Edson Luís: para que jamais se esqueça, para que nunca mais aconteça!
Por Jailma Lopes e Renata Menezes*
Da Página do MST
Vivemos um momento inédito no mundo, principalmente para a juventude brasileira. O que parecia só ser possível em filmes, livros e histórias de guerra, saltam à nossa vista como realidade. Uma pandemia biológica ronda o mundo sem cura, ameaçando a todos e a tudo, especialmente, os pobres.
Esse início de século, no qual as promessas do neoliberalismo e da tecnologia pareciam inquestionáveis, convive com o perigo propagado pelo ar. As ruas necessitam ser esvaziadas, o trabalho precisa parar, a vida é confrontada e todas as doenças (contradições) desse modelo de sociedade, oriunda de um vírus anterior à Covid-19 vivem várias crises, sobretudo, em um país sem memória!
Segundo os dicionários, memória é a capacidade de lembrar “estados de consciência”, ou armazenar/guardar informações sobre experiências e a história. Marcas, como o abraço entre mãe e filho ou como a tortura ao corpo. A sua ausência pode interromper alternativas, atrasar rupturas, apagar crimes e também pode ajudar a eleger um presidente exaltador de uma ditadura empresarial-militar.
Apesar desse outro vírus, que busca apagar da memória os crimes da ditadura, tentando revivê-la como uma alternativa para as crises que estão se acumulando, em todos os amanheceres dos dias 28 de março, é de 1968 que lembramos, da voz e da luta do estudante secundarista Edson Luís, assassinado pela ditadura-empresarial-militar em um protesto contra o preço da comida no Restaurante Calabouço, no centro do Rio de Janeiro.
Em 1968, diversos acontecimentos políticos, econômicos e culturais, marcaram gerações em todo o mundo, principalmente os jovens. Na Europa e nos Estados Unidos, várias transformações políticas e culturais organizaram levantes estudantis e greves. Na África, vários países viveram anos de guerra em luta pela independência das colônias. Na América Latina, a Revolução Cubana era o farol da esperança e ameaça ao imperialismo e golpes em vários países, como no Brasil, endureciam regimes, atacavam direitos do povo e perseguiam as lutas.
No Brasil, desde 1964, as manifestações contra o regime já estavam sendo duramente reprimidas, com entidades estudantis fechadas e atuando na clandestinidade, como a União Nacional dos Estudantes (UNE) e a União Brasileira de Estudantes Secundaristas (UBES). Em 68, o Ato Institucional n°5 (AI-5), o mais duro golpe da ditadura, significou ainda mais endurecimento, demarcando anos de chumbo, que atacava a educação, a universidade, a ciência e a nossa soberania nacional.
Esse tempo, assassinou Edson Luís. O jovem saiu de Belém, no Pará, para estudar em uma escola técnica na capital carioca. Fazia “bicos”, se alimentava no restaurante universitário, pois como ainda é hoje, é a alternativa para quem é filho da classe trabalhadora e estudante. Em seus 18 anos, Edson representava o sonho e vida de muitos de nós, jovens, que saímos de nossas comunidades para enfrentar os desafios de permanecer em meio às adversidades. O preço que costumamos pagar é a saudade, a distância dos familiares, dos conhecidos, mas ficamos acompanhados do crescimento e diante das possibilidades da educação, dos saberes que encontramos e do que queremos construir. Infelizmente, para Edson e para tantos outros, esse preço foi a própria vida.
Para a ditadura, pouco importou se Edson era um militante engajado no movimento estudantil ou apenas um rapaz latino-americano, pobre, que veio perseguir um sonho em uma cidade tão longe. Ele era um estudante em um momento que estudar já estava sendo criminalizado, com a perseguição às entidades, aos estudantes, professores e militantes de oposição à ditadura. Ali, naquele fatídico dia, foi a solidariedade que permitiu que o sonho de Edson ecoasse como o sonho por uma educação livre e, principalmente, pelo direito de questionar.
Seu corpo foi carregado por diversas mãos, em passeata, até as escadarias da Assembleia Legislativa do Rio, onde fizeram o velório. Ao mesmo tempo, a indignação crescia. “Mataram um estudante. Podia ser seu filho” foi a síntese de um momento de comoção compartilhada, mas poderia ser a frase pichada no muro de muitas favelas brasileiras nos dias de hoje.
Já faz 52 anos do assassinato do jovem Edson. Em abril completará 24 anos do Massacre de Eldorado dos Carajás e do assassinato do jovem camponês Oziel Alves. Há cinco, em Osasco, mais uma chacina assassinou vários jovens negros e a cada 23 minutos um jovem negro é assassinado no Brasil. Fomos o último a “abolir a escravidão”, depois de anos de perseguição aos quilombos.
São muitas desmemórias… memórias não resolvidas, resistências que precisam ser escritas. São muitas lutadoras e lutadores do povo que precisamos forjar em luta, para romper o silêncio das noites e abrir caminhos de emancipação humana e de liberdade.
A despeito de todo ódio, autoritarismo e desmemória, o recado de Edson e de todos e todas que lutaram contra o regime militar, segue com a juventude brasileira nesse momento de quarentena, em casa, nas ocupações, nas periferias e assentamentos. Por isso, cantaremos o sonho, picharemos os muros, ocuparemos as ruas e construiremos, com toda criatividade necessária, trincheiras de livros, ideias e punhos cerrados, abrindo caminhos para um porvir de mulheres e homens livres de todas formas de opressão e exploração. A memória e a história de Edson Luís, do povo em luta, não forma covardes!
Aos exaltadores da ditadura e “organizadores da morte”, especialmente neste momento, não permitiremos que desrespeitem Edson Luís, nem o povo brasileiro. Aos que pedem a volta dos militares ao poder, ou desconhece a própria história ou foram privilegiados por ela e o autoritarismo. Temem, portanto, a liberdade, os saberes, a organização e o povo! Para aqueles que da desmemória são vítimas, nos cabe a paciência, a luta por educação e toda energia para fincar nos corações, mentes e na história, nossa memória e verdade. Para os demais, toda nossa intransigência, queiram ou não, cantaremos e lutaremos, para, como versou Milton Nascimento, ver “os/as meninos/as e o povo no poder, eu quero ver!”. Portanto hoje, mais do que nunca: Ditadura Nunca Mais!
EDSON LUÍS: PRESENTE, PRESENTE, PRESENTE!
AOS NOSSOS MORTOS, NENHUM MINUTO DE SILÊNCIO, MAS TODA UMA VIDA DE LUTA!
*Jailma Lopes e Renata Menezes são integrantes do Coletivo de Juventude do MST
**Editado por Maria Silva