1º maio é dia de luta nas ruas!

O que está em jogo agora é a garantia de nosso sistema de proteção, numa sociedade profundamente marcada pela informalidade

 

Por Frederico Firmiano*
Da Página do MST

 

O Dia do Trabalhador, como é sabido, remonta à greve geral de 1886, ocorrida em Chicago, no estado do Ilinóis, nos EUA, importante centro industrial que, à época, reunia inúmeros emigrantes germânicos. Aqueles trabalhadores reivindicavam uma jornada de trabalho de 8 horas diárias por 6 dias na semana – ou 44 horas semanais. Vale lembrar que, à época, as jornadas semanais passavam das 60 horas. As manifestações, que chegaram a contar com mais de meio milhão de trabalhadores, foram fortemente reprimidas pela polícia, resultando em inúmeros mortos e feridos. Em 1891, o Congresso Operário Internacional passou a convocar uma manifestação anual, na França, em homenagem àqueles e àquelas lutadores e lutadoras.

No Brasil, há registro de lutas no primeiro de maio, pelo menos, desde 1906, como ocorrido no Rio de Janeiro depois da realização do I Congresso Operário. Com presença massiva de trabalhadores anarquistas, a pauta incluía a redução da jornada de trabalho, à época, de 10 a 12 horas, o fim do trabalho infantil e maior proteção ao trabalho feminino.

Também foi no primeiro de maio que Getúlio Vargas sancionou, em 1943, a Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), pelo Decreto-Lei n. 5.452 – uma conquista dos trabalhadores da cidade, mas só da cidade, pois não era extensiva aos trabalhadores rurais (atendidos somente em 1988).

De lá pra cá, o Brasil experimentou um grande surto de desenvolvimento capitalista; industrializou-se e, por sobre a arcaica estrutura fundiária, importou a Revolução Verde, modernizando o campo de modo bastante conservador. Constituiu, pois, um padrão de acumulação capitalista truncado, estruturalmente dependente, redundando, ao mesmo tempo, na complexificação/heterogeneidade da classe trabalhadora e no rebaixamento quase permanente de seu estatuto – especialmente no campo, onde os direitos tardaram muito a chegar. Ao mesmo tempo em que se edificou um sistema de proteção social brasileiro a duras penas e sob muitas lutas sociais. Isso tudo, nem sempre sob condições democráticas.

Com o fim da ditadura civil-militar e as lutas pela redemocratização veio também a Constituição Federal de 1988, que criou condições político-jurídico formais para a ampliação dos direitos no Brasil. Mas as novas condições de reprodução do capital, sob crise estrutural, não possibilitaram sua realização, exigindo, em seu lugar, um conjunto de políticas neoliberais,no quadro da reestruturação produtiva. Nesse terreno, a classe se organizou, realizou lutas importantes, defendeu algumas conquistas históricas e garantiu o exercício da democracia,
mesmo enfrentando os mais duros golpes – como no nosso caso, do MST, os massacres de
Corumbiara e Carajás, respectivamente, em 1995 e 1996.

Desde 2014, porém, as condições da luta de classes, têm piorado severamente, a partir de uma tríplice ofensiva do capital: 1 – graves ataques contra a democracia (golpe contra Dilma e prisão de Lula); 2 – regressão considerável das condições de vida dos brasileiros e brasileiras (relatórios da Oxfam mostram que, depois de 15 anos, as desigualdades no país voltam a crescer); 3 – desmonte drástico da legislação trabalhista e do sistema de proteção social.Este 1º de maio de 2019 é marcado, assim, por dois processos violentos de desmonte
de direitos: é o primeiro Dia do Trabalhador sob as novas leis trabalhistas e quando se estreita o movimento pela aprovação da reforma, ou contrarreforma, previdenciária. Vejamos brevemente o conteúdo de ambas.

A Lei 13.467, publicada em 14 de julho de 2017, da Reforma Trabalhista, alterou centenas de dispositivos da CLT, entre os quais, aqueles que tratam: (a) da jornada de trabalho, ampliada de 44 para 48 horas semanais, podendo ser exercidas até 12 horas, desde que seguidas por 36 horas de descanso; do translado, descanso, estudo, alimentação, entre outras horas à disposição do empregador, que passam a não ser consideradas parte da
jornada; do tempo de almoço, agora de 30 minutos, desde que acordado coletivamente; (b) da permissão para a execução do trabalho intermitente e home office – até então não previstos em Lei; (c) do pagamento por produção, que não carece mais corresponder ao piso da categoria ou ao salário; das gratificações, comissões, abonos, porcentagens, que também deixam de ser consideradas para fins de cálculo de INSS; (d) do gozo das férias, que, desde então, passa a ser ainda mais fracionada (gozadas em até 3 vezes, com período mínimo de 5
dias, contra as duas vezes com período mínimo de 10 dias, conforme a regra anterior); (e) dos casos de litígio trabalhistas, cujas custas devem ser assumidas por quem perde a causa, podendo até ser divididas entre as partes; (f) da contribuição sindical, agora opcional, acabando com a obrigatoriedade equivalente a 1 dia trabalhado por ano; (g) das condições de trabalho das mulheres grávidas, antes impedidas de trabalhar em ambientes insalubres, mas agora permanecendo desobrigadas apenas em caso de risco a ela e ao bebê comprovado por
laudo; (h) da sobreposição do negociado sobre o legislado.

