Conciliação prorroga permanência de acampamento do MST em Passo Fundo

Audiência garante que famílias fiquem por mais dois anos nas terras do ex-advogado Maurício Dal Agnol
Famílias do acampamento fizeram uma vigília em frente ao Fórum no dia da audiência. Foto - Catiana de Medeiros.jpg
Famílias do acampamento fizeram uma vigília em frente ao Fórum no dia da audiência. Foto: Catiana de Medeiros

 

Por Catiana de Medeiros
Da Página do MST

 

O resultado de uma audiência de conciliação na 5ª Vara Cível da Comarca de Passo Fundo, na região Norte do Rio Grande do Sul, reconheceu o trabalho das 30 famílias do MST que estão acampadas há mais de cinco anos nas terras do ex-advogado Maurício Dal Agnol. 

O acordo entre as partes envolvidas permite que o acampamento Terra e Vida, situado na comunidade de Santo Antão, no interior do município, permaneça no local por mais dois anos.

A audiência, que aconteceu com a mediação da juíza Ana Paula Caimi, durou cerca de 2h e envolveu moradores do acampamento, o arrendatário César Tronco, Dal Agnol e advogados. Conforme Leandro Scalabrin, que atua pela permanência das famílias na área, o processo foi movido pelo arrendatário, já tramitou por todas as instâncias cabíveis e estava em fase de execução de sentença de reintegração de posse. Porém, o diálogo de ontem resultou na prorrogação do prazo para os acampados.

“O poder judiciário reconheceu que as famílias estão dando o cumprimento da função social daquela terra, com a moradia e a produção de alimentos, e se sensibilizou para forçar essa audiência de conciliação, que, sem ela, não haveria tido esse acordo”, explica Scalabrin. 

E continua: “Nós apresentamos a realidade dos acampados, que não tinham para onde ir. O arrendatário e o proprietário cederam gratuitamente a área para o acampamento permanecer por dois anos. É motivo de alegria essas famílias poderem continuar produzindo alimentos”, comemora.

Diante da ordem de despejo, a expectativa das famílias era que elas pudessem ficar no local, ocupado desde abril de 2014, pelo menos até que as cinco crianças que estudam na Escola Municipal Leão Nunes de Castro concluíssem o ano letivo. Porém, depois disso, elas não teriam para onde ir e dependem da estrutura que construíram no acampamento para sobreviver. 

“O Estado não está fornecendo assistência, nem alimentação, nem lona, há muito tempo. Então nós precisamos desse espaço para produzir comida”, destaca o acampado Éverton Scherner.

Segundo Scalabrin, o Conselho Nacional dos Direitos Humanos solicitou ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) uma área para alojar as famílias. No entanto, a resposta foi que a autarquia não poderia se comprometer com esse tipo de expediente por restrições orçamentárias, pois isso impactaria diretamente na ação de compra de novos imóveis. Além disso, as famílias já haviam pedido local ao município para ficarem, o que também foi negado.

Trinta famílias do MST vivem em barracos de lona nas terras de Dal Agnol. Foto - Catiana de Medeiros..jpg
Trinta famílias vivem nas terras de Dal Agnol.
Foto: Catiana de Medeiros

Resultado é motivo para comemorar

Scherner afirma que o resultado da audiência foi uma surpresa positiva e é um motivo para comemorar, numa conjuntura de total paralisia da política de Reforma Agrária. “O sentimento de frustração a cada dia era maior, porque não restava alternativa para nós a não ser se mudar para um barraco de estrada, porque o Estado em nenhum momento sinalizou a possibilidade de se ter uma área pra podermos construir nossas moradias, para formar um novo acampamento”, ressalta.

João Onofre, da coordenação estadual da frente de massa do MST, diz que o acordo foi uma vitória, uma vez que as famílias esperavam pela notícia de que logo aconteceria o despejo. 

“Elas se sentem mais tranquilas agora pra tocar o seu projeto de sobrevivência. Com esses dois anos, há mais esperança de que a justiça está sendo feita”, aponta Onofre e acrescenta que atualmente cerca de 2 mil famílias aguardam a realização da Reforma Agrária no estado e que a luta do MST é para que os moradores do acampamento Terra e Vida sejam assentados em Passo Fundo.

A luta pelas terras de Dal Agnol

Um conjunto de áreas, de aproximadamente 170 hectares, foi ocupado por centenas de Sem Terra em abril de 2014, durante a Jornada Nacional de Luta pela Reforma Agrária. O intuito da mobilização foi de reivindicá-las para a criação de assentamento, por conta de uma dívida de Dal Agnol à Fazenda Nacional.

