“Demonizar quem questiona o latifúndio traz o benefício de facilitar a sua criminalização”
Por Maura Silva
Da Página do MST
No último dia 17 de abril completou-se 23 anos do Massacre de Eldorado do Carajás. Na ocasião, 21 trabalhadores Sem Terra foram assassinados na Curva do S, no trecho da rodovia PA-275, no sul do Pará.
Além dos mortos a ação da Polícia Militar (PM) para liberar a estrada, ocupada por integrantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) deixou 69 feridos e muitas cicatrizes.
Mais de duas décadas se passaram e pouco foi feito para conceder justiça às vítimas, os mandantes e assassinos seguem impunes as lembranças daquele 17 de abril ainda pulsa da memória dos sobreviventes.
Não bastasse esse sentimento ainda tão presente, o cenário político inflama discursos de ódio em que o Sem Terra é colocado no centro de uma disputa fomentada por desigualdade e injustiça.
Para falar um pouso sobre esse processo, conversamos com a professora e pesquisadora da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), Marília De Nardin Budó, que enfatiza: “o novo governo tem uma característica que se distingue de todos os anteriores, que é o da banalização explícita da vida humana”.
Acompanhe:
Após 23 anos o sentimento de impunidade permanece. O processo de investigação de Carajás foi deturpado e cheio de mentiras. Você ainda acha possível ser feita justiça depois de tanto tempo?
O processo de Carajás segue um caminho já conhecido das violências no campo de uma maneira geral. É frequente que massacres não sejam reconhecidos como tais pelo judiciário e mesmo pela imprensa e sociedade de uma maneira geral. Essa impunidade é, em parte, devida à construção histórica que se tem feito no Brasil de que pessoas que ocupam o espaço público e lutam por direitos são criminosos, e, diante disso, são inimigos da sociedade.
A partir dessa construção, que se aproxima por vezes de um processo de demonização dos Sem Terra, implica na dificuldade de essas lutadoras e lutadores serem reconhecidos como vítimas de crimes gravíssimos, como no caso de Carajás. Para além dessa afirmação genérica sobre a construção do inimigo político realizada pelo Estado em conluio com os meios de comunicação, é necessário apontar também o interesse econômico desse processo.
Demonizar quem questiona o latifúndio traz o benefício de facilitar a sua criminalização, por um lado, e permitir a continuidade das injustiças na distribuição das terras, por outro.
Nesse sentido, ao incitar a violência, em especial contra os Sem Terra, o novo governo contribui com o aumento da mortes no campo?
O novo governo tem uma característica que se distingue de todos os anteriores, que é o da banalização explícita da vida humana quando caracterizada como aquela cuja vivência representa um questionamento do status quo, uma ameaça à manutenção das relações de poder e dominação na sociedade. Ser identificado como um grupo que rompe com a ordem e com o silêncio sobre as injustiças têm hoje o efeito de estímulo ao seu massacre.
É difícil esperar por justiça quando a autoridade maior do país diz que as vidas de quem luta vale menos do que as vidas conformadas com as injustiças. Além disso, cabe observar que a bancada ruralista neste governo possui uma força política que se estende à questão da impunidade. Os ruralistas sempre demonizaram o MST, tendo histórico de propostas para a sua criminalização há bastante tempo. Ou seja, nunca o apoio a isso foi tão evidente.
É como esse discurso favorece o latifúndio e a milícia em detrimento do trabalhado/a rural?
Esse discurso favorece o latifúndio e as milícias através da legitimação política e mesmo jurídica das condutas violentas praticadas. Legitima a concentração da terra, a degradação ambiental, o massacre indígena, o desmatamento, a monocultura, e o desrespeito aos direitos humanos em nome do lucro.