Encerramento de Encontro Estadual do MST reúne mil pessoas no Norte do Paraná
Por Setor de Comunicação e Cultura do MST-PR
Da Página do MST
As terras vermelhas do acampamento Herdeiros da Luta de Porecatu, no norte do Paraná, receberam o Encontro Estadual da Coordenação do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), entre 4 e 7 de dezembro. As memórias da Revolta de Porecatu – dos anos 40 e 50 -, e da luta do povo Sem Terra contra o monocultivo da cana deram o tom da mística do Encontro, que reuniu mais de 400 militantes de todas as regiões do estado.
A manhã de sábado (7) coroou a aliança entre a militância camponesa do MST e as forças populares urbanas, com participação de cerca de mil pessoas, entre militantes de movimentos sociais, sindicais, professores e integrantes de partidos políticos. A Plenária Estadual de Conjuntura Política contou com palestra de João Pedro Stédile, da coordenação nacional do MST, e do economista e escritor Eduardo Moreira, já conhecido da comunidade por ter visitado os acampamentos e assentamentos da região no início deste ano.
“Vocês, tidos e vistos como problema para boa parte da sociedade, me ensinaram que são, na verdade, a solução”, garantiu Moreira, se referindo aos agricultores e agricultoras Sem Terra, pela forma como se organizam. Para o economista, a crise pela qual o Brasil atravessa é um momento oportuno para mostrar como funciona o capitalismo e apresentar outras soluções. “É quando a carne fica inviável pras pessoas comprarem que elas passam a se perguntar, ‘como é que a gente pode ter o maior rebanho de gado do mundo, e não conseguir comer carne?’”, exemplificou.
Para o economista, está em curso um plano para piorar as condições de vida da população, para que os brasileiros se submetam a trabalhos cada vez mais precarizados. Entre as justificativas para isso ocorrer está o fato de 80% da população ser pobre, enquanto os governantes são ricos. “Podemos não ter os canais de televisão, a Globo, o SBT, as principais rádios, o Estadão, a Folha. Mas temos a verdade, e a verdade é poderosíssima”, garantiu.
João Pedro Stédile apontou as contradições que fragilizam o governo Bolsonaro. Passado quase um ano de gestão, o mandato ultra-conservador não trouxe saídas para as necessidades materiais da população, em especial no que diz respeito ao acesso a emprego. Apesar de se apoiar nos militares, o presidente e seus filhos “batem continência” ao governo dos EUA. “Como é que eles [os militares] explicam que o papel do exército é defender a Nação, e o governo está entregando a Petrobras, a Eletrobras, as terras, as águas?”, questiona o dirigente do MST. Por outro lado, a promessa de acabar com a corrupção tem sido substituída por uma série de escândalos que envolvem a família e o PSL, partido pelo qual Bolsonaro se elegeu. Temos o recorde de presidente com pior avaliação em primeiro ano de mandato, resultado dos desgastes provocados pelas demais contradições.
Apesar de não faltarem motivos para protestos contra o governo, o coordenador do MST avalia que o desemprego e a carestia têm colocado a população brasileira de “cabeça baixa”. Stédile propõe atuação proativa dos militantes do MST e das demais organizações da esquerda: “Nós temos que transformar a insatisfação popular que há nas massas em mobilização. Cada um de nós tem que se transformar num agitador e incentivar o povo a se rebelar”.
Quando o assunto é a reforma agrária, o dirigente do MST aponta um recrudescimento que passa pela tomada do Incra pela União Democrática Ruralista. “Além de não fazer reforma agrária, eles então com um projeto que quer autorizar a venda de terras para capital estrangeiro”. Este quadro coloca a reforma agrária e a luta pela terra entre as lutas políticas do período, que dizem respeito à toda população.
A defesa da democracia também foi listada entre as pautas fundamentais, em especial diante das ameaças da volta de medidas como o Ato Institucional número 5 (AI-5), que fechou o Congresso e caracterizou-se como o período mais repressivo da Ditadura Militar. Como parte da luta por democracia, Stédile enfatiza a defesa da liberdade do ex-presidente Lula dos processos que ainda responde. Somente assim o líder poderá ser candidato em 2022. “O Lula, independente de sigla partidária, é o único líder popular. E líder popular não é o partido que escolhe o nome, é o povo. Então, não adianta a gente ficar inventando outros candidatos”, garantiu. Para o dirigente do MST, caso Lula seja eleito, “não pode ser mais um governo de coalizão”.