Em 2015 a ocupação teve a concessão de liminar de reintegração de posse a favor de um arrendatário de terras. As famílias deixaram o local, mas se mudaram para outras duas áreas próximas, de cerca de seis hectares, que também pertencem ao ex-advogado e já estavam ocupadas pelo MST desde abril de 2014. Desde então, permanecem acampadas no mesmo lugar.

O espaço ocupado recebeu o nome de acampamento Terra e Vida e hoje abriga 30 famílias oriundas dos municípios de Trindade do Sul, Palmeira das Missões, Sarandi, Carazinho, Nonoai, Sananduva e Passo Fundo, todos situados na parte norte do estado. Muitas estão acampadas desde 2005. Entre os moradores há idosos, crianças, adolescentes e jovens — nove deles em processo de formação superior nos cursos de Agronomia e História.

Desde o primeiro ano de ocupação, as famílias se organizam para produzir alimentos e mostrar à sociedade que é possível produzir sem veneno. A iniciativa se intensificou em 2016, quando o governo federal parou de fornecer cestas básicas ao acampamento. 

Hoje, os acampados cultivam uma diversidade de alimentos para subsistência, como feijão, mandioca, batata-doce, amendoim, milho de pipoca, beterraba, cenoura, rabanete, abóbora, moranga e pepino.

Além disso, vendem alface, couve, rúcula, pão de açúcar, cebola de cabeça, cebolinha, salsa e alho na cidade de Passo Fundo. “As famílias comercializam direto nas residências dos bairros. Como o acampamento está próximo da cidade, é usado carro de mão para transportar os produtos”, explica Scherner.

Acampamento tem nove estufas de orgânicos para subsistência e comercialização em bairros próximos. Foto - Catiana de Medeiros...jpg
Acampamento tem nove estufas de orgânicos.
Foto: Catiana de Medeiros

Para fortalecer a produção orgânica, ter uma refeição saudável e propiciar o acesso à população local, os acampados trabalham há três anos com o Projeto Tecnologias Apropriadas do Grupo Terra e Vida, com o apoio da Fundação Luterana de Diaconia (FLD) e da Cáritas de Passo Fundo. 

O objetivo do projeto é resgatar a dignidade das famílias, além de despertar na população passo-fundense a consciência na busca pela construção da agroecologia, a fim de mudar o modelo de desenvolvimento da agricultura.

Plano é ampliar a produção

A decisão da audiência de conciliação motiva as famílias a melhorarem cada vez mais os seus processos de produção e comercialização. Além de garantir a sobrevivência, o objetivo é que os trabalhadores e trabalhadoras da cidade também tenham acesso a alimento saudável. Para isso, a ideia é ampliar o projeto e continuar oferecendo orgânicos a preço justo, que variam de R$ 1,50 a R$ 2,00.

Conforme Scherner, essa iniciativa também contribui com a qualidade de vida dos acampados através da obtenção de renda. No entanto, ele reforça que, além de fortalecer o trabalho com as hortaliças, as famílias continuarão buscando o sonho coletivo, que é a Reforma Agrária. “Jamais vamos esquecer da importância de nos mantermos organizados e fazendo a luta em defesa do acesso à terra a quem tem vocação e nela quer trabalhar”, argumenta Scherner.

Acampamento e o sonho da terra

Veranisa de Lima já passou por dois acampamentos nos últimos nove anos: o primeiro em Sarandi e o segundo em Passo Fundo, onde está desde o início da luta do MST pelas terras de Dal Agnol.

Ela conta que o Terra e Vida é um espaço de paz e tranquilidade, que permite ensinar os filhos a trabalharem na terra e a criá-los longe das drogas e da criminalidade. “Aqui é bom, temos boa vivência com os vizinhos, e ainda conseguimos produzir e vender um alimento saudável”, explica Lima.

Há cinco anos, Edineia Dias mora no local, mas já enfrenta há uma década a situação de acampada. Ela afirma que todo o trabalho das famílias é coletivo, inclusive na hora de plantar, cuidar, colher e comercializar os alimentos. “Nos organizamos em grupos. A cada semana um assume as tarefas de cuidar das estufas e dos bichos, pois também temos vaca e porcos aqui”, conta.

Já Eleci Fátima Rodrigues, que está acampada há três anos em busca de Reforma Agrária, tem consciência de que essa conquista só virá com a luta. O seu sonho é ter uma moradia digna e um dia ser assentada. “Agora estamos no acampamento, mas sempre pensamos no assentamento. O nosso objetivo é ter um pedaço de terra. Nós vamos lutar, vamos até o final para conseguir”, garante.

Dona Eleci diz que as famílias acampadas têm consciência de que a conquista da terra só virá com a luta. Foto - Catiana de Medeiros..jpg
Dona Eleci diz que as famílias acampadas têm consciência de que a conquista da terra
só virá com a luta. Foto: Catiana de Medeiros

 

*Editado por Wesley Lima