Uma educação que forma, organiza e emancipa

Desde o acampamento em Encruzilhada Natalino, a educação acompanha a construção do MST, transformando-se num princípio

 

“Foi brincando e conversando com as crianças que a gente falava da luta pela terra__, conta Isabel Green, militante Sem Terra. Foto_ Daniel de Andrade.jpeg
“Foi brincando e conversando com as crianças que a gente falava da luta pela terra”, conta Izabel Grein, militante Sem Terra. Foto: Daniel de Andrade

 

Por Wesley Lima
Da Página do MST

 

Ocupar, resistir e produzir. Esse é um grito de ordem que atravessa os 35 anos de existência do MST. Nesse cenário, onde o enfrentamento ao latifúndio improdutivo ocupa centralidade na luta, acompanhado pelo processo de resistência coletiva e produção de alimentos saudáveis, a educação do campo transforma-se num pilar fundamental na vida famílias Sem Terra.
 

Em 1981, uma das primeiras experiências de educação do campo se concretizou com o acampamento em Encruzilhada Natalino. Esse espaço se tornou símbolo de resistência à ditadura militar ao agregar, entre diversas entidades e organizações populares, a sociedade civil que exigia um regime democrático no país.
 

Nesse contexto, o processo educacional precisava refletir a luta das famílias mobilizadas. Maria Izabel Grein, militante histórica do MST, acompanhou de perto as primeiras inciativas que deram corpo ao processo educacional nos assentamentos e acampamentos no Movimento.
 

Para ela, o acampamento em Natalino, construído antes do MST se consolidar oficialmente enquanto um Movimento que luta pela Terra, pela Reforma Agrária e Transformação Social, em 1984, a educação já se apresentava como um instrumento indispensável.
 

Na Encruzilhada Natalino o processo educacional enfrentou dois desafios importantes: o primeiro foi o de pensar metodologias e conteúdos para se trabalhar com as crianças; e o segundo, de organizar um processo de alfabetização para os jovens e adultos acampados.
 

Estudar e brincar

 

Izabel recorda que, naquele momento, as escolas localizadas em Natalino não queriam as crianças do acampamento, pois seus pais eram sujeitos “itinerante” e diziam que não matriculavam as crianças, porque seus pais iriam embora e as levavam, construindo um problema burocrático com a matrícula.
 

Diante disso, “a maioria das famílias que tinham condições, que tinham família fora, avô, avó ou até mesmo um tio muito próximo, deixavam as crianças lá para ir à escola. Mas havia um grande número de crianças que estavam fora da escola”, destaca.
 

Nesse contexto, Izabel questionava: “qual o papel da educação neste acampamento?”. Coletivamente, a resposta estava dada: “ajudar as crianças a compreenderem porque elas não estavam dentro da escola e porque seus pais tinham que acampar”.
 

Símbolo de resistência à ditadura militar, o Encruzilhada Natalino é referência de luta e resistência nacionalmente. Foto_ Arquivo MST.jpg
Símbolo de resistência à ditadura militar, o Encruzilhada Natalino é referência de luta e resistência nacionalmente. Foto: Arquivo MST

 

 

Sobre o método adotado com as crianças, ela explica que eram realizadas rodas de conversas e muitas brincadeiras em estruturas improvisadas, como embaixo de arvores e num barracão de lona preta. “Foi brincando e conversando com as crianças que a gente falava da luta pela terra e explicava porque os pais deles eram acampados”, e continua: “eles aprendiam muito bem, inclusive todos os cantos da luta. Eu lembro de um livro do Encruzilhada Natalino e, nele, o Frei Sérgio fala que quando ele chegou lá, tinha uma criança muito distraída cantando a música ‘A classe roceira e a classe operária’ ”.
 

Ensinando a ler e escrever
 

Já com os adultos, o processo de estudo enfrentou o limite do analfabetismo. Segundo Izabel, cerca de 70% das pessoas que estavam acampadas não sabiam ler e escrever.
 

“Nesse sentido, fizemos grupos de alfabetização no acampamento. Eu me lembro muito bem de uma senhora, que se chamava dona Maria, que dizia assim: ‘eu conheço todas as letras, mas não conseguia acunherar. Agora eu estou aprendendo a juntar as letras e entender’. Foi um trabalho muito bonito, mas muito curto. Dali já nasce o comprometimento, muito antes do Movimento, de que a luta pela terra precisa nos ajudar a romper com o latifúndio do saber”, afirma.
 

Foi nesse processo que a educação se apresentou enquanto princípio para luta e até os dias atuais, 38 anos depois das experiências do acampamento em Encruzilhada Natalino, o ler e escrever, que vão além da escolarização, se baseiam na organização e na construção de sujeitos emancipados.
 

Porém, todas essas questões não podem ser pensadas desassociadamente da realidade onde vivem esses sujeitos. Vale destacar que a mesma possui contradições e tem uma especificidade que é o local onde o processo educacional está sendo aplicado: o campo.
 

Pedagogia Socialista
 

Rubneuza de Souza, do setor de educação do MST em Pernambuco, acredita que o processo de construção da história do Movimento tem apontado a educação enquanto uma ferramenta de reprodução de uma geração a outra do acumulo que a humanidade tem construído. “Por isso, ela é cultura. Você aprende a partir do trabalho. Você se torna humano a partir do trabalho. E a educação é a forma de você passar de uma geração a outra esse aprendizado”, afirma.
 

Ela destaca também que a educação é um processo de formação humana e, além da educação popular, que é uma discussão que tem ampliado o debate para além do processo de escolarização, tem sido fundamental na consolidação de uma Pedagogia Socialista.
 

Tendo como referência Moisey Pistrak, educador socialista que viveu na Rússia e influenciou as ideias pedagógicas do período pós-revolução russa de 1917, Rubneuza explica que a educação como formação humana é a combinação da educação e da instrução, sendo dona desse raio maior, onde a vida, o trabalho e a luta fazem parte da construção do “conhecimento”.

 

*Editado por Fernanda Alcântara
**Essa matéria é a primeira parte de uma série de textos sobre a educação no MST