Artigo | Quem são os donos da Vale S.A?

Acionistas permanecem anônimos quando se trata de assumir responsabilidades pelos crimes de Brumadinho e Mariana (MG)

 

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Vale reduziu à metade os investimentos em manutenção de “pilhas e barragens de rejeitos” entre 2014 e 2017 / Agência Vale / Divulgação

Por Charles Trocate*
Do site Brasil de Fato

Desde o desastre técnico-político de Mariana (MG), em novembro de 2015, a Vale S.A. acumulou mais de US$ 10 bilhões em lucros, e seu valor no mercado de capitais brasileiro passou de R$ 77 bilhões para R$ 297 bilhões. Por outro lado, a empresa reduziu à metade os investimentos em manutenção de “pilhas e barragens de rejeitos” entre 2014 e 2017 – de US$ 474 milhões para US$ 202 milhões.
 

São números que refletem uma estratégia agressiva de maximização do valor dos acionistas. Mas quem são estes acionistas, que se beneficiam com o lucro da Vale S.A., mas permanecem anônimos quando se trata de assumir responsabilidades pelos crimes de Brumadinho (MG) e Mariana (MG)?
 

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Estimativa da composição acionária da Vale SA. Compilação própria com base em informações da Vale, do BMFBovespa, da revista Exame e da Thomson Reuters Eikon.

Em seu site oficial, a Vale informa que os maiores acionistas são a Litel (21%), o BNDESPar (6,3%), o Bradespar (5,7%) e a Japonesa Mitsui&aCo (5,6%). Além destas empresas, outros grandes acionistas incluem a BlackRock (5, 98%) e o Capital Group (5%). As demais ações estão nas mãos dos mais de 100 mil acionistas da Vale, sendo que 14,7% é detido por Brasileiros e 46,6% por estrangeiros.
 

A Litel é formada por quatro fundos de pensão: Previ, Funcef, Petros e Funcesp. Estes fundos já eram acionistas da Vale antes da privatização. Em 1997, eles participaram do leilão através da Litel e duplicaram a sua participação. A Previ detém 78% das ações da Litel.
 

O BradesPar, que foi criado em 2000 pelo Bradesco, tem praticamente todo o seu capital aplicado na Vale. Entre os beneficiados do BradesPar estão Lia Maria Aguiar (1938), filha do fundador do banco, Amador Aguiar e Lázaro de Mello Brandão, sucessor de Aguiar na gestão do Bradesco. O BradesPar também possui três grandes acionistas com ações preferenciais. A maior é a JGP Gestão de Recursos, que detém 9,9% das ações preferenciais.
 

Esta empresa é umas das maiores gestoras de investimentos do Brasil. Um dos sócios-fundadores e atuais diretores é André Jakurski, que em 1983 também foi um dos co-fundadores da BTG Pactual, com Paulo Guedes. Em 2015, o nome dele apareceu na lista de brasileiros com fortunas acima de US$ 50 milhões, com contas no HSBC na Suíça, segundo dados vazados no que ficou conhecido como Swissleaks. Conforme dados dos “Paradise Papers”, ele também é acionista da offshore Pactual Capital International, empresa com sede no paraíso fiscal das ilhas Cayman.
 

O outro co-fundador e diretor executivo JGP é Arlindo Raggio Vergaças Jr., que também foi sócio da BTG Pactual. Além da JGP, os outros dois grandes acionistas preferenciais do BradesPar são a estadunidense BlackRock e a escocesa Standard Life Aberdeen PLC. Ambas possuem 5,1% das ações preferenciais.
 

A Mitsui&Co é uma das maiores companhias de comércio do Japão. A empresa adquiriu 15% das ações da Valepar em 2003. Na época, essa participação deu à companhia o direito de indicar 2 dos 12 membros da diretoria executiva da Valepar e 2 dos 11 membros do Conselho de Administração da Vale. Mas a Mitsui já começou a investir na indústria brasileira de mineração de ferro na década de 1970. Além disso, ela já tinha uma joint venture com a Vale antes de 2003 na forma da empresa Caemi Minerações e Metalurgia S.A. Hoje, ela mantém uma aliança estratégica com a Vale em vários projetos, como na extração de fósforo na mina de Bayovar, no Peru; na VLI, o braço da Vale que administra o transporte de Carga; e em minas de carvão mineral em Moçambique.
 

