“Se não tiver LGBT, não pode ser nossa revolução”
Por Yuri Simeon
Da Página do MST
Reunindo 56 militantes LGBT Sem Terra de 21 estados, entre mulheres e homens trans, travestis, bissexuais, lésbicas e gays, o XVIII Curso LGBT Sem Terra aconteceu na Escola Nacional Florestan Fernandes (ENFF), em Guararema (SP), com o objetivo de fortalecer a formação política, a auto-organização e o aprofundamento sobre a identidade LGBT Sem Terra.
Entre os dias 14 a 19 de outubro os debates do encontro aprofundaram a compreensão da luta LGBT no campo, com a mesa “Luta LGBTI+ em tempos de resistência, avanços e retrocessos” como parte do encerramento do curso. De acordo com Alessandro Mariano, da Direção Nacional do MST pelo coletivo LGBT Sem Terra, o curso se propõe ao “desafio de trabalhar identidades, mas também pensar como classe”.
Desafios da conjuntura
Renan Lira, do Coletivo LGBT Comunista e do Partido Comunista Brasileiro (PCB), aponta uma conjuntura difícil para o povo brasileiro e a população LGBT. “Um primeiro ponto é a reforma da Previdência, que vai fazer com que se desmonte o sistema previdenciário brasileiro. A previdência já é algo distante para nós LGBT’s, pensando nossa expectativa média de vida e a dificuldade em conseguir um emprego formal, principalmente para a população travesti e trans. A possibilidade de termos acesso a previdência é muito pouca”.
Para ele, as privatizações de nossas estatais e serviços públicos, os cortes de conselhos e entidades representativas, o desmonte das políticas de combate ao HIV e o pacote anti-crime de Sérgio Moro, Ministro da Justiça, são retrocessos para todo o povo brasileiro, mas com especificidades para a população LGBT.
“Com o pacote anti-crime do Moro, o policial não vai ter mais que provar que estava agindo em legítima defesa. Ele matou alguém, entende-se de pronto que é legítima defesa. Para além disso, a prisão aparece como centro resolutivo das questões da população em geral. O cárcere se torna o espaço de resposta para todas as ações. Um grande ataque para a população LGBT, que já é assassinada diariamente e no cárcere é uma das mais vilipendiadas”, explica.
Resistência e enfrentamento
Lam Matos, coordenador nacional do Instituto Brasileiro de Transmasculinidade (IBRAT), se apresenta como “trans, indígena e da periferia de Brasília”. Ele descreve ter receio do momento que vivemos hoje. “A sensação que dá é que está aberta a temporada de caça. Tudo que ele [Bolsonaro] diz legitima o aumento das opressões na rua”.
Lam aponta a necessidade da resistência e seu fortalecimento diante de uma conjuntura mais acirrada. “Vemos a resistência quando entramos no combate. Aprendemos a não ter medo. Posso apanhar, mas vou apanhar com dignidade, não vou ficar calado. Resistência é quando você não abaixa sua cabeça para o inimigo”.
Para ele, um primeiro desafio é articular, organizar e unificar as diversos sujeitos e organizações que estão na luta LGBT. “Estou começando a sentir que ele [Bolsonaro] é um e nós não somos poucos, só estamos separados, mas estamos nos juntando”.
Mas também pondera sobre os desafios de estarmos vivendo o avanço de “um processo repressivo, com o aumento da violência e o incentivo da posse de armas”. Uma forma de se fortalecer diante deste quadro é romper o discurso de ódio contra a população LGBT.
“A gente precisa ver o outro. Para começar a se juntar, se fortalecer. Fazer nascer a empatia no outro. &”39;Descoisificar&”39; os corpos. O que acontece para a população LGBT, principalmente a população trans, é ter um corpo não aceito pela sociedade. Esta normatividade imposta à 7 bilhões de pessoas não faz sentido, quando temos 7 bilhões de possibilidades”.
LGBT Sem Terra rumo à revolução
Erivan Hilário é do coletivo LGBT e do setor de Educação do MST. Ele descreve que a luta LGBT como bandeira do MST é algo recente e foi possível graças a ousadia de muitos LGBT’s na convivência dentro do Movimento, ocupando diferentes espaços.
“Não aceitando voltar para o armário e rompendo as cercas. Isso é resistência ativa. É não abaixar a cabeça. Devemos fortalecer nossos conhecimentos para transformar a sociedade”, descreve.
Para ele, o movimento LGBT não pode abrir mão da formação. A formação deve ser “um instrumento para qualificar a ação e a forma como falamos com nossos pares. E a educação não é só pelo discurso, é pela convivência”.
Nessa mesma linha, ele afirma ser necessário “nos desafiarmos a sermos também produtores de conhecimento. Só conhecemos hoje a história da população trans porque a população trans decidiu que contaria sua própria história”.
Erivan explica que “devemos ir para além de nossos espaços. Dialogar para além dos nossos territórios”. Segundo ele, compreendendo que vivemos uma derrota ideológica, “precisamos pensar [para o movimento LGBT] uma organização de novo tipo a partir de demandas reais e concretas. Não queremos organizar as drags só para elas performarem. Querendo organizar as drags para que elas façam a revolução”.
Sem LGBT’s não há revolução
Apesar de, como destacado na mesa, o maior desafio para a população LGBT seja se manter viva, é imprescindível pensar este sujeito na construção de um processo de transformação social. Hilário destaca o desafio de “discutir com as LGBT’s a necessidade da construção da revolução. Se não tiver LGBT, não pode ser nossa revolução”.
Segundo ele, devemos pensar novas formas de se organizar, enquanto LGBT’s, para enfrentar o tempo histórico que vivemos. “O movimento LGBT significa uma série de ações, articulações, organizações que surgem em crescem no Brasil todo. Mas precisamos avançar, pois ainda é muito fragmentado. Precisamos entender como é a composição deste movimento LGBT. Sabendo que a maioria são ‘bichas’ negras e da periferia”.