Resistência Negra no Armazém do Campo
Por Fernanda Alcântara
Da Página do MST
Dona Isabel que história é essa?
Dona Isabel que história é essa?
de ter feito abolição?
De ser princesa boazinha que libertou a escravidão
To cansado de conversa
to cansado de ilusão
Abolição se fez com sangue
Que inundava este país
Que o negro transformou em luta
Cansado de ser infeliz
O trecho foi entoado por Jessy Dayane, da coordenação nacional do Levante Popular da Juventude, em um resgate histórico sobre as bases da escravidão no debate “Resistência Negra”, realizado no Armazém do Campo-SP nesta terça (19), véspera do Dia da Consciência Negra.
Além de Jessy, participaram do debate com a jornalista Bianca Santana, da Coalizão Negra Por Direitos, e Preta Ferreira, ativista do MSTC. Elas ressaltaram temas ligados à luta por direitos, as resistências e desafios para raciais no Brasil e a importância do debate sobre o encarceramento em massa da população negra.
Jessy Dayane começou sua fala trazendo alguns dados sobre a violência no Brasil, sobre o sistema penal e a naturalização da tortura física e psicológica dos negros. “Esta violência [contra a população negra] tem as bases na escravidão e estruturou a economia, a política, a cultura. Por isso, quando falamos que o racismo é estrutural na sociedade, estamos falando que a degradação da pessoa humana vem desta raiz escravocrata”.
A questão dos negros na Universidade também foi um ponto levantado por Jessy, que apontou a educação como uma das medidas para enfrentar as opressões do “patriarcado, do capitalismo e do racismo”, principalmente no acesso à universidade. “A partir do momento em que conseguimos ter acesso à universidade, vemos crescer o número de pesquisas sobre como vive o povo negro, seus desafios”.
“Cumé que a gente fica?”
Bianca Santana ressaltou a luta pela alimentação saudável e a ligação pessoal com os produtos do campo, lembrando principalmente a luta das Comunidades Quilombolas, em especial àquelas prejudicadas pela entrega da base de Alcântara, no Rio Grande do Norte. “Este acordo vai contra todas estas comunidades que lutam pela água, pelas árvores, pela terra. Por isso é tão importante estarmos pautando sempre a este direito aos territórios”.
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Bianca também aproveitou a fala para ler um conhecido texto de Lélia Gonzalez (1935–1994), intelectual, professora, antropóloga e militante brasileira negra. Publicado como epígrafe de “Racismo e sexismo na cultura brasileira”, o texto ressalta as críticas que Lélia sobre o papel da interseccionalidade e a nossa missão de questionar o nosso lugar de falar e de ouvir.
“Nós buscamos todos os dias pela solução de problemas muito complexos, que não virão de bancos da universidades brancas. Estas respostas estão com a mulher negra, da Cidade Tiradentes, destes espaços. Por isso, precisamos abrir mais espaço na mesa e incluir todo mundo no debate”, afirmou Bianca.
Preta Ferreira trouxe para o debate a importância de pensarmos a representatividade negra com os exemplos positivos e pelas conquistas que o movimento negro tem tido durante os últimos anos.
“Temos que retratar a preta escritora, a preta publicitária, a preta advogada. Por que só agora, depois de 20 anos na luta, que o pessoal veio me conhecer e me rotular como “Preta que foi presa”? Alguns boatos diziam que eu tinha superior apenas para ter cela especial, mas eu me formei publicitária em 2012, porque eu sempre tive a consciência de que só a partir dos estudos que avançamos”.
A Educação emancipadora
A educação foi colocada em discussão após as falas das debatedoras, apontada como uma pauta importante para a conjuntura atual e a necessidade de debater este ponto para a discussão do encarceramento em massa. Jessy, do Levante da Juventude, ressaltou algumas diferenças entre a universidade pública e as especificidades regionais do Brasil.
“Avançamos muito na pauta da educação superior, e precisamos ressaltar sempre que é possível ser negra, ser pobre, e entrar numa universidade. A partir de um momento que temos um governo declaradamente racista, precisamos lembrar para todo mundo que é possível sim resistir a partir da educação”.
Para finalizar, as palestrantes retomaram a pauta sobre encarceramento da população jovem e negra fazendo uma comparação entre as diversas criminalizações da população negra, passando desde a proibição da Capoeira e do candomblé até a questão da “guerra às drogas” como apenas uma justificativa moderna destes tempos.
“O limite que chegamos é este pacote de medidas anticrime que, nada mais é, do que uma licença para matar preto e pobre, e entender que segurança pública é uma pauta nossa. Precisamos perder o medo de falar sobre a política de drogas”, lembrou Bianca Santana.
Preta Ferreira encerrou o debate falando sobre sua própria experiência com outras mulheres detidas que, em sua maioria, passam anos nas penitenciárias sem sequer terem sido julgadas. “Conheci uma mulher que estava presa há 5 anos sem ter havido julgamento. Outra, passou dois anos até ser inocentada, também sem julgamento. Eu mesma só saí por causa da pressão popular, mas quantas de nós está lá, quantas estão sendo presas neste exato momento? Eles estão acostumados com o nosso silêncio, e por isso vamos gritar”, concluiu.
Atividade cultural
Além do debate, que se estendeu noite adentro, o evento “Resistência Negra” contou ainda com atividades culturais no Armazém do Campo, com direito a apresentação do grupo Cobra Norato. Eles embalaram a noite com músicas sobre a cultura negra, resistência e a luta pela liverdade.
O público pode apreciar também o acarajé e o abará da Chef Paula Bandeira, que trouxe o sabor da Bahia para o Armazém do Campo de São Paulo em uma noite repleta de emoção e cultura.