Com enxada nas mãos, Maria não tem medo de fome e nem de bala
Por Mariana Castro
Da Página do MST
Fome, miséria e mortes marcam a história de secas no Ceará, história que se confunde com a vida de muitas Marias que ali lutaram por sobrevivência desde crianças.
Maria Lima nasceu em março de 1938 em Aratuba, na Serra do Baturité. De família grande e pobre, aos oito anos de idade já arava um pedacinho de terra herdada pela avó. Sem demora a família cresceu mais do que a terra poderia acolher e passaram a viver “bolando de lá pra cá” em busca de uma vida melhor. “Meu pai ganhava o de comer, mas antes de sair ele já deixava as enxadinhas tudo batida. Eram dois irmãos e sete irmãs, cada um com sua enxadinha. A gente já trabalhava na terra do patrão, mas tinha que dar uma renda medonha”.
Tomando caldo de cará nas terras dos patrões, a fome não saciava e o trabalho nunca acabava. Casada e com filhos para criar, a oração era o único alento de Maria, que aos poucos foi se aproximando de pastorais da igreja católica dedicadas à Teologia da Libertação – e essa foi a sua libertação. Entre uma leitura bíblica e outra, se forjava ali um ambiente de luta. “Dentro das fazendas a gente rezava de canto em canto. Nesse trabalho de formiguinha a gente ia dando consciência que a terra é de Deus, então é nossa também”.
Em 1977 ela se torna coordenadora da Pastoral da Terra (CPT) e assume o trabalho de base nas fazendas da região. “Eu ia com as irmãs com a leitura do Êxodo, que fala da terra prometida. Quando a gente começou a cantar aquele canto: o nosso direito vem, aí eles ficaram preocupados, mas apareceu gente de todo canto para ajudar. Vieram irmãs, padres e os fazendeiro se assustaram. Mandaram proibir a entrada de outras pessoas, fecharam os portões, mas eu fiquei lá nas fazendas fazendo a celebração”.
Maria recorda que nessas andanças, a morte de duas crianças marcou sua decisão de luta pela terra. “Fiquei muito revoltada quando duas crianças morreram de fome na fazenda dos nossos patrão. Elas tiravam leite para mandar para Fortaleza. Foi isso aí que me deu força e também fez crescer a luta. Cada vez mais pessoas vinham e nos ajudaram e eu vi que a gente tinha se organizar mesmo”.
Nessa época “falavam de um menino que tinha cinco anos” lá no Sul, Maria não sabia, mas era o MST, que ainda dava seus primeiros passos. Somente em 1984 ela conhece o MST, com o apoio da CPT e participou do I Encontro Nacional. A partir daí ganha mais força o diálogo pela necessidade de ocupar terras improdutivas no Ceará e em 1989 chega o grande momento – a primeira ocupação do Ceará, no município de Madalena, sertão central do estado.
“Batizamos de 25 de Maio, que foi o dia que chegamos, às duas horas da madrugada. Fui com minha filha, que ainda carregava criança pequena. Chegamos igual um magote de abelha assanhada abrindo a mata, gritamos Terra Livre! Terra de Deus é terra nossa! Armamos bandeira e fizemos festa perto dela até o dia amanhecer. Lá pelas nove horas começou a chegar gente, alimento, ajuda de todo jeito. Aquilo foi bonito demais”, conta com alegria.
Depois da ocupação, Maria segue realizando o trabalho de base até os dias de hoje. “Tem noite que eu perco o sono, minha mente dá uma volta no passado e lembro de tanta ocupação, de tanta luta. Sou feliz demais que nunca me corrompi, nunca caí em politicagem. E esse é o nosso compromisso: enquanto houver trabalhador sem terra e sem moradia, lá nós vamos estar”.
Com emoção, Maria declara que participar do I Encontro Nacional das Mulheres Sem Terra reforça a fé de que a luta não vai acabar. “Quero que todos continuem na luta. Eu conheço a palavra de Deus e sei que o MST é uma luta do povo de Deus por uma vida mais justa, que resgata aqueles que estão oprimidos pelos patrões como eu tive um dia. Não se corrompam, não se vendam. Sigam com fé e coragem!”