Dilma Rousseff: “O Brasil deveria ficar muito agradecido às mulheres corajosas e guerreiras do MST”
Os desmontes das políticas públicas de combate às violências e o momento delicado que o país vive com as revelações sobre a complexa relação entre a milícia, grupos paramilitares e o governo. Em entrevista durante sua passagem pelo I Encontro Nacional das Mulheres Sem Terra, neste sábado (7), a ex-presidenta Dilma Rousseff comentou sobre como essas e outras ações afetam, sobretudo, a vida das mulheres. Ela também falou sobre a coragem e a disposição para a luta das mulheres Sem Terra, em todas as frentes do movimento, na defesa da soberania e contra todas as formas de violência. Confira:
Neste momento estamos vivendo um período de consequências do pós golpe de 2016, da perda de direitos, do aumento do feminicídio, da pobreza, miséria e do desemprego. Para você, quais são as principais ações desse governo que impactam a vida das mulheres?
Quando há um aumento no feminicídio é porque toda a política de combate à violência contra a mulher, por ser mulher, foi desmontada. A Casa da Mulher Brasileira, por exemplo, que era um local de prevenção, apoio e acolhimento, quando já ocorrido um ato de violência, também foram sistematicamente destruídas.
As mulheres, que são mais da metade da população, são as mais prejudicadas. Toda perda de direitos de direitos impactou diretamente a vida das mulheres. Porque as mulheres é que tinham o protagonismo. Quando eles reduzem o Bolsa Família, por exemplo, atingem as mulheres primeiro. Nós reconhecíamos que a mulher tinha um papel fundamental dentro das famílias no Brasil e isso justificava que o cartão do Bolsa Família estivesse no nome da delas. Então, quando eles diminuem o Bolsa Família com manobras orçamentárias, a mulher e os filhos que são impactados. As crianças eram duplamente contempladas no Bolsa Família, pois tinham que ter uma frequência de 87% (na escola) e tinham que fazer as vacinas. As mulheres grávidas tinham de fazer ao menos três pré-natais. Ou seja, o impacto é total. Quando eles param de construir moradias para os segmentos mais pobres no campo e na cidade, o impacto também é maior para as mulheres pois, para nós, eram as que tinham prioridade na titularidade.
Há uma relação muito complexa quando um presidente passa a defender a violência, a desrespeitar as mulheres, publicamente. Falar o que ele falou para a deputada Maria do Rosário sobre estupro, temos um quadro de estímulo à violência contra as mulheres, ao aumento dos estupros e aos assassinatos de mulheres, por serem mulheres, e consideradas propriedades de um homem. Está se criando todo um ambiente de desrespeito às mulheres.
No caso do MST, que é um dos mais importantes movimentos sociais, temos as consequências sobre a perda de importância de algo que era para nós fundamental, que era o estímulo àquela agricultura que é responsável por 70% do que está na mesa do povo brasileiro, com qualidade, aproveitando de toda uma concepção agroecológica e sustentável.
Além disso, tudo o que afeta a nossa soberania, esse desrespeito com relação a Amazônia, com o meio ambiente, a perseguição às lideranças ambientalistas e indígenas, esse genocídio dos povos indígenas, que fica por isso mesmo, impune.
Ao mesmo tempo, as ameaças às nossas grandes empresas públicas, como a Petrobrás, Embraer, a ameaça aos nosso bancos públicos, que eles querem internacionalizar.
Temos um quadro terrível quando olhamos para a educação, não só por essa visão absolutamente retrógrada da escola sem partido, que na verdade é aquela escola que não pode esclarecer, formar quanto à questão da mulher e de gênero. Chamamos de gênero o fato de que nascemos no sexo feminino e masculino, mas depois tem a pele patriarcal que recobre as mulheres. É essa a discussão de gênero, é sobre essa pele que não nasceu conosco, mais que adquirimos. A escola sem partido é porque eles não querem deixar que fique clara essa condição. Ao mesmo tempo destroem as universidades públicas. Quando conversamos com as reitorias, elas descrevem o cenário desastroso de desmonte.
Além do fato do país ser subalterno à uma outra potência, que é os Estados Unidos. Essa subalternidade que leva o presidente a fazer continência para a bandeira americana e a ser completamente submisso ao Trump é algo que afeta a nossa autoestima e a visão que o mundo tem de nós.
