25 de julho: Memorar a Luta e Resistência das Guerreiras Negras
Por Maysa Mathias* e Simone Magalhães**
25 de julho é o dia Nacional de Tereza de Benguela e da Mulher Negra. A homenagem à guerreira e liderança quilombola foi criada pela Lei nº 12.987/2014, durante o governo da presidenta Dilma Roussef. O dia 25 de Julho é também o Dia Internacional da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha, data que passou a ser comemorada a partir de 1992, após a realização do 1º Encontro de Mulheres Afro-latino-americanas e Afro-caribenhas, realizado em Santo Domingo, na República Dominicana.
Lembrar Tereza de Benguela, mulher negra que liderou o Quilombo do Quariterê, no século 18, localizado na região do atual estado do Mato Grosso, é resgatar à memória, resistência e luta dos negros e das negras contra o sistema escravista imposto pelo modo de produção capitalista na sua fase colonial. Mas significa também reconhecer a histórica e permanente participação, força, coragem e ousadia da Mulher Negra na luta pela libertação e construção de uma sociedade nova.
Marcada pela exploração do ouro, a região onde o Quilombo do Quariterê nasceu, o Vale do Guaporé, era uma província que empregava amplamente a mão-de-obra escravizada em diferentes ramos da economia. Os negros e as negras escravizadas trabalhavam na mineração, agricultura, criação de gado, construção das cidades e fortalezas, na caça e pesca e na coleta das “drogas do sertão”, este último objeto também da ação das bandeiras.
Por ser uma região fronteiriça, a força de trabalho no Vale do Guaporé não se limitava à atividade econômica, assim os homens negros eram conduzidos juntamente com índios para as atividades militares na defesa do território contra os vizinhos castelhanos, é o que mostra Emmanuel de Almeida Farias Junior, em Negros do Guaporé: o sistema escravista e as territorialidades específicas. Nesse contexto, durante processos de fugas das negras e negros encontravam-se índios que viam nos quilombos também uma alternativa de liberdade.
Os quilombos constituíam-se em uma das mais importantes estratégias de resistência e luta contra a escravidão.
O Quilombo Quariterê, sob a liderança de Tereza de Benguela, o maior quilombo do estado de Mato Grosso, contava com mais de 100 habitantes entre negros, índios e caburés. Seus membros cultivavam algodão, milho, feijão, mandioca, banana, entre outros, além de produzirem suas roupas no quilombo. Além da produção para subsistência, a/os quilombolas comercializavam o excedente nas vilas ou realizavam trocas para a obtenção de instrumentos de trabalho e armas para a defesa do quilombo.
Tereza de Benguela governava por meio de um parlamento, que se reunia semanalmente. Sob as investidas dos soldados, ela ordenou que os quilombolas pegassem em armas para resistir aos ataques. Depois de lutas heroicas, em desvantagem numérica e bélica, a guerreira quilombola foi capturada, presa e morta em 1770. Após duas décadas de existência e de resistência aos ataques, o quilombo foi destruído em 1795.
Além de questionar a dominação e de ser uma resistência à escravidão, o quilombo representava a alternativa de estabelecer uma nova ordem social e política. Produzir, cultivar a terra, organizar-se livremente era a condição para respirar a liberdade que outrora o sistema escravocrata tinha retirado do povo negro. Mas as condições concretas do Quilombo do Quariterê e de tantos outros também demonstram a atuação ativa da Mulher Negra nesta nova organização social. Relações sociais, condução política e sociabilidades que foram tecidas para resistir às atrocidades do colonialismo e ao sistema escravista não seriam possíveis sem a atuação das mulheres no interior dos quilombos.
Anos se passaram, porém, as mulheres continuam sendo as mais afetadas pelas políticas econômicas e sociais que retiram direitos e priorizam os interesses do capital. A terceirização irrestrita, a precarização do trabalho operada pela reforma trabalhista, a reforma da previdência em curso e o congelamento de gastos públicos por 20 anos no Brasil são alguns dos exemplos emblemáticos que atingem diretamente as mulheres pretas e pobres, revelando o caráter reacionário, machista e racista das políticas públicas atuais, traços da herança colonial escravocrata.
Da mesma forma, a suspensão da reforma agrária por tempo indeterminado pelo governo Bolsonaro implica no aprofundamento da concentração de terras e da desigualdade social no país.
Sendo assim, neste cenário de retrocesso das políticas sociais, onde querem que a classe trabalhadora pague a dívida, enquanto os atuais herdeiros dos senhores de engenho controlam e concentram a riqueza, é preciso que todos nós, povo brasileiro, possamos aprender com a força de Tereza de Benguela e de tantas outras Negras Guerreiras que lutaram pelo fim da escravidão.
Aprender que a transformação, a luta pela vida, por terra, território e por uma sociedade com relações socioeconômicas igualitárias, se faz em unidade, mas principalmente, se faz enfrentando o racismo, o patriarcado, a lgbtfobia, a xenofobia, o genocídio e encarceramento do povo negro, pois as lutas travadas por Benguela, são as lutas que nós, Povo Brasileiro, teremos de travar.
Referência
FARIAS JUNIOR, Emmanuel de Almeida. Negros do Guaporé: o sistema escravista e as territorialidades específicas. RURIS – Revista do Centro de Estudos Rurais/UNICAMP, v. 5, nº 2, 2011. Acesso em 23/07/2019. Disponível em https://www.ifch.unicamp.br/ojs/index.php/ruris/article/view/1467/984
*Maysa Mathias é agrônoma, LGBT, negra, Sem Terra e integrante do Grupo de Estudos do MST sobre terra, raça e classe;
** Simone Magalhães é mulher, negra, Sem Terra, dirigente regional do setor de Formação em SP e integrante do Grupo de Estudos do MST sobre terra, raça e classe;