Pacote dos venenos favorece o uso indiscriminado de agrotóxicos nas lavouras brasileiras
Por Leandro Molina
Da Página do MST
Os perigos do Projeto de Lei 6299/02 – conhecido como Pacote dos Venenos, que tramita na Câmara Federal, foi tema de seminário nesta segunda-feira (06), em Porto Alegre, com palestra do deputado federal Nilto Tatto (PT-SP), relator da Comissão da Câmara Federal pela Redução do Uso de Agrotóxicos.
O seminário, proposto pelo deputado estadual Edegar Pretto (PT-RS), em conjunto com a Frente Parlamentar Gaúcha em Defesa da Alimentação Saudável e Fórum Gaúcho de Combate aos Impactos dos Agrotóxicos, foi motivado pela liberação de mais de 120 tipos de agrotóxicos desde o início do ano, pelo governo Bolsonaro, e com a possibilidade de aprovação do Pacote dos Venenos na Câmara dos Deputados.
Edegar Pretto afirmou que a vontade da maioria da população ficou de lado na hora de definir o modelo futuro da produção de alimentos. O parlamentar lembrou que o Rio Grande do Sul é um dos estados que mais consome agrotóxicos por ano no país, cerca de 8,3 litros por habitante, conforme dados da Associação Brasileira de Saúde Coletiva, Abrasco. O glifosato e o 2,4-D são os dois produtos mais utilizados. “Não podemos fechar os olhos e cruzar os braços diante de números assustadores como esses. Temos que resistir”, convocou.
De acordo com Nilto Tatto, a tramitação do PL na Câmara ignora o apelo de diversas entidades da sociedade civil e ambientalistas, além da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) e do Instituto Nacional do Câncer (INCA). Segundo ele, o texto do Pacote dos Venenos favorece o uso indiscriminado de agrotóxicos nas lavouras brasileiras, e que o pacote vai totalmente na contramão do que a sociedade quer. “Trabalhei na roça até os 16 anos e não conheci o veneno. Só conheci nos últimos dois anos porque meu pai resolveu plantar fumo, e aí veio o pacote e um modelo que tomou conta”, relatou.
Tatto falou sobre o contexto histórico e lembou que o atual modelo de produção foi incentivado após a segunda guerra mundial. Segundo ele, muitas pesquisas mostram os motivos que levaram a esse modelo e que nos últimos anos é altamente financiado por conglomerados na produção de insumos para a agricultura. “É imposto que todos pagam, portanto é recurso público que vai para a cadeia dos agrotóxicos. Em todos os países há incentivo a esse modelo que se tornou hegemônico. Ele foi construído”, apontou.
Sobre questionamentos a respeito da “necessidade” do uso indiscriminado de agrotóxicos para garantir a produção de alimentos, Tatto afirmou que isso não é verdade. “Temos aqui a maior produção de arroz orgânico da América Latina, além de outras experiências industriais orgânicas. É um mito dizer que para garantir produtividade e lucratividade da agricultura precisa usar tanto veneno”, observou. Para Tatto, outro mito é o uso de agrotóxicos para eliminar a fome no mundo. “Temos pesquisas e estudos que mostram que na medida em que se consolidou esse modelo de agricultora altamente dependente de produtos químicos, a fome no mundo aumentou”.
Outro assunto abordado no seminário foi o impacto que alto consumo de agrotóxicos causa na saúde humana. A preocupação se justifica por dados da ONU, onde os agrotóxicos são responsáveis por 200 mil mortes por intoxicação aguda a cada ano e mais de 90% das mortes ocorreram em países em desenvolvimento, como o Brasil.
O deputado Tatto acredita que o fato decorre de pessoas que interagem diretamente com os produtos altamente tóxicos e pelo consumo. “É comum você ter um parente com câncer e aumento de doenças como Alzheimer. O alimento é para a vida. E agora estamos começando a entender que a gente se alimenta para a morte”, lamentou, defendendo uma legislação dura e exigente para a liberação de produtos.
Segundo ele, o PL 6299/02 coloca o Ibama e a Anvisa em papel secundário, e deixa tudo canalizado no Ministério da Agricultura, para que a avaliação seja feita somente sob o ponto de vista econômico. “A legislação atual não permite que eles façam o que estão fazendo, que é liberar mais produtos químicos. Eles já estão fazendo o que querem fazer no projeto de lei: a flexibilização da legislação”, afirmou.
Ao finalizar, o deputado Nilto Tatto lembrou da Política Nacional de Redução de Agrotóxicos (PNaRA) – projeto de lei apresentado pela Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco) à Comissão de Legislação Participativa em 2016. O projeto amplia o direito à informação e à sistematização de informações do impacto que os venenos produzem sobre a saúde e o meio ambiente. “A sociedade tem o direito à informação. Há agricultores que só sabem trabalhar com veneno, porque foram treinados para isso. Precisamos fazer o debate para diminuir a desigualdade, sem desvincular o debate da transição ecológica. Sempre procuro visitar algum assentamento. Esse debate da transição é muito vivo dentro do MST, e isso é fundamental e inspirador para nós”, declarou.
Para procurador Rodrigo Valdez de Oliveira, da 4ª Região do Ministério Público Federal (MPF), o PL 6299, numa versão anterior, proibia que os Estados e Municípios legislassem sobre os agrotóxicos. “Agora colocam na nova versão que eles poderão legislar sobre o uso e comercialização de agrotóxicos, desde que cientificamente comprovado”, criticou.
Representando o MST, Daniele Cazarotto destacou que o seminário serviu para fortalecer a denúncia que os movimentos populares têm feito nas ruas. Ela defendeu que os espaços institucionais são fundamentais para conscientizar quem consome esses alimentos contaminados com venenos. “Se hoje nós consumimos no RS mais de 8 litros de venenos, com a flexibilização pelo atual governo vai aumentar ainda mais. É importante ficarmos alerta e ampliar o nosso diálogo, para que possamos barrar a liberação desses produtos”, reforçou.
O professor do programa de pós-graduação em desenvolvimento rural da UFRGS, Alberto Bracagioli, lembrou que o Rio Grande do Sul tem a Lei do Agrotóxicos, desde 1982, e que desde aquele período já havia a preocupação com os impactos que o uso de venenos produziam na agricultura. O professor ressaltou que na região de Porto Alegre existem mais de 1200 famílias produzindo em assentamentos da Reforma Agrária, com a maior área de arroz orgânico e em mais de 40 feiras ecológicas. “Com tudo isso ainda estamos falando em veneno. Devíamos estar falando de vida e das formas de incentivar e financiar essas iniciativas”, defendeu.
O deputado federal Dionilso Marcon (PT-RS), que é assentado da Reforma Agrária, contou que em Brasília, “se falar em Reforma Agrária, quilombolas e indígenas, a bancada ruralista fica braba” e criticou o governo Bolsonaro “Se não enfrentarmos esse debate, a grande mídia vem em cima de nós. É uma guerra de ideia e conceito. Quem planta está numa guerra, numa disputa econômica, de saúde e do meio ambiente”, pontuou.
O seminário ocorreu no Memorial da Assembleia Legislativa gaúcha e reuniu entidades ambientalistas, movimentos populares, universidades, estudantes, representantes de instituições de Saúde e Vigilância Sanitária, vereadores, secretários municipais, Conselho Regional de Nutrição e Conselho de Segurança Alimentar e Nutricional, Central Única dos Trabalhadores (CUT), Comissão da Produção Orgânica, Fundação Estadual de Proteção Ambiental e assentados da Reforma Agrária.