Governantes têm “coração de pedra” e precisam tornar-se mais humanos, diz Bispo do Paraná
Por Setor de Comunicação do MST-PR
Da Página do MST
Menos de um mês após ter visitado o Papa Francisco, em Roma, Dom Manoel João Francisco, Bispo de Cornélio Procópio (PR), esteve na Vigília Resistência Camponesa: por Terra, Vida e Dignidade, às margens da BR 277, em Cascavel. A visita às famílias ameaçadas de despejo aconteceu nesta segunda-feira (16), quando o Bispo celebrou uma missa acompanhado de pelo menos 10 religiosos, entre padres e freiras.
Dom Manoel presenteou a comunidade com uma réplica do crucifixo usado pelo Papa Francisco, recebida das mãos do pontífice. “Ele [o Papa] nos deu várias cópias dessa cruz, e eu trouxe uma para esse acampamento para dizer que o Papa também está unido, como ele disse, ‘rezando pelos nossos fiéis’”, explicou o religioso.
Para o Bispo, tanto o governo federal quando o estadual têm “uma resistência muito forte aos direitos dos pobres”. “Acho que eles precisam mudar de pensamento, de mentalidade, de atitude”, diz.
Agricultores e a agricultoras integrantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) iniciaram a Vigília no dia 28 de dezembro de 2019, para denunciar as ameaças de despejo dos acampamentos Resistência Camponesa, Dorcelina Folador e 1º de Agosto, localizados em Cascavel. As comunidades existem há cerca de 20 anos e estão consolidadas, com moradias, igrejas, espaços de lazer e diversidade de produção de alimentos. A mobilização também é em defesa das 7 mil famílias acampadas no Paraná.
Confira a entrevista concedida logo após a visita:
Qual foi a sua impressão a partir dessa visita à Vigília Resistência Camponesa?
Eu cheguei aqui no acampamento Resistência Camponesa já estava passando de meio-dia, e agora são 4 horas e tanto. Foram 4 horas de muito alegria, satisfação pela receptividade de todas as pessoas para comigo e toda equipe que veio comigo. E vi também muita satisfação de todo grupo que estava aqui, estavam felizes e transmitiram felicidades para nós. Eu saio daqui alegre, contente, sabendo que existem pessoas entusiasmadas, cheias de ideais, pessoas que querem lutar, defendendo seus direitos e os direitos dos outros, porque não basta defender os próprios direitos. Os nossos direitos só serão defendido e respeitado na medida que os direitos dos outros também forem respeitados. As pessoas que aqui estão aqui têm consciência disso, que é uma luta coletiva, comunitária e que também parte da fé, porque eu vi que a maioria das pessoas são cristãs, são católicas, alguns de outras igrejas, e que têm sua inspiração na palavra de Deus. Com essa inspiração todos estão empenhados e comprometidos mesmo na defesa dos próprios direitos e direito dos outros. Quando falo dos próprios direitos, não são os direitos das pessoas que aqui estão, nesse assentamento, mas existe comunhão com todos os outros que estão em luta também, de outros acampamentos, em outras situações. Se percebe essa consciência mais universal, e isso me dá realmente muita alegria, eu saio cheio de felicidade, contente, agradecendo a Deus que coloca no coração dessas pessoas esse entusiasmo, esse ideal e esse compromisso.
Como o senhor avalia o contexto que atravessamos hoje no Paraná e no Brasil?
Nós vivemos, no estado e no Brasil, um contexto em que os direitos das pessoas, direitos que já foram conquistados por muitas lutas, estão sendo solapados pelo próprio governo, o governo federal e também o governo estadual. As pessoas que conquistaram esse direito com tantas lutas, com até sangue derramado e agora estão vendo muitos desses direitos ameaçados ou até mesmo perdidos. Mas isso não pode nos desanimar. Nessa hora é que precisamos nos dar as mãos. Ninguém solta a mão de ninguém. Vamos para a luta defender o que já foi conquistado e tentar outros direitos que ainda não foram conseguidos. Para isso precisamos de muita luta, muita força, muita união. Inspirar-se na palavra do senhor nosso Deus, e contar com a graça dele também. Deus não falhará com a sua graça, na medida que nós formos para a luta e estivermos unidos.
Recentemente o senhor visitou o Papa. Como foi essa experiência?
