBT Sem Terra não se define em palavras, mas pela existência no movimento e na luta”, concluiu Cordeiro.
Pensando nisso, Kelvin Nícolas, gay, jovem militante e integrante do Coletivo LGBT Sem Terra, acredita que hoje existe uma necessidade concreta de aprofundar o debate sobre a diversidade sexual no MST. Segundo ele, no atual momento político, onde se aprofunda conservadorismo e a retirada de direitos dos trabalhadores e trabalhadoras: “devemos estar organizadas”.
E continua: “A construção de um projeto de Reforma Agrária Popular só é possível se compreendermos a sexualidade humana como parte fundamental da luta pela terra. A existência e resistência ativa desses sujeitos LGBT Sem Terra, que constroem o MST, é um alicerce importante no enfrentamento direto contra esse sistema patriarcal, racista e capitalista. Por isso, nós, não voltaremos para o armário.”
Liberdade Sexual
Um desafio que tem se apresentado para o Coletivo LGBT Sem Terra, mas também para toda militância do MST, é o debate sobre a liberdade sexual. Lizandra Guedes acredita que a pauta da diversidade sexual, alinhada as questões que norteiam a emancipação plena do ser humano, como a liberdade sexual, complexificaram o movimento.
“Ao afirmar a liberdade sexual como elemento que deve estar presente para a efetivação da Reforma Agrária Popular, o Coletivo LGBT Sem Terra expande sua atuação com o conjunto da organização e não só com as LGBT […]. Cabe agora a tarefa de contribuir com a consolidação deste coletivo e alinhar a compreensão de que esta é uma luta geral da classe e importante para a derrotar o projeto do capital”, finaliza.
*Editado por Fernanda Alcântara