Literatura de resistência, ferramenta de transformação
Por Fernanda Alcântara
Da Página do MST
Esta semana a Campanha de Literatura do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) ganha uma nova perspectiva: o dia das Crianças, em que vários estados celebram nossos Sem Terrinha. A Campanha de Literatura abrange diversas esferas do campo e da cidade, mas este mês promete chegar mais perto da meta de entregar um livro para cada criança de todos os assentamentos e acampamentos do MST.
A meta é desafiadora, explica Edgar Kolling, da coordenação nacional do setor de educação do MST. “Nossa meta é na Jornada das Crianças Sem Terrinha poder distribuir pelo menos um livro pra cada criança. Dada a conjuntura, a maioria dos estados vão fazer encontro das Crianças nas regionais e alguns em nível estadual. A maioria das atividades se concentra durante este mês”, lembra Kolling.
A campanha faz parte de um princípio importante do MST enquanto organização coletiva. Segundo o Setor de Educação do MST, para construir um projeto político-social que expresse e integre o processo histórico da classe trabalhadora em luta e construção, é preciso estruturar o projeto político-pedagógico das escolas do campo, com cursos de formação, de educação formal, atividades culturais e outras.
Neste sentido, uma literatura do campo e para o campo tem sua intencionalidade formativa e organizativa nas diferentes esferas de atuação do Movimento e se conecta aos objetivos da organização. Algumas destas estratégias vem sendo trazidas ao longo dos anos, como no Seminário Nacional: Literatura nos Processos de Formação e Educação do MST, realizado em 2018 e que teve um papel importante para estes próximos anos.
“Estamos trabalhando com o horizonte de ao longo dos próximos 10 anos incrementar a formação de leitores(as) de todas as gerações, semear livros em todos assentamentos e acampamentos, fortalecer bibliotecas, e editar mais livros de literatura via Editora Expressão Popular”, afirmou Kolling.
Promover a literatura em diversas idades inclui desde a formação de educadores populares, na construção da memória das turmas incluindo textos narrativos, crônicas, poemas, canções até concursos de redações e desenhos, realizados desde 1998 a partir de uma das proposições do I ENERA.
Literatura: a arte da palavra
O que seria uma literatura do campo e para o campo? De acordo com o Setor de Educação do MST, partimos da compreensão de que literatura é tudo que é escrito ou oral com uma organização específica, uma forma e um caráter literário/artístico que faz uso de uma narrativa como poemas, contos, crônicas, romances, teatro.
Assim, o projeto de literatura que o MST promove é o encontro entre o conceito mais fechado de literatura com a tradição da cultura camponesa, potencializada pelos espaços coletivos de socialização, sejam eles os acampamentos, atividades de formação, marchas, eventos culturais, celebrações. Ao longo destes 35 anos de MST, a organização desenvolveu um conjunto de intencionalidades e iniciativas que possibilitaram um salto de qualidade no acesso a diversas formas de expressão literária, resultando no acúmulo significativo de produções com caráter de resistência e de crítica social.
No que diz respeito à produção de literatura em sua forma escrita pelo MST, a Pedagogia do Movimento tem como princípio a dimensão formadora da produção de obras, de todas as naturezas, incluindo os textos escritos e entre eles, talvez ainda com menos força que deveriam ter, os textos literários.
Expressão Popular
São muitos os depoimentos que comprovam na prática a literatura no campo, com destaque ao papel da editora Expressão Popular na divulgação e facilitação do acesso aos livros em geral e de literatura em particular. “A Expressão Popular é parceira neste projeto. Comemorando 20 anos de fundação, a editora é uma das principais parceiras na meta de popularizar a literatura como arte da palavra”, lembra Luana Pommé, do Setor de Educação do MST.
Miguel Yoshida, editor da Expressão Popular, ressalta o trabalho na empreitada de fortalecer o hábito da leitura tanto nas escolas como no conjunto do Movimento. “O esforço feito pelo MST de se apropriar da literatura é um grande movimento histórico. No Sim eu posso, por exemplo, foram enviados livros da Expressão. Foi uma comoção para a equipe, um exemplo da importância da editora”.
No universo infantil, um dos exemplos desta parceria é a publicação em 2006 da Coleção Terra de livros da Expressão Popular, iniciada pela publicação da obra “Um fantasma ronda o acampamento”, escrita por Maria José Silveira. O livro surgiu com o objetivo de avançar na forma e no repertório, principalmente pela encomenda de obras de literatura para autores a partir de discussão de temas, conteúdos, estilo.
Desde então, a Campanha de Literatura tem contado com a editora na promoção da leitura com livros a preços abaixo do custo de vários títulos. “Nosso esforço é formar milhares de leitoras e leitores crianças, jovens e adultos de nosso Movimento, e semear livros pelo interior do Brasil, nos 1.200 municípios onde o MST tem assentamentos e acampamentos. Até este mês de outubro, a Editora Expressão Popular já terá enviado cerca de 9 mil livros de literatura para os Estados (7 mil livros de títulos próprios) e mais 2 mil exemplares que recebemos de doação”, afirmou Kolling.
São vários os títulos que compõem esta campanha. Entre eles, o mais recente lançamento do livro de Iemanjá, da autora Marlene Crespo, que hoje (12) foi contada que hoje (12) foi contada na Ação Literária realizada no Armazém do Campo. Por meio de versos e imagens em xilogravura, o livro envolve as crianças na magia e no humanismo da fraqueza e a força de Iemanjá no seu desejo de libertação e, como os demais livros, pode ser acessado por vários Sem Terrinha.
Sem Terrinhas
Com a Jornada Sem Terrinha acontecendo este mês, a Campanha ganha intensidade no debate e enraizamento nosso projeto formativo voltado para infância. Para isso, os encontros regionais e estaduais que acontecem por todo o país impulsionam o debate da infância em diversas esferas fundamentais para reafirmar e potencializar no âmbito da vivência da organicidade, da auto-organização das crianças e da coletividade infantil.
“Considerando que temos aproximadamente 1.500 escolas públicas em nossos assentamentos e acampamentos (em torno de 120 de Ensino Médio), nas quais estudam mais de 100 mil crianças, adolescentes e jovens, é necessário que o conjunto de nosso Movimento abrace essa iniciativa para reforçar o trabalho que já existe nas escolas e também abrir novas fronteiras”, ressalta Kolling.
De acordo com o Setor de Educação do MST, o desafio se coloca na discussão para compreender melhor o movimento entre as duas dimensões: no valor da produção de literatura como formação de quem produz e valor de uso público das obras; e o movimento entre produção, publicação e divulgação mais ampla especialmente a impressa. Em outras palavras, a produção, circulação e socialização do que é produzido são momentos diferentes de um mesmo processo: a promoção da literatura em diversas esferas.
“Precisamos trabalhar com o horizonte onde todas as famílias Sem Terra tenham livros, organizem sua biblioteca, gostem de ler. Nossa Jornada Pelo Direito à Literatura está apenas começando. Temos muito chão pela frente. E o caminho se faz, caminhando!” concluiu Edgar Kolling.