É um absurdo a quantidade de mentiras e fake news que o presidente produz. Agora ele não pode dizer que não convocou um ato antidemocrático contra o Congresso e o Supremo. É um quadro em que o país descarrilou, depois do golpe e do impeachment sem crime de responsabilidade, prendendo o Lula e julgando-o com a Lava Jato, que hoje sabemos bem, inclusive mais ainda depois da divulgação da Vaza Jato pelo The Intercept, qual é a absoluta implosão da justiça do Brasil com o juiz Sérgio Moro, que condenou o presidente, favorecendo a eleição do Bolsonaro e acertando seu cargo de ministro da Justiça.
Esse é o país que vivemos e que só nos envergonha.
Mas nós, mulheres, somos gente de luta. Aqui, os movimentos sociais, as pessoas, nós temos de perceber que temos de reagir. Nós vamos reagir, tenho certeza disso. Já começamos esse processo, sabemos lutar. Sabemos que a luta não acaba ali e estamos dispostas a levá-la. E sei que estou do mesmo lado da trincheira que vocês estão.
A atual geração não vivenciou o período da ditadura de 1964 e hoje presenciamos o aumento gradativo de militares assumindo diferentes cargos na cúpula do governo. Na sua opinião, o que isso significa para a democracia e liberdade de expressão toda essa militarização, misoginia e machismo institucionalizados como programa político no país?
Eu acredito que estamos num momento muito delicado no Brasil. Isso porque a violência do governo, o fato dele utilizar como símbolo de campanha o sinal da arma mostra uma visão de sociedade. E mostra também uma visão de governo. Hoje, está cada dia mais clara a relação complexa entre os milicianos, os grupos paramilitares e o governo Bolsonaro. Aliás, é típico da extrema direita, dos neofascistas, ter essa relação umbilical com a questão da violência e utilizá-la como uma forma de fazer política. A criminalização dos movimentos sociais, a perseguição de lideranças, a discussão sistemática a respeito da necessidade de armar a população, na verdade é uma defesa da indústria de armamentos. Aliás, acho que a marginalidade econômica desse governo é total. E não é só em termos de milícia. Agora estão dizendo que é em termos do jogo e que o presidente foi para os Estados Unidos para negociar com os grandes cassinos.
O que fica claro, no mundo, é que há uma relação estreita entre violência, paramilitarismo miliciano, no caso do Brasil, e os movimentos de direita. Você vê isso nos EUA quando a associação dos rifles apoia sempre políticos de extrema direita. Os cassinos, o jogo, toda essa atividade que encobre a transgressão também apoia a extrema direta.
Então, é estarrecedor que as Forças Armadas, que é uma instituição permanente do estado brasileiro, aceitem esse papel de ‘pião’ no governo do Bolsonaro. As Forças Armadas representam a nação, o estado, a defesa da soberania, não podem concordam com isso. É estarrecedor que tenha mais militar no Palácio no Planalto do que teve durante a ditadura militar, que tinha quadros civis importantes no mesmo Palácio. E eu não acredito que essa seja a visão das Forças Armadas sobre o Brasil.
Na sua trajetória como militante, como primeira presidenta do Brasil e por todas as consequências misóginas do golpe, você enfrentou momentos de violências também por ser uma mulher. Qual mensagem gostaria de deixar para as mulheres camponesas sem terra, que também enfrentam violências de gênero, cotidianamente?
Nós, mulheres, somos sobretudo mulheres de luta. Nós sempre lutamos na vida privada, mas além disso, acredito que temos duas palavras que mostram o papel das mulheres do MST. A primeira é capacidade de luta neste movimento, que é o maior movimento social do Brasil. A força das mulheres dentro do MST. Eu vi as mulheres do MST ocupando todas as atividades. Eu vi as mulheres do MST trabalhando na agricultura, produzindo a agroindústria local, na liderança política da luta. Eu sempre me senti segura quando as mulheres do MST faziam a segurança. Então, essa capacidade das mulheres de se empoderarem e terem espaço para se transformarem em grandes lideranças dentro do MST sempre vai me comover. Deixo, primeiro o meu humilde reconhecimento disso. Em segundo lugar, o que eu sinto quando encontro as mulheres do MST é sororidade. Essa imensa relação que combina várias coisas, cooperação, auto- identificação, capacidade de defender e de levar à frente a luta da mulher contra a violência e pelo direito social, em defesa da soberania e a compreensão do caráter patriarcal da nossa sociedade e da misoginia. Essa amplitude que a sororidade das mulheres do MST representa. Acho que o Brasil deveria ficar muito agradecido às mulheres corajosas e guerreiras do MST. Eu só tenho elogios e homenageio as mulheres do MST.