Representantes de vários países participam do Encontro Nacional das Mulheres Sem Terra
Por Florence Poznanski
Além da participação massiva de 3.500 mulheres do MST, que se deslocaram de todas as regiões do Brasil, o primeiro Encontro Nacional das Mulheres Sem Terra do MST, reuniu uma delegação de organizações internacionais, com mais de 30 mulheres oriundas de 14 países.
As maiores delegações presentes foram as sul-americanas e do Caribe (Argentina, Equador, Venezuela, Porto Rico, Chile, Uruguay) mas também participaram mulheres dos Estados Unidos. Estiveram presentes ainda delegadas da África do Sul, França, Canadá, Suécia e Espanha.
Ao todo, representantes de quatro continentes prestigiaram o encontro, oriundas de organizações camponesas e de agroecologia, bem como organizações de base, redes feministas, partidos políticos e comitês de amigos do MST.
“O MST tem o internacionalismo nos seus princípios fundamentais. Temos clareza que a construção do socialismo só pode acontecer a partir de uma construção internacional de forças”, explica a integrante da direção nacional do MST e responsável do coletivo de relações internacionais, Cassia Bechara. Ela coordenou a delegação e explica como a presença dessas dirigentes foi importante para proporcionar a convivência e fortalecer a luta entre essas mulheres. “Isso nos fortalece ambas, seja nosso movimento quanto essas organizações irmãs. Fortalece o sentimento internacionalista da unidade da classe trabalhadora. Nós mulheres trabalhadoras enquanto classe, independentemente do lugar onde vivemos e de nossas diferenças culturais, temos elementos que nos unem profundamente: o ser mulher, o ser trabalhadora”, ressalta Cassia.
A presença de Botho Portia Bopalamo, membro da direção nacional do Partido Socialista Revolucionário dos Trabalhadores da África do Sul (SRWP) é prova disso. O lançamento do novo partido aconteceu em abril de 2019, com participação de representantes políticos brasileiros do campo popular. Com o lema “Igualdade, trabalho e terra”, o partido também acompanha as atividades da Assembleia Internacional dos Povos.
Solidariedade e construção de redes
Esse fortalecimento mútuo entre organizações de vários continentes é importante também para a representante da organização porto-riquenha Boricuá, Magha Garicia Medina que defende há 30 anos a agricultura ecológica. Uma de suas principais lutas é a denúncia das práticas criminais de multinacionais como a Monsanto na privatização das sementes, uso de agrotóxicos e experimentações farmacêuticas.
Porto Rico, onde Magda vive é uma das últimas colônias do continente. Depois de se livrar da ocupação espanhola se tornou colônia dos Estados Unidos desde 1898 e não tem autonomia política nem econômica, vivendo sob controle integral dos Estados Unidos.
Desde 2013, a Boricuá é membro da CLOC – Via Campesina, a coordenadora latino-americana das organizações do campo que reúne 84 organizações de 18 países da América do Sul e do Caribe. Para Magha “as ações continentais da CLOC nos ajudaram a colocar Porto Rico no mapa. Ainda sofremos do colonialismo de Estado e nossa independência, que ainda tardia, passa pela organização popular em defesa da soberania alimentar e a posse da terra”. Além do apoio a Porto Rico, o encontro ressaltou sua solidariedade à Revolução Bolivariana de Venezuela e à resistência do povo de Palestina.
Desse internacionalismo nascem também sementes nos outros continentes. Um deles é a semente que a norte-americana Rosalinda Guillen plantou a quase 20 anos, quando voltou de uma atividade sobre questões campesinas no Fórum Social Mundial de Porto Alegre, em 2001.
As experiências vividas ao lado do MST e de outras organizações campesinas brasileiras durante essa viagem a levaram a criar em Washington a Community to Community (C2C), que organiza movimentos campesinos em defesa de seus direitos sobre questões agrárias, que se integra a luta de classe, com foco também contra as discriminações raciais, de gêneros e xenofobia, envolvendo os trabalhadores do campo. “Entender os processos participativos no Brasil, as metodologias do trabalho de base que o MST utiliza para fortalecer a atuação das lideranças, partindo da própria comunidade foi inspirador para mim”, afirma Rosalinda que trouxe desta vez boa parte das membras de sua organização para vivenciar o encontro de mulheres do MST.
Como Rosalinda, a maioria das delegadas internacionais ressaltou o quanto estavam impressionadas pelo nível de organização do MST, a coesão entre as militantes e sua capacidade em unir a luta com arte e poesia.
Internacionalismo feminista
Mais do que tudo, o feminismo tem o internacionalismo na sua essência. Mesmo com níveis de opressão distintos, o patriarcado como o capitalismo oprimem as mulheres trabalhadoras em todos os países. “Estar juntas para debater, para trocar experiências, para falar dos nossos limites e desafios enquanto mulheres lutadoras é fundamental. A concepção do feminismo camponês e popular, é uma construção da CLOC-Via Campesina e nasceu internacional”, lembra Cassia.
Tudo isso também é muito forte para Rosario Vega e Mariana Díaz Valentín, ambas membro do coletivo nacional feminista do MNCI-Somos Tierra na Argentina, o movimento nacional Campesino Indígena – Somos Tierra também integra a CLOC e a Via Campesina.
“Entendemos o feminismo como algo que atravessa nossa organização como um todo. Não é algo restrito às mulheres. Temos que discutir conjuntamente as questões do patriarcado, as questões de sexualidade, do trabalho e também de saúde, entre outras”, comentam Rosario e Mariana, animadas e felizes de ter participado do encontro.
Elas também aproveitaram para deixar o convite para o próximo encontro de mulheres campesinas que o MNCI-Somos Tierra irá organizar na Argentina em alguns meses. E é assim, cheia de solidariedade internacional e determinação que a onda do feminismo cresce em todos os continentes.
*Edição: Solange Engelmann