Acampamento Marielle Vive, dois anos de luta e resistência

Nesse dia 14 o acampamento Marielle Vive! completa dois anos e dizemos aos negociantes da morte que não mais em nosso nome. Seguimos exigindo justiça por Marielle, Anderson, Seu Luis e todos os nossos que tombaram na luta

Por Kelvin Nicolas e Tassiana Barreto
Da Página do MST

Ainda era escuro quando faróis apontavam para tantos sonhos, na madrugada fria na qual ousamos romper as cercas que nos privavam do direito à terra e dignidade.

Bandeiras, enxadas e facões em riste e uma multidão de vozes que entoavam palavras de ordem, olhares despertos e calafrios no corpo com a força do pisar ligeiro.


Era a madrugada do dia 14 de abril de 2018 quando mais de 700  famílias do MST, ousaram ocupar e construir o Acampamento Marielle Vive! naquela jornada de luta do abril vermelho, exatamente um mês do assassinato brutal da vereadora Marielle Franco e Anderson Gomes, no Rio de Janeiro.


Nossa certeza era que aquela terra improdutiva destinada na cidade de Valinhos, São Paulo seria nosso novo lar.


Vivenciamos muita coisa desde então, todos os sábados as crianças que animam nossa ciranda infantil, unidas em um só grito “sem terrinha em ação, pra fazer revolução”, através delas pudemos ver em seus olhos o brilho do amanhã.


Mas também sofremos, em meio a tanto ódio dos nossos inimigos, golpes baixos e várias formas de perseguição. Nossas crianças foram tiradas do transporte escolar, nossas grávidas não tiveram direito de realizar pré-natal na cidade, não tínhamos abastecimento de água potável, vivemos com o medo e coerção de tiros em frente ao acampamento durante as madrugadas.


Além de tudo disso, convivemos com a insegurança de uma reintegração de posse que ronda nossas vidas, mas seguimos firmes e resistindo.


De todos esses golpes, o pior desses golpes foi a perda do companheiro Luis Ferreira, assassinado enquanto pedia água durante uma manifestação pacífica que distribuía alimentos agroecológicos e sementes.

Nossa resposta para tamanha violência foi a luta. Construímos a Escola Popular Luis Ferreira, que hoje é um espaço onde plantamos sonhos e tecemos a liberdade através do estudo e organização.


Todos os dias lembramos de Seu Luis e conquistaremos a terra para sua família viver como era seu sonho.


Ao longo dos dois anos foi possível consolidar os setores, espaços de vivência, laços de solidariedade e equidade, como a cozinha coletiva que desde o primeiro dia da ocupação serve todas as refeições diariamente para as famílias.


Construímos o coletivo de mulheres As Marielles, que desenvolvem artesanatos e produção de alimentos, construindo a independência financeira e a luta pela vida e contra o patriarcado.

Produzimos arte e cultura, com músicas, poemas, batucada, time de futebol, alfabetização de jovens e adultos, yoga, capoeira, aula de alemão, horta medicinal e também muito forró que nos faz esquecer um pouco as mazelas durante as noites culturais.

A luta nos ensina a não fugir dela, diria o eterno companheiro Egídio Brunetto, por isso, também aprendemos a manter a força gigantesca que possui a classe trabalhadora organizada.


Aprendemos o que é agroecologia e começamos a desenvolver essa produção no acampamento. Hoje temos uma bonita horta mandala que é símbolo do trabalho coletivo, do apoio de aliados e do compromisso das famílias com a alimentação saudável.


Nesse dia 14 de abril, o acampamento Marielle Vive! completa dois anos e dizemos aos negociantes da morte que não mais em nosso nome. Seguimos exigindo justiça por Marielle, Anderson, Seu Luis e todos os nossos que tombaram na luta. É com muito cuidado coletivo e isolamento social que celebraremos e lembraremos que é preciso resistir sem voltar para o armário ou ir para debaixo da cama.


Não permitiremos que nosso lar seja um caixão. Sabemos nosso caminho. E como dizia o Gonzaguinha: “eu vou no bloco dessa mocidade, que não tá na saudade e constrói, a manhã desejada”.

*Editado por Maura Silva