Movimentos populares reafirmam a defesa da educação como um direito
Por Fernanda Alcântara
Da Página do MST
Muitos foram os assuntos debatidos durante o Seminário Terra e Territórios: Diversidade e Lutas, que aconteceu na última semana na Escola Nacional Florestan Fernandes, em Guararema.
Na atual conjuntura em que perdemos direitos constitucionais todos os dias, espaços como o seminário ajudam a refletir sobre as perspectivas e desafios do campo e da cidade. A educação, desde o ensino básico até o superior, passa por estes desafios, e alguns participantes discutiram o panorama da temática a partir da educação do campo.
Para Bernardo Mançano Fernandes, professor da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (Unesp) defende que para compreender os problemas que o Brasil enfrenta hoje, precisamos debater o projeto neoliberal do Governo Bolsonaro. “Eles têm como objetivo a destruição dos territórios camponeses, dos territórios indígenas para que eles possam apropriar-se dos recursos naturais através do apoio da financeirização da agricultura. Esse projeto traz uma grande responsabilidade para nós, que é construir um projeto de resistência a este desmonte a experiência da educação no campo é uma amostra disso”, afirmou.
Para o professor o projeto de desenvolvimento dos territórios camponeses, indígenas, quilombolas deve ser feiro a partir da compreensão de todos os movimentos. Segundo ele, os movimentos populares precisam articular, de forma unitária, a resistência neste momento de ataque perverso aos movimentos e aos territórios, e com isso, transformar a sociedade recuperando a democracia, os direitos e, principalmente, a dignidade.
“Esses cortes estão dentro um plano sistemático de destruição do Estado, e grande parte da população vai ser excluída desse processo. É o momento da sociedade se organizar. Temos hoje uma expansão enorme do número de movimentos populares, na tentativa de unificar e de fortalecer este processo. Tenho certeza que iremos, juntos, encontrar uma saída. Caso contrário, estaremos perdidos, sentenciou.”
O choque entre estas realidades
Juliana da Silva Vaz, da Articulação Nacional das Comunidades Quilombolas (CONAQ), vivenciou de perto as diferentes realidades no acesso à educação e falou sobre as dificuldades que enfrentou no caminho, quando a educação não era uma preocupação do governo e “as crianças e jovens tinham que caminhar quilômetros a pé para conseguir chegar na escola. Quando chegavam, ainda tinham que carregar água na cabeça para fazer a merenda”.
Vaz fez referência ao programa Escola Ativa, que incentivava o modelo de classes multisseriadas (diferentes níveis de aprendizado em uma única sala) das escolas do campo. Com o argumento de ser “multitarefas”, eles acabavam sobrecarregando educadores.
“Eram atribuídas várias tarefas à professora: merendeira, faxineira, diretora, e outras. Então, para que ela tivesse mais tempo de nos ensinar, a gente chegava na escola e ia para o riacho e pegava aula”, conta Vaz, que ainda completa. “A professora lecionava em um espaço em que haviam várias mesas, se virava para um lado era a segunda série, virava pro outro era a terceira; pro outro, a quarta. No fim, não dava para entender muita coisa”.
“Aprendemos pouco história, gramática menos ainda. E esta fragmentação sentimos quando chegamos na universidade, não temos o mínimo de historicidade para entender o contexto dos materiais que temos que estudar”, afirma Vaz, que comprova como a defasagem no currículo escolar é sentida até hoje.
Melhorias e lutas
Juliana lembra que as condições da educação começaram a melhorar nas últimas duas décadas, com programas e projetos como a escola-modelo que contribuiu com a melhora na estrutura física, além da inserção de outras disciplinas que valorizam a identidade e a cultura dos quilombolas, o que inclui “alguns dos professores quilombolas, hoje a gente não precisa mais receber pessoas de fora, da cidade”
Institucionalmente, a CONAQ tem atuado de maneira eficaz na vida acadêmica dos quilombolas, principalmente no diálogo com o Governo e na busca por estratégias de instruir cada vez mais pessoas na educação de qualidade.
“Nossos quilombolas sofrem diariamente. É um sofrimento histórico mesmo, desde o ensino básico até as universidades, e o resultado são quilombolas com problemas de saúde mental, econômicos e financeiros. Então a CONAQ realiza debates e formações que preparam os jovens, numa tentativa de fortalecê-los, principalmente na questão emocional, que é uma das que mais maltratam os nossos jovens dentro da Universidade”
Vaz concluiu lembrando da importância do programa “bolsa-permanência”, política pública que busca garantir a permanência de estudantes quilombolas, indígenas e em situação de vulnerabilidade socioeconômica nas instituições federais de ensino superior, e que está ameaçada pelos atuais cortes governo na educação.
“Estes jovens estão na universidade e precisam produzir conhecimento no mundo acadêmico, então recebem a bolsa com uma perspectiva reparatória e a família não tem condições de ajudar o estudante.
Parte destas verbas é enviada para os quilombos para ajudar a sobrevivência sem aquele membro, tendo em vista que nós também fazíamos parte desta renda da família”, afirma Vaz.
Assim, os cortes da bolsa-permanência prejudicam não só os educandos, mas também a dinâmica das famílias rurais.
É o caso dos pescadores artesanais, que também estiveram no Seminário Terra e Territórios: Diversidade e lutas e se articulam com outros movimentos campesinos para um projeto popular para o Brasil.
Arlene Oliveira da Costa, pescadora e integrante do Movimento de Pescadores e Pescadoras Artesanais (MPP), afirmou que não há vitória sem luta, e deu o tom da conversa: “Diante destes cortes, muitos dos filhos dos pescadores e pescadores não conseguirão ir para a universidade. Por isso, dia primeiro de julho vamos fazer uma formação de base em Olinda (PE), para ver de qual forma nós podemos ajudar. Não vão nos calar!”