A Mitsui é também acionista da UHE de Jirau, através da sua subisidiária Mizha Energia, que é acionista da Energia Sustentável do Brasil (ESBR). A UHE de Jirau causou vários impactos, inclusive foi acusada de ter causado inundações em 2014 na Bolívia, que resultaram em 59 mortes. A Mitsui era também acionista da BP quando ocorreu o desastre de Deepwater Horizon em 2010, através da sua subsidiária MOEX offshore. Em 2011, a companhia pagou US$ 1 bilhão à BP para ajudar a pagar as indenizações decorrentes daquele desastre.
 

A BlackRock é o maior gestor de fundos do mundo, controlando US$ 6,3 trilhões em dinheiro de investidores. É uma empresa de capital aberto cujas ações são negociadas na bolsa, e não existe um acionista majoritário. O maior acionista é o banco estadunidense PNC, que tem 21% das ações da BlackRock.
 

Outros grandes acionistas são o Vanguard Group, com 5,5%, e o Capital Research & Management Company (Subsidiária do Capital Group), com 5%. Entre os que compõem o conselho administrativo do BlackRock, está o mexicano Marco Antonio Slim Domit, que é também presidente do Conselho Administrativo do grupo financeiro mexicano Inbursa.
 

Em 2010, o pai dele, Carlos Slim, homem mais rico do Mexico, comprou 2% das ações da BlackRock. O BlackRock Transparency Project publicou a reportagem “El nuevo colonialismo corporativo”, em que explica como a BlackRock expandiu seus negócios no México através de uma rede de amigos com inúmeros conflitos de interesse e indícios de corrupção.
 

Blackrock também é acusada de ser o maior financiador de mudanças climáticas, a nível mundial.
 

O Capital Group é um dos maiores e mais antigos fundos de investimentos do mundo. A empresa estadunidense, que controla US$ 1,6 trilhão em investimentos, orgulha-se de gerir ativamente seus investimentos e, por isso, ter mais contato com as empresas em que investe. A empresa foi fundada por Rob Lovelace. O neto dele, Jonathan Bell Lovelace, faz parte da diretoria executiva da Capital Group.
 

Juntos, estes acionistas controlam praticamente metade da Vale.
 

E os restantes 50%, quem os detém?
 

Os Anônimos
 

Segundo o BMFBovespa, a Vale tem 105.289 acionistas pessoas físicas, 1.175 pessoas jurídicas e 1.271 investidores institucionais, ou seja, bancos e fundos de investimento.
 

É difícil saber quem são eles, mas um levantamento realizado na base de dados financeiros da Thomson Reuters Eikon fornece algumas informações sobre os investidores institucionais. A base de dados mostra que, em fevereiro de 2019, havia três acionistas que detinham entre 1 e 5% das ações da Vale:
 

a) O Vanguard (2,4%), que é a maior empresa de fundos mútuos do mundo. A Vanguard tem cerca de US$ 5 trilhões em ativos sob gestão, a maior parte em fundos de índices e fundos negociados em bolsa. A Vanguard não é listada em bolsas. Os acionistas do Vanguard são os fundos de investimentos, e os acionistas desses fundos, por sua vez, são os seus investidores.
 

b) O Dimensional Fund Advisors (1,5%), outra grande empresa estadunidense de investimento, que gera cerca de US$ 500 bilhões em ativos. Os donos da empresa são os próprios funcionários, os membros do conselho de administração e os investidores.
 

c) A Standard Life Aberdeen é uma investidora britânica que, em 2017, indicou os dois primeiros membros independentes para o conselho de administração – ambos especialistas em governança corporativa.
 

Além destes, há uma lista de mais de 500 investidores institucionais que detêm menos de 1% das ações da Vale. A lista inclui muitos bancos, que podem fazer os investimentos em ações em nome de seus clientes. Somados, este grupo de acionistas controla cerca de 20% da Vale.
 

A análise dos dados disponíveis mostra que os grandes acionistas da Vale são os investidores institucionais. Estima-se que eles detêm aproximadamente 68% das ações da Vale. São os fundos de pensão, os fundos de investimentos e os bancos, que aplicam o dinheiro dos seus clientes.
 

E são estes clientes os grandes donos da Vale.

 

* Charles Trocate é integrante da coordenação nacional do Movimento Pela Soberania Popular na Mineração (MAM).

Edição: Daniel Giovanaz/ Brasil de Fato