Nós éramos 22 bispos do estado do Paraná fazer um processo que a gente chama de “Visita ad limina”, em que visitamos várias organizações da igreja lá em Roma. Entre essas visitas, visitamos o próprio Papa. Ficamos 3h10 exatos, de conversa muito agradável, leve e, ao mesmo tempo, muito proveitosa, profundas com o Papa. Conversamos sobre muitos assuntos. Eu pessoalmente, logo no primeiro comprimento, entreguei a ele duas cartas. Uma enviada pelas Comunidades Eclesiais de Base, e outra carta enviada por alunos de uma Escola de Fé e Política em Brasília. As duas cartas era de solidariedade, de apoio ao Papa, porque nós sabemos que o Papa naturalmente tem todos nós que o apoiamos, existe também um grupo pequeno, mas muito renhido, digamos assim, de oposição a ele. Ele sofre com isso, claro. Então ele precisa saber do nosso apoio, que nós estamos com ele. Essas duas cartas manifestavam isso. Depois ficamos essas 3h10 conversando, e a conversa fluiu com muita singeleza, muita naturalidade, nada formal, mas muito proveitosa e muito rica. No final ele disse ‘eu estou com vocês, eu rezo por vocês, eu rezo pelos fiéis das igrejas de vocês, mas peço que vocês também rezem por mim, que eu preciso’. Depois ele foi para a porta e nos comprimentou de novo, um por um, e nos deu uma pequena lembrança para cada um de nós.
Foi com essa lembrança que você presenteou hoje a comunidade?
Exato. A réplica da cruz peitoral que ele usa. Os Bispos normalmente usam uma cruz que chamamos ‘cruz peitoral’. O Papa Francisco, quando ficou Papa, não quis trocar de cruz. Ele, como Bispo de Buenos Aires, usava aquela cruz, e como Papa disse ‘essa é minha cruz e vou continuar com ela’. Então, ela é conhecida como “cruz do Papa Francisco”. E aí foram feitas réplicas daquela cruz. Então ele nos deu várias réplicas dessa cruz e eu trouxe uma aqui para esse acampamento para dizer que o Papa também está unido. Como ele disse ‘rezando pelos nossos fiéis’. Todos sabem que ele disse na Bolívia [em 2015] ‘nenhum trabalhador sem direito, nenhuma família sem casa e nenhum camponês sem terra para trabalhar’. O Papa é realmente uma pessoa comprometida, e em vários momentos ele já manifestou isso. Essa pequena cruz, ele nos deixou várias cópias e eu deixei uma aqui como sinal desse compromisso.
Que mensagem o senhor gostaria de enviar para as autoridades que têm papel decisivo nesse momento em que famílias estão em risco de despejo?
Eu gostaria de passar uma mensagem dizendo que estou rezando pela conversão delas, porque eu sinto da parte das autoridades uma resistência muito forte aos direitos dos pobres. A começar das declarações do então candidato e hoje presidente dizendo que não ia dar um palmo de terra para os sem-terra e para os quilombolas, e tantas outras declarações dele. Então, eu sinto uma resistência muito forte, a começar pelo presidente, mas também de outras autoridades. Acho que eles precisam mudar de pensamento, de mentalidade, de atitude. E isso, numa visão de fé, é conversão, graça de Deus. Quero dizer para todas as autoridades que estão nessa situação que eu estou rezando pela conversão, para que a graça do Senhor toque no coração deles, para que esse coração endurecido, de pedra, como diz o profeta Jeremias ‘que esse coração de pedra se torne coração humano’, coração de carne, coração que tenha sentimentos e seja capaz de se comover diante da dor, diante do sofrimento das pessoas mais pobres que estão aí buscando melhores condições de vida. Eu sinto muito que essas nossas autoridades estão como o coração empedernido, é preciso transformar esse coração de pedra em coração de carne, ou seja, ou seja, coração de gente, que tenha sentimentos, que tenha compaixão, que saiba se condoer com a dor do irmão, e também se alegrar com a alegria do irmão.
E que mensagem o senhor envia às famílias ameaçadas de despejo e que estão em vigília?
Para as famílias eu queria dizer força, gente! Coragem! Confiem e se deem as mãos e contem com a graça de Deus, porque quando as pessoas estão unidas Deus não falha. Onde dois ou mais estiverem reunidos em nome dele, ele estará no meio dessas pessoas. Se nós estivermos unidos, não nos dispersarmos, ele vai estar conosco. Vai caminhar conosco como caminhou com o povo de Israel no deserto, quando saíram do Egito, Deus estava junto àquele povo caminhando, com tem aquele canto que diz ‘o povo de Deus no deserto andava’, e Deus com eles andando pelo deserto. Deus continuar andando conosco, na medida em que nós estivermos unidos, de mãos dadas, buscando melhores condições de vida para todos nós.
E a luta pela terra continua, como uma causa que Jesus já havia defendido…
Antes de Jesus, os profetas. Moisés, a pedido do próprio Deus, já fez essa defesa, a luta pela terra. Porque o povo de Israel vivia como escravo no Egito. Como diz o texto bíblico, Deus olhou, viu, desceu e libertou o povo. Deus veio para morar no meio do povo e para libertar, através dos seus mensageiros. No caso do povo de Israel, o mensageiro foi Moisés. Deus se comove com o sofrimento dos seus filhos e filhas, e vem ajudar, como diz o texto bíblico, ele desce e caminha com o povo. É essa mensagem que eu queria deixa a esse povo em luta. Não desanimem, deem-se as mãos. Ninguém solte a mão de ninguém.