Na contramão da realidade vivida pela maior parte da população brasileira urbana e de baixa renda, as famílias Sem Terra encerram o encontro servindo almoço gratuito com churrasco a todos os participantes, graças ao trabalho coletivo na terra.
A atividade também contou com a presença dos deputados estaduais Professor Lemos e Arilson Chiarello (PT); Paulo Porto, vereador de Cascavel (PCdoB); Luiz Nicacio (PSC), ex-assessor de especial de Assuntos Fundiários do governo estadual; Hamilton Serighelli, atual presidente do Centro de Direitos Humanos e Memória Popular de Foz Iguaçu; e Paulo R. Czekalski, integrante do Fórum Regional das Organizações e Movimentos Sociais do Campo e da cidade do Sudoeste do Paraná.
Na tarde do dia anterior, o tema o encontro foi “Cuidando da Casa Comum”, sobre espiritualidade, desenvolvimento humano, regional e reforma agrária reuniu lideranças religiosas. Participaram da atividade Dom Geremias Steinmetz, Arcebispo de Londrina; Dom Manoel João Francisco, Bispo de Cornélio Procópio; Pastor Carlos Xavier, da Igreja Luterana do Brasil; Padre João Caruana, pároco em Sarandi; além do prefeito de Florestópolis, Nelson Correia Júnior.
Território de resistência
O acampamento Herdeiros da Luta de Porecatu comemorou 11 anos no dia 1º de novembro e faz parte de intensas e vitoriosas batalhas de famílias Sem Terra na região. A área faz parte Grupo Atalla, proprietário da Usina Central do Paraná e conhecido por acumular dívidas com a União e por ter sido flagrado com trabalhadores em situação análoga à escravidão, a partir de investigação do Grupo Especial de Fiscalização Móvel do Ministério do Trabalho e Emprego, do Ministério Público do Trabalho e da Polícia Federal.
“Quando a gente chegou aqui era tudo cana, não tinha um passarinho, não tinha vida”, relembra Claudia Feltrin, integrante da coordenação do acampamento e da direção estadual do MST, que participa do acampamento desde o início da organização. Emocionada, a agricultora relata o esforço coletivo e continuado para criar uma verdadeira cidade com as 250 famílias moradoras, onde antes só havia cana e trabalho degradante e desumano.
“É gratificante ver o quanto conseguimos transformar e produzir, seguindo os objetivos do Movimento. Nós criamos os bairros para dar unidade e avançar na nossa organicidade. Tudo funciona por dentro dos bairros, a saúde, a disciplina, os combinados. Tudo que é necessário para a família viver com dignidade”, conta, se referindo aos quatro bairros que compõem o acampamento.
Logo nos primeiros tempos em cima da terra, o acesso à educação para crianças e adolescentes começou a ganhar forma embaixo de árvores e em barracos de lona. Até que a Escola Itinerante Herdeiros da Luta de Porecatu foi inaugurada em 2013, com 10 salas de aula, refeitório, secretaria e biblioteca. As construções em madeira, com pintura colorida e murais estampando lutadores e lutadoras do povo, chama a atenção de quem chega ao lugar. Ali funcionam regularmente turmas dos anos iniciais aos anos finais para cerca de 200 crianças e adolescentes, além da alfabetização de adultos a partir do método cubano “Sim, eu Posso”.
Uma roça de mandioca de produção coletiva garante a autossustentação do acampamento. “Quando precisa capinar, limpar a roça, todo mundo tira aquele dia pra ajudar e fazer o mutirão”. A vida comunitária também se expressa nos momentos de lazer. Todos os sábados os quatro bairros organizam um bingo e uma confraternização para toda a comunidade.
Além do Herdeiros da Luta de Porecatu, a luta pela reforma agrária em área do Grupo Atalla se estende aos municípios de Centenário do Sul, onde está a comunidade Fidel Castro, e Florestópolis, estão localizados os acampamentos Zilda Arns e Manoel Jacinto. Ambos os territórios foram ocupados entre os anos de 2008 e 2010 – somando cerca de 11 mil hectares. As famílias seguem a resistência pela conquista definitiva da terra, em meio a onda de despejos executados no estado neste ano.
*Editado por Fernanda Alcântara