Solidariedade é símbolo de luta em memória do massacre de Eldorado dos Carajás
Por Suelyn da Luz
Da Página do MST
Esta é a semana da Jornada Nacional de Lutas em Defesa da Reforma Agrária. É o período de relembrar o Massacre de Eldorado do Carajás, ocorrido no dia 17 de abril de 1996.
A data também foi instituída pela Via Campesina como o Dia Internacional das Lutas Camponesas e, no Brasil, é o Dia Nacional de Luta pela Reforma Agrária.
Neste ano, durante a pandemia do coronavírus, a jornada exige mobilizações criativas. Polly Soares, do setor de frente de massas do MST no Pará, fala sobre o caráter organizativo das ações da Jornada de Lutas em tempos de isolamento social.
Além de descrever as atividades programadas para serem realizadas na curva do S, em Eldorado dos Carajás, ela destaca os desafios mais urgentes que a atual conjuntura impõe à luta pela terra no país. Confira a entrevista:
Neste momento, a luta pela terra tem tomado outro caráter. A orientação coletiva do MST é seguir as determinações da Organização Mundial da Saúde (OMS), respeitando o isolamento social para prevenir o contágio do novo coronavírus. O que muda na jornada em tempos de pandemia?
Nosso Abril Vermelho é uma jornada de lutas em que o MST busca organizar de forma mais massiva. Sejam ocupações de terra, seminários ou debates, sempre organizamos ações que envolvem a nossa base acampada e assentada, mas também um outro público. Temos as Jornadas Universitárias em Defesa da Reforma Agrária, as JURAs, que acontecem nas Universidades pelo Brasil, por exemplo. Com a pandemia do COVID-19, respeitando essas orientações da OMS, definimos que todas as nossas atividades de massas, ou seja, que tivessem o caráter de aglomeração, estariam suspensas. Mas buscamos outras formas de continuar em luta. Temos nos pautados em frentes de lutas internas, como no estímulo à alimentação saudável em nossas áreas, com a potencialização da nossa produção nas roças e nos quintais produtivos, por exemplo. Potencializar a produção de alimentos nesse momento é o entendimento de que a sociedade está passando por uma crise muito grave que, sobretudo, também é uma crise de escassez alimentar. Outra questão que buscamos é trazer a memória do Abril Vermelho como símbolo de luta. Estamos fazendo isso através dos instrumentos que podemos ter acesso pelo mundo virtual, das redes sociais, fazendo transmissões ao vivo em nossas páginas na internet, produzindo cards, programas de rádio, fazendo circular materiais textuais de estudo, também ocupando cada vez mais esse espaço.
O coronavírus paralisou o mundo, tem exposto as contradições do sistema capitalista e a destruição que o agronegócio impõe à todas as formas de vida. O lema da Via Campesina para este abril é “Fique em casa, mas não em silêncio”, chamando para mobilizações criativas. Quais ações neste abril unem os povos do campo, águas, florestas e das cidades?
A maior ação que tem nos unido enquanto classe trabalhadora, neste momento, é a solidariedade. Em vários estados do país estamos organizando doações de alimentos, frutos da reforma agrária, para comunidades carentes, hospitais, asilos. E, em alguns estados, também têm ocorrido a experiência das marmitas e cafés solidários, como no Armazém do Campo do Recife (PE) e de São Luís (MA). Essas atividades coletivas são ações de solidariedade àqueles que estão passando por um momento de muito mais vulnerabilidade do que nós, que são as populações que vivem em situação de rua, as comunidades que estão nas cidades sem condições de produzir o próprio alimento e que sofrem com a elevação do preço dos produtos.
O dia 17 de abril de 2020 marca os 24 anos do massacre de Eldorado dos Carajás. Todos os anos, o MST organiza o acampamento da juventude na curva do S, onde ocorreu o massacre, além de ocupações de terras e outras lutas. Como será este 17 de abril em memória dos mártires de Carajás?
Realizaríamos neste abril o 15º Acampamento Pedagógico da Juventude Camponesa “Oziel Alves Pereira” e, por conta da determinação da OMS, também suspendemos. Mas não cancelamos as atividades que estão relacionadas à memória dos nossos mártires de Carajás. Em todos os estados, essas ações de potencialização da produção de alimento nas nossas áreas, de embelezamento dos nossos assentamentos e acampamentos, de solidariedade com a doação desses alimentos e as ações nas redes virtuais, também carregam essa simbologia.
No dia 17, seguindo todos os protocolos de segurança da OMS, faremos o embelezamento da curva do S com um grupo pequeno de militantes. E, às 17h, faremos uma queima de fogos em todas as nossas áreas daqui do Pará, relembrando o momento do massacre. Nos outros estados, estamos incentivando que em todos os espaços organizativos do MST haja o hasteamento da nossa bandeira, em memória ao massