Bispo presenteia Vigília de Cascavel com crucifixo entregue pelo Papa Francisco
Por Setor de Comunicação e Cultura do MST no Paraná
A mobilização de famílias Sem Terra contra os despejos no Paraná recebeu um reforço de peso da Igreja Católica. Nesta segunda-feira (16), Dom Manoel João Francisco, Bispo de Cornélio Procópio (PR), visitou a Vigília Resistência Camponesa: por Terra, Vida e Dignidade, em Cascavel, que denuncia as ameaças de despejo de comunidades rurais no estado.
O religioso, que preside a Comissão Episcopal Pastoral para o Ecumenismo e Diálogo Inter-Religioso da Conferência Nacional dos Bispos (CNBB), esteve acompanhado de outros dez religiosos, entre padres e irmãs.
Após almoçar com famílias em risco, o Bispo celebrou uma missa para as mais de 100 pessoas presentes no local, entre acampadas e assentadas na região. Durante a cerimônia, o religioso presenteou a comunidade com uma réplica do crucifixo usado pelo Papa Francisco, recebida das mãos do pontífice durante uma visita de 22 Bispos paranaenses ao Vaticano, em fevereiro deste ano.
“Ele [o Papa] nos deu várias cópias dessa cruz, e eu trouxe uma para esse acampamento para dizer que o Papa também está unido, como ele disse, ‘rezando pelos nossos fiéis’”, explicou Dom Manoel. O bispo relembrou a frase dita pelo pontífice em um evento na Bolívia, em 2015, e escrita na placa fixada na entrada da Vigília: “Nenhum trabalhador sem direitos, nenhuma família sem casa, nenhum camponês sem terra”.
Conhecido no ambiente religioso como “cruz peitoral do Papa”, o crucifixo é o mesmo utilizado quando o pontífice era Bispo de Buenos Aires, na Argentina. A cruz prateada traz a imagem do Bom Pastor com ovelhas nos ombros e guiado pelo Espírito Santo.
Para agradecer a presença do Bispo, as pessoas acampadas e assentadas na região o presentearam com uma cesta de alimentos orgânicos, produzidos nas próprias comunidades. “Esse é o carinho nosso, das famílias Sem Terra e do MST, pela sua presença entre nós”, explicou o integrante da direção do MST e coordenação da Vigília, Celso Ribeiro Barbosa. As frutas, grãos e legumes haviam sido trazidas para uma cesta em frente ao altar por crianças das comunidades, durante a celebração do “momento do ofertório”.
O Bispo conduziu o ato de encerramento do dia de mobilizações na Vigília, feito no espaço central do local. “Nós estamos aqui para mostrar a nossa solidariedade e mostrar que estamos unidos. Se em momentos mais fortes precisarem da nossa presença, convoquem-nos que nós viremos junto com vocês para a luta”, garantiu.
Também estiveram presentes na celebração o coordenador regional da Comissão Pastoral da Terra (CPT) do Paraná, Padre Dirceu Luiz Fumagalli; Padre da paróquia Santa Cruz, de Cascavel, Divo de Conto; Padre da Paróquia Santa Luzia de Cascavel, Gustavo Marmentini; Reverendo da Igreja Anglicana de Cascavel, Luiz Carlos Gabas; Padre Paróquia São Judas Tadeu, de Quinta do Sol, José Carlos Krauser, o Padre e representante do do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), Diego Pelizzari, a integrante da CPT, Isabel Diniz, além de religiosas e integrantes de grupos de oração.
Resistência em tempos de retrocesso
“Sinto de uma parte das autoridades uma resistência muito forte aos direitos dos pobres. A começar pelo nosso presidente, mas também de outras autoridades. Eles precisam mudar de pensamento, de mentalidade, de atitude”, disparou o Bispo, se referindo ao governo federal e ao estadual.
Para o padre e integrante da CPT, Dirceu Luiz Fumagalli, o contexto nacional de acirramento da violência contra povos originários, tradicionais e Sem Terra se repete em âmbito estadual. “O Paraná ocupa um cenário de um dos estados mais violentos da luta pela terra. Em 2009, o Paraná com certeza ficará em segundo ou terceiro lugar como estado mais violento contra o povo do campo”, prevê, considerando dados levantados pela Comissão.
Na avaliação de Fumegalli, a Vigília alerta sobre o avanço da violência contra a população empobrecida, em diferentes contextos: “Não é uma coisa isolada, é uma política orquestrada, e infelizmente o governo do Paraná também está na mesma sintonia”.
Já a integrante da CPT, Isabel Diniz, afirmou que a visita do grupo à Vigília é um sinal à sociedade paranaense, aos órgãos governamentais, e especialmente ao governador Ratinho Junior, de que é precisa retomar a pauta do assentamento das famílias Sem Terra: “precisamos criar uma pauta positiva, sanar, fazer avançar o trabalho das comissões, dos acordos já estabelecidos”. Ao prestar seu apoio ela disse, que se coloca ao lado das famílias: “queremos que vocês se sintam acolhidos, apoiados. Nós nos somamos nos seus sonhos, nas suas esperanças e nas suas lutas”, pontuou.
Dois padres de Cascavel participaram da missa celebrada na Vigília, Padre Divo de Conto, da paróquia Santa Cruz, e Padre Gustavo Marmentini, da Paróquia Santa Luzia e o pároco da capela São Sebastião, localizada na comunidade Resistência Camponesa, uma das que vivem o risco de reintegração de posse. “A nossa luta é em favor da dignidade dessas famílias. Queremos, como igreja, ajudar a sociedade, sobretudo o governo do estado, a encontrar uma solução digna para essas famílias”, disse o Padre Divo.
O padre José Carlos Krauser, de Quinta do Sol, se solidarizou à mobilização pelo fim dos despejos: “peço a Deus que dê sempre essa força para que nunca desanimemos nessa caminhada”.
Padre Fumagalli vê no apoio às famílias, sob risco de despejo, uma atitude relacionada à Campanha da Fraternidade da igreja católica deste ano, que traz como tema “Fraternidade e vida: dom e compromisso”, acompanhado do lema “Viu, sentiu compaixão e cuidou dele” (Lc 10, 33-34). É preciso “provocar a solidariedade e a compaixão em defesa da vida”, disse o Padre.
Em defesa das famílias acampadas no Paraná
Cascavel tem 212 famílias moradoras de três comunidades diretamente ameaçadas de perderem suas casas, locais de produção e de convivência: Resistência Camponesa, 1º de Agosto e Dorcelina Folador. Ao todo são 800 pessoas, entre elas pelo menos 250 crianças. Os acampamentos existem há cerca de 20 anos e estão consolidados, com moradias, igrejas, espaços de lazer e áreas de produção.
A ordem de reintegração de posse chegou em dezembro do ano passado e trouxe preocupação para o período de festas de final de ano dos agricultores e agricultoras. Como reação, as famílias iniciaram a Vigília Resistência Camponesa no dia 28 de dezembro de 2019, às margens da BR 277, no KM 557, com ações diárias entre 10h e 15h.
Com 82 dias de mobilização permanente, a Vigília ampliou seu objetivo e passou a reivindicar, divulgar e cobrar o direito à terra e à moradia para as mais de 7 mil famílias acampadas no Paraná, em cerca de 80 ocupações rurais.
Em 2019, primeiro ano da gestão do governador do Paraná, Ratinho Junior, 9 comunidades foram despejadas, deixando mais de 500 famílias desamparadas. Este cenário de violência gerou reações dos Bispos paranaenses em favor dos camponeses Sem Terra. Os religiosos enviaram duas notas ao Governo Estadual e autoridades públicas, demonstrando preocupação com as reintegrações e ameaças no campo. Também estiveram reunidos com o próprio governador do estado, pedindo diálogo e tratamento digno às famílias acampadas.
*Edição: Solange Engelmann