Cooperativismo no campo gera renda para pequenos agricultores
Por Lu Sudré e Marcos Hermanson
Do Brasil de Fato
A partir da produção de uma alimentação saudável e da autogestão, pequenos agricultores mostram que o campo também é terreno fértil para o cooperativismo. Relembrada neste 6 de julho, data que marca o Dia Internacional do Cooperativismo, tal forma de organização se consolida como meio de subsistência para a população camponesa.
É o caso, por exemplo, de dezenas de famílias do Assentamento Contestado, localizado no município da Lapa, a 60 km de Curitiba (PR). Para comercializar hortaliças, frutas e verduras produzidas semanalmente pelos assentados, em 2010 foi criada a Cooperativa Terra Livre, que somente no ano passado vendeu 270 toneladas de alimentos.
Antônio Capitani, agricultor rural e trabalhador da cooperativa, conta que os produtores do Assentamento Contestado – modelo em produção de alimentos orgânicos, sem agrotóxicos – participam de feiras internas e no município desde 2003. Foi com a criação da cooperativa que a produção se expandiu e gerou mais renda para as famílias.
“A partir do momento que criamos a cooperativa, passamos a ingressar em famílias de outros municípios. Iniciamos com 70 e poucas famílias e hoje estamos com 230 famílias dos cinco municípios ao redor. Trabalhamos com produção orgânica, sem veneno. Produtos certificados”, orgulha-se Capitani.
Atualmente, a Terra Livre comercializa a produção do Assentamento Contestado, de integrantes do Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), de famílias quilombolas e faxinalenses da região. Oito toneladas de alimentos são entregues aos municípios da Lapa, Campo Largo e Curitiba semanalmente.
Além dos produtos in natura, também são vendidos produtos pré processados como mandioca embalada à vácuo, abóbora, doce de abóbora e doce de banana. Ano passado houve até mesmo a produção de geleia de morango e amora.
Segundo Capitani, a Terra Livre participa de chamadas públicas e garante que uma alimentação saudável esteja presente na merenda de mais de cem escolas estaduais e municipais.
“Toda nossa venda é feita durante o mês, são quatro entregas mensais. Fazemos o &”39;balancete&”39;, a prestação de contas. A cooperativa analisa e libera o dinheiro para as contas da famílias em cima do valor [da produção] que cada família entregou”, explica o agricultor.
Impacto econômico e social
Nos últimos oito anos, o número de cooperativas no país cresceu 2,6%, segundo o Anuário do Cooperativismo Brasileiro de 2019. Em 2010, eram cerca de 6.652 cooperativas. Hoje, são 6.828 entidades no país que geraram, juntas, mais de R$ 260 bilhões.
É inegável que o modelo de organização tem um impacto econômico e social: além da geração de renda, as cooperativas garantem trabalho para os agricultores. De acordo com dados da Central de Cooperativas da Reforma Agrária do Paraná, somente na região existem 21 cooperativas e 51 agroindústrias, com 7 mil famílias associadas diretamente.
São, aproximadamente, 200 trabalhadores com carteira assinada trabalhando na indústria e administração das cooperativas, que juntas possuem um faturamento anual próximo a R$100 milhões.
Informações coletadas a partir de diagnóstico feito pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) de 2018 e organizadas pela Central de Cooperativas da Reforma Agrária do Paraná, registram que as cooperativas e agroindústria do estado produzem 160 milhões de litros de leite ao ano e 200 mil toneladas de grãos como milho, feijão, arroz, soja, trigo, entre outros.
Desenvolvimento regional
A Cooperativa de Sucos Monte Vêneto é destaque no cultivo de uvas, uma das principais atividades agrícolas da Serra Gaúcha. Fundada em abril de 2007, a associação está instalada em uma área de 95 mil m² na zona rural de Cotiporã, no Rio Grande do Sul.
Cedenir de Oliveira, trabalhador da cooperativa, destaca que a Monte Vêneto surgiu com o propósito de promover a integração latino-americana e o desenvolvimento regional. A ideia embrionária do projeto ocorreu em 2006, quando Hugo Chávez, presidente da Venezuela, esteve no Brasil visitando assentamentos da reforma agrária.
Era o início de uma parceria entre o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST) e o governo venezuelano. “Entre as iniciativas que foram colocadas em curso naquele período, tinha-se a ideia de construir atividades econômicas latino americanas, e, dentro disso, o Banco de Desenvolvimento Venezuelano queria financiar atividades econômicas em vários países. E aí construímos a ideia da cooperativa Monte Vêneto”, relembra Cedenir.
Mais de 200 pequenos agricultores e assentados produzem hoje para a cooperativa. Na safra desse ano, segundo o produtor, serão produzidos em torno de 6 milhões de quilos de uva. Os sucos também compõem a merenda escolar de escolas da região e são comercializados no mercado convencional. As uvas também são vendidas à granel para outras marcas.
A cooperativa produz outros sucos, a partir do cultivo de frutas como maçã e goiaba. Mas Cedenir assume que não tem jeito: a uva agroecológica, produzida sem agrotóxicos, é a menina dos olhos da cooperativa.
“A grande questão da Monte Vêneto é essa. Ela é uma iniciativa de desenvolvimento econômico regional e produz com tecnologia na qual não se usa nenhum tipo de conservante. É suco integral, sem nenhum tipo de outro insumo. Produção de ponta sob a coordenação dos trabalhadores”, ressalta o agricultor.
Na cooperativa gaúcha todos os produtores reúnem-se em uma assembleia geral anualmente, que aprova um conselho deliberativo com sete membros. Esse conselho deliberativo reúne-se com maior frequência e estabelece uma diretoria que acompanha diretamente a venda e produção da Monte Vêneto.
*Edição: Guilherme Henrique/ Brasil de Fato
**Esse é o segundo texto de uma série sobre cooperativismo como bandeira na luta pela Reforma Agrária Popular;
Leia o primeiro em “A luta pela terra é uma luta coletiva e, diante disso, as conquistas também são”