Comunidades escolares do RS lutam pelas escolas no campo
Por Catiana de Medeiros
Da Página do MST
Pais, professores e estudantes do Rio Grande do Sul estão preocupados com o descaso dos governos com as escolas situadas no campo. A Comissão de Educação, Cultura, Desporto, Ciência e Tecnologia da Assembleia Legislativa, presidida pela deputada Sofia Cavedon (PT), realizou uma audiência pública na última terça-feira (14) para tratar sobre o assunto.
A agenda foi proposta pelo deputado Zé Nunes (PT), e teve a participação de representantes de 27 municípios gaúchos. Eles denunciaram diversos problemas que são comuns às escolas, como falta de professores, funcionários e monitores para estudantes especiais, precariedade do transporte escolar, sobrecarga de tarefas, avanço da multisseriação nos anos iniciais, superlotação das salas de aulas e a possibilidades de fechamento, ignorando determinações do Conselho Estadual de Educação e do Comitê Estadual de Educação do Campo.
Nos últimos 24 anos, 780 escolas foram fechadas na zona rural do Rio Grande do Sul. Sofia explicou que em oito anos diminuiu o número de educandos e de escolas, de acordo com o Censo Escolar 2018. Enquanto em 2010 eram 68 mil estudantes, hoje são pouco mais de 54 mil. Já as instituições no campo passaram de 658 para 609, entre estaduais e municipais. Trinta e cinco delas, vinculadas à rede estadual, estão localizadas em assentamentos da Reforma Agrária. Dessas, conforme o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), 12 correm risco de serem fechadas.
Futuro depende da educação
A necessidade de valorizar quem vive e trabalha no campo também foi ressaltada na audiência pública. Participantes lembraram que é a agricultura familiar e camponesa que alimenta o país, e que o desenvolvimento do campo e a produção de alimentos têm ligação direta com a educação. Para o deputado Zé Nunes, ela é fundamental à sucessão familiar. “Queremos um modelo de educação que dialogue com essa realidade, que resgate o valor e a autoestima de viver e estar no rural”, apontou.
No entanto, o desamparo do Estado e a situação das escolas comprometem a qualidade do ensino e a sua implementação. O fechamento interfere nas localidades, que ficam despovoadas porque camponeses vão à cidade em busca de escolas aos seus filhos. Muitos estudantes acordam de madrugada, caminham quilômetros para pegar o ônibus e esperam horas na escola até a aula começar, ou então, para poderem retornar às suas casas. Ainda têm que encarar a precariedade das estradas e do transporte escolar.
O deputado estadual Edegar Pretto (PT) disse que a realidade imposta pelos governos é um retrocesso, semelhante àquela que ele viveu quando criança: tinha que acordar antes do sol nascer e caminhar quilômetros para poder estudar. Ele acrescentou que o acesso ao ensino superior e público também está prejudicado com a determinação de corte de 30% do orçamento da União para as universidades federais. “Bolsonaro elegeu a educação como inimiga. Universidades estão com os dias contados para fecharem suas portas se esse anúncio do governo federal realmente se concretizar”, alertou.
“Morte das escolas é gradativa”
Cristina Vergutz, professora na Escola Família Agrícola de Santa Cruz do Sul, afirmou que a Articulação em Defesa da Educação do Campo, fundada em 2016 a partir de iniciativas populares, está organizando um observatório, por meio do qual já identificaram o fechamento de várias instituições. “A morte, que a gente chama o fechamento das escolas, é gradativa. E isso nos leva a ficar atentos ao Censo Escolar, ao número de alunos e de turmas”, pontuou.
Ela destacou que há dificuldade de juntar dados referentes a estado e municípios, uma vez que não se tem acesso a informações da rede municipal. “Os municípios fecham escolas de um ano para outro, e nós nem sabemos”, lamentou. Segundo Cristina, de 2017 para 2018, sete foram fechadas no Vale do Rio Pardo por decreto municipal. Todas possuíam estudantes e infraestrutura para funcionar. “Nós não temos o controle, é uma lógica que acontece do interior dos gabinetes dos prefeitos e não conseguimos mostrar porque os dados ficam escondidos”, comentou.
A professora também denunciou o descumprimento da Lei 12.960/2014, que dificulta o fechamento de escolas rurais. Para que isso aconteça, primeiro tem que ser analisado o impacto dessa ação e haver manifestação da comunidade escolar. “No Vale do Rio Pardo mais de 70 escolas foram fechadas com o apoio do Ministério Público em menos de cinco anos. Mostramos a lei e denunciamos que não foi feito manifestação da comunidade, nem estudo. A promotora disse que quem tem o poder e deveria decidir sobre isso era a Secretaria da Educação, o prefeito do município. O MP não nos ouviu, e isso é recorrente em outros municípios”, enfatizou.
Escolas que formam sujeitos
Angelita Perin, professora da Escola Estadual de Ensino Médio Joceli Corrêa, localizada em Jóia, na região Noroeste, falou sobre a importância das escolas do campo na formação de sujeitos. “Nós já formamos estudantes que hoje são médicos, engenheiros agrônomos, veterinários, assistentes sociais. Temos uma infinidade de educandos que saíram dessas escolas do campo e que hoje ocupam espaços importantes na nossa sociedade”, completou.
Entretanto, reforçou que faltam recursos humanos para manter esses espaços de formação. Como exemplo, citou que a Escola Joceli Corrêa não possui número suficiente de diretores e vices para atender os três turnos de aula. Além disso, relatou que sempre há problemas com transporte escolar, devido rotas, horários de circulação e precariedade das estradas. “Em função disso estamos vivendo retrocessos pedagógicos”, contou.
A educadora denunciou que, por inoperância do Estado, as escolas do campo estão perdendo recursos do Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento (Bird), os quais estão nas contas das instituições desde 2006 e poderiam viabilizar melhorias nas estruturas. “O dinheiro será recolhido, porque o governo não executou os projetos para os quais esses verbas são destinadas”, avisou. Angelita ainda questionou aos deputados quais serão os seus compromissos com as escolas do campo. “Queremos saber quais são os projetos dos senhores irão propor às demandas aqui apresentadas”, finalizou.
Encaminhamentos
A Comissão realizará, no segundo semestre deste ano, um seminário pela implementação da Resolução 342/2018, que trata da Escola Rural. Também será solicitada uma agenda com a Secretaria Estadual de Educação (Seduc) e o Ministério Público, para tratar do transporte escolar, contratos temporários e cursos de formação no campo, entre outras questões.