No Pará, primeira turma de Geografia Agrária conclui Licenciatura
Por Antônio Carlos Luz
Da Página do MST
Iniciada em 2015, a primeira turma de Geografia Agrária do Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (Pronera) tinha entre os alunos camponeses, quilombolas e ribeirinhos de vários municípios do estado do Pará.
A turma enfrentou vários desafios ao longo da jornada de estudos, mas a capacidade de superação foi marca presente nessa experiência e aproximou mais a universidade dos movimentos sociais.
“Foram 85 jovens defendendo seus trabalhos no prazo exigido pela universidade. Nem um outro curso de Geografia consegue ter um aproveitamento assim”, afirmou Adolfo Oliveira Neto, professor da Faculdade de Geografia e Cartografia da Ufpa e um dos coordenadores do curso.
Entre os inúmeros desafios enfrentados pelos educandos, destacam-se a falta de bolsas, salas de aulas disponíveis, dinheiro e alojamento, lembra Adolfo: “Em muitos momentos eles pensaram em desistir, mas o trabalho coletivo, a pedagogia da alternância e o acompanhamento do movimento social, em especial o MST, fez com que chegássemos com um número incrível de concluintes”, comentou.
A partir do curso, os jovens passaram a se reconhecer ainda mais com o campo e foram desafiados a se organizar em seus territórios e suas comunidades, contrapondo-se aos grandes projetos do capital na Amazônia.
Para Orlandina Amaral, ribeirinha do município de Abaetetuba, o curso mudou completamente sua vida. “Fazer parte da I Turma de Geografia Agrária é um desafio encarado com muito orgulho e gratidão. Representamos as grandes diversidades de povos que compõe essa tão cobiçada região chamada Amazônia”, afirmou.
Segundo a ribeirinha, essa experiência foi importante por uma questão histórica. “Somos filhos e filhas de extrativistas e sempre nos foi negado o acesso à educação. Entrar na universidade e encarar o desafio desafiar aos estudos é um ato de ousadia, conclui Orlandina.
Euler de Oliveira Santos, do assentamento Ilha Sumauma, município de Igarapé Miri, destacou o fortalecimento de sua consciência enquanto sujeito amazônico. “As atividades de estudos teóricos e trabalhos extraclasses me fizeram entender melhor nossa realidade e fortalecer minhas raízes com o campo.Hoje entendo que o conhecimento que obtive na universidade precisa estar à serviço de minha comunidade e de sua luta.”, afirmou.
“Saio da universidade como professor e com mais amor pelo meu povo, pelo meu território e com uma força renovada para ajudar na luta de minha comunidade” afirmou Euler.
Em muitas dessas comunidades essa era a primeira vez que suas histórias foram escritas na Academia. Para a construção dos trabalhos de conclusão ,muitas metodologias participativas foram empregadas, como História Oral e Cartografia Social, com a finalidade de que os educandos entendessem que a História deles pode ser escrita de outra maneira, com mais riqueza teórica e social.
A turma proporcionou a discussão sobre a Amazônia com a diversidade de seus sujeitos à partir de sua História e de suas próprias vozes. Verônica Galdino, acampada no acampamento Quintino Lira em Santa Luzia do Pará, tornou-se mãe recentemente e defendeu seu trabalho na escola do acampamento. Onde antes era o barracão dos pistoleiros da fazenda, hoje se organiza a Escola José Valmeristo.
Verônica escreveu sobre a história do acampamento e sua luta de resistência, sendo esta a primeira defesa de TCC de um curso de Geografia realizada em uma área de Reforma Agrária. Ela foi a primeira mulher geógrafa a defender um TCC no município de Santa Luzia do Pará.
Ameaçada de morte, a professora de Geografia, formou-se e provou que a luta do movimento não é somente por terra, mas pelo direito à educação para todo o povo. A Câmara de Vereadores do município reconheceu o trabalho, entregando à Verônica e sua comunidade um certificado confirmando o feito histórico.
Para Jane Cabral, militante do MST e da Coordenação Político Pedagógica, é necessário reforçar a importância do curso pela identidade amazônica da turma. “A riqueza da diversidade de realidades mostrou para a turma que na Amazônia existem vários sujeitos em luta e que, através da coletividade do estudo, esses educandos poderiam fortalecer a defesa de suas comunidades que são impactadas pelo s projetos do Agronegócio e da Mineração”, afirmou.
“Estamos devolvendo às suas comunidades, geógrafos militantes e militantes geógrafos para atuarem nas escolas do campo e nas suas associações em defesa dos seus territórios. O curso ampliou a relação entre os movimentos sociais na Amazônia e com isso acabou fortalecendo a luta dos povos da região” reconhece Jane.
O curso de Geografia Agrária é composto por duas etapas. A primeira foi a Licenciatura, finalizada em mês de março de 2019; a turma volta nos meses de julho e agosto para o Bacharelado, concluindo o curso em sua totalidade em janeiro e fevereiro de 2020.
“Nesses anos os educandos foram se construindo como sujeitos amazônicos buscando conhecimentos científicos e agora estão retornando para suas comunidades comprometidos profundamente com seus territórios e sua identidade através da Geografia” finaliza Jane.
Editado por Fernanda Alcântara