Em meio à fumaça das queimadas na Amazônia, uma Jornada de Agroecologia pela vida
Artigo faz balanço da conjuntura atual e processo de luta constituído na Jornada de Agroecologia, realizada no último fim de semana no PR
Por José Maria Tardin*
Da Página do MST
A floresta amazônica está em chamas, onde latifundiários do agronegócio, dias atrás, realizaram o incendiário “dia do fogo” em sua bárbara demonstração de força apoiados no discurso cotidiano do presidente Bolsonaro e na contínua desregulamentação da legislação ambiental e do desmonte dos órgãos de fiscalização, que este governo patrocina. A fumaça ocultou o sol das 15 horas afetando até o sudeste e parte do sul do país, assombrando multidão que, perplexa, se viu desolada ao ser informada se tratar de impacto dos incêndios na magnífica floresta amazônica.

foram destaques para José Maria Tardin
Foto: Juliana Adriano
O mesmo Bolsonaro foi ágil em descaracterizar a ação assassina de um grupo de 50 criminosos que mataram o cacique Emyra Waiãpi, num ataque surpresa ao povo Waiãpi, no Amapá. A liberalização do porte de armas de elevado calibre e automáticas consta das prioridades do governo.
Esbravejante, Bolsonaro reitera que em seu governo jamais demarcará uma única área indígena, e eufórico vocifera a disposição de entregar as riquezas da Amazônia à exploração e domínio dos Estados Unidos da América.
A rainha dos agrotóxicos, Teresa Cristina, latifundiária e ministra da agricultura de Bolsonaro, nesses 8 meses de governo, fazendo jus ao seu apelido monárquico, vem liberando em média mais de um novo agrotóxico a cada dia, totalizando 290 agrotóxicos no período.
O agronegócio no Brasil é o campeão mundial no uso de agrotóxicos, com mais de 7 litros por habitante, e o segundo maior produtor de cultivos transgênicos, com destaque para milho, soja e algodão. É importante estarmos cientes que milho e soja transgênicos com resíduos elevados de agrotóxicos são ingredientes em muitos produtos alimentícios industrializados e em ração para animais.
Nos cultivos transgênicos, o agrotóxico mais utilizado é o herbicida glifosato, identificado em pesquisas como potencialmente cancerígeno, teratogênico (provoca mutação genética em fetos em gestação), espermaticida (provoca a morte ou anomalias em espermatozoide), debilitador da defesa imunológica, e provocador de danos fatais na vida aquática pela contaminação da água e deixa resíduos persistentes no solo agrícola passível de ser reabsorvido por cultivos posteriores.
O agronegócio também segue potencialmente respaldado nas suas históricas práticas de violências no campo, verificável no aumento dos assassinatos de lideranças indígenas, quilombolas, camponesas, e de ambientalistas e defensores dos direitos humanos, na realização de despejos de famílias Sem Terra ocupantes de latifúndios improdutivos ou de propriedade de corruptos e corruptores, e na contaminação generalizada de territórios indígena e camponês com agrotóxicos dispersados por pulverização aérea de forma intencional.
A contaminação da água com agrotóxicos é ampla e generalizada, como a contaminação dos alimentos, expondo a sociedade a risco permanente e ampliado à sua saúde, comprovado na presença de agrotóxicos no leite materno, no crescimento dos casos de câncer e doenças crônicas na população rural e urbana.
A biodiversidade vem sendo explorada como uma mina de incomensurável riqueza cada vez mais apropriada por corporações transnacionais onde a Bayer/Monsanto, ChemChina/Syngenta e Dupont/Dow juntas, controlam mais de 70% do mercado mundial de sementes agrícolas.
Na ponta fina da pirâmide do agronegócio estão alguns bancos, destacado setor que mundialmente concentra a riqueza socialmente produzida, e pela financeirização da economia reproduz dinheiro sem lastro na produção.
O agronegócio é um agente ativo no desequilíbrio dos ecossistemas e principal responsável pelas mudanças climáticas. É completamente insustentável. O agronegócio é antagônico com a dignidade humana e depreda a natureza.
Em posição oposta ao agronegócio e ao governo Bolsonaro, entre 29 de agosto e 1 de setembro, Curitiba sediou a 18ª Jornada de Agroecologia.
Em 2001, no Paraná, movimentos sociais populares do campo e organizações da sociedade civil se unificaram expressando a utopia camponesa em novo estágio de lutas e projeto de agricultura, e lançaram seu manifesto político constituindo a Jornada de Agroecologia – Terra Livre de Transgênicos e Sem Agrotóxicos.
Durante os quatros dias, o centro da capital paranaense foi o palco de manifestação política, técnica, cultural e da feira de alimentos e de sementes e mudas da agrobiodiversidade camponesa. Reuniu milhares de pessoas oriundas de povos indígenas, quilombolas e de terreiros, camponesas e camponeses e juventude de assentamentos e acampamentos dos Sem Terra, de comunidades tradicionais, pescadores artesanais, e da agricultura familiar, estudantes, professores, técnicos e trabalhadoras e trabalhadores urbanos.
Esta mobilização anual que se dá no Paraná se soma às lutas da classe trabalhadora por uma Terra livre do latifúndio, livre da miséria e da fome, livre do trabalho escravo e da exploração do trabalho, livre das violências e assassinatos no campo, livre do patriarcado e do machismo, livre da misoginia – homofobia – LGBTQIfobia, livre do racismo, livre da depredação da natureza, livre do autoritarismo e fascismo, livre do agronegócio, livre de transgênicos e sem agrotóxicos.
Mas a Jornada não se resume ao evento anual. Este nome foi escolhido justamente por tratar-se de um processo contínuo e cotidiano da vida camponesa no seus territórios cultivando a agroecologia, e se articula com a população urbana nos encontro anuais. Oferece alimentos saudáveis e convoca a cidade a cooperar nas lutas contra os agrotóxicos e os transgênicos, e fortalecer a conquista de política de públicas estruturantes da agroecologia.
É a Jornada de Agroecologia, cuidando da terra, cultivando biodiversidade e colhendo soberania alimentar com alimentos saudáveis – Alimentos para a Vida! Venha se somar nesta fecunda união de povos da terra, das águas e das florestas e das cidades e de mãos dadas em ciranda entoarmos juntos o cântico Guarani:
“Vamos juntos
Pelos caminhos
Cantando a nossa música
Cantando a nossa música
Pra gente se alegrar
Pra gente se Alegrar”
(Hélio Whera, aldeia Kaá Guyrã, Maquiné – RS)
*José Maria Tardin é da Frente Nacional de Agroecologia do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra
** Editado por Fernanda Alcântara