Tais modificações na legislação trabalhista vêm ratificar as condições historicamente rebaixadas e degradantes que marcam o trabalho, sobretudo no campo, com o aumento da superexploração, a exemplo do “boia-fria”, ou cortador de cana, que recebe por produção e sistematicamente morre por exaustão, como já registrou a Pastoral do Migrante na região de Ribeirão Preto. Isto sem falar de trabalhadoras grávidas e lactantes que, no eito, já não
encontram condições salubres de trabalho. Ademais, a possibilidade dos acordos coletivos acima da CLT e o fim do imposto sindical, significam o tiro de misericórdia no sindicalismo que, em muitos lugares do país, é a única forma organizativa de inúmeras categorias de trabalhadores, principalmente, rurais.

Se é verdade que o imposto sindical, historicamente, é um instituto de controle político do Estado e que, não raro, substitui a organização política pela administração, também é certo que, por décadas, permitiu aos sindicatos alguma autonomia política, ainda que bastante relativa. No contexto de desemprego estrutural, da fragmentação e informalidade, da degradação e erosão das bases do trabalho, o fim do imposto sindical reduzirá drasticamente a relativa autonomia sindical, reproduzindo relações de dependência, negociatas, favorecimento privado em detrimento de interesses da classe.

Já a proposta de reforma da previdência, aprovada na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados, apresenta as seguintes mudanças fundamentais: (a) aumento da idade mínima, de 60 para 62 anos no caso das mulheres, e manutenção dos 65 anos para os homens, e do tempo mínimo de contribuição, de 15 para 20 anos em ambos os casos, podendo subir em 2024, de acordo com a variação da expectativa de vida dos
brasileiros; (b) pagamento de alíquotas progressivas, variáveis entre 7,5% (sobre o salário mínimo) a 14% (quem recebe o teto do INSS), no setor privado, e entre 4,5% (sobre o salário mínimo) e 16,79% (quem recebe acima de R$ 39 mil), no setor público; (c) idade mínima de 60 anos para homens e mulheres, trabalhadores e trabalhadoras rurais, com tempo de contribuição de 20 anos e, nos casos de contribuição sobre comercialização, a alíquota é de 1,7%, com contribuição anual mínima de R$ 600, com 20 anos de contribuição; (d) aposentadoria por invalidez, ou por incapacidade permanente, integral apenas em casos em que tenha relação direta com o trabalho, caso contrário o beneficiário receberá apenas 60% do valor; (e) cálculo de pensões de acordo com o número de dependentes, partindo de 60% da média de contribuições e subindo 10 pontos percentuais por dependente, chegando aos 100% apenas para aqueles que possuírem, no mínimo, 5 dependentes; (f) idosos com idade mínima de 60 anos que atenderem aos critérios de recebimento do Benefício de Prestação Continuada
(BPC) receberão apenas R$ 400/mês, alcançando um salário mínimo somente a partir dos 70 anos; (g) aqueles que ingressem no mercado de trabalho após a aprovação da reforma da Previdência poderão aderir ao regime de capitalização.

É bastante claro que a aposta de Guedes e sua turma vai escancarar as portas do mercado privado da previdência, via sistema de capitalização individual, aprofundando ainda mais a financeirização da economia brasileira que, por seu turno, significa a erosão do mundo do trabalho, ao funcionar como vetor da reestruturação do capital – ainda mais agora no quadro da chamada “indústria 4.0”. Bancos, fundos de pensão, instituições financeiras vão nadar de braçada no bilionário mercado da previdência – para não falar do grupo de super sonegadores da previdência!

No conjunto, a reforma da Previdência completa a tríade da destruição do trabalho e dos trabalhadores, junto da reforma Trabalhista e da Emenda Constitucional 95 de 2016, ao provocar, ainda, um brutal ataque contra o precário sistema de seguridade social brasileiro, apoiado pelo tripé previdência, saúde e assistência social.
 

Assim, o que está em jogo agora é a garantia de nosso sistema de proteção, numa sociedade profundamente marcada pela informalidade da força de trabalho, que é uma face do desemprego estrutural. Em março o IBGE divulgou os dados do desemprego no país, fechando em 12,4% no trimestre encerrado em fevereiro, ou isto significa aumento pela segunda vez consecutiva.

Comparado com o trimestre anterior, houve um salto de 11,6% nos números, tendo chegado a 13,1 milhões de pessoas, ou seja, acima dos dados registrados em maio de 2018. Além disso, o país fechou o ano de 2017 com 37,3 milhões de trabalhadores na informalidade, ou seja, registrando aumento de 1,7 milhão de pessoas com relação ao ano de 2016. Isto significa que quase 41% do total da população ocupada brasileira está na informalidade.

Resulta obvio que o sinistro e obscurantista governo de Jair Bolsonaro não vai resolver o problema do desemprego, da informalidade, da precarização, da piora das condições de vida da população brasileira, das desigualdades sociais. E mais que isso: sua trupe vai quebrar o país, exaurindo a pouca musculatura que resta a uma economia dependente, entregando todas as riquezas nacionais ao capital transnacional (e fazendo juras de amor aos norte-americanos).

O 1º de maio deste ano reunirá todas as principais organizações de luta da classe trabalhadora, CUT, CTB, Intersindical, CSP-Conlutas, Nova Central, CGTB, CSB, UGT e Força Sindical, as frentes Brasil Popular e Povo Sem Medo, devendo apontar uma data, possivelmente 14 ou 15 de junho, como dia nacional da greve geral contra a Reforma da Previdência. A garantia da unidade da classe neste momento é fundamental frente ao poderoso ataque do capital contra as forças do trabalho. Por unidade devemos entender a aglutinação de todas as nossas forças em lutas conjuntas contra a reforma da previdência. Esta parece ser nossa tarefa central. Rumo à greve geral!

 

*Frederico Firmiano é da direção estadual do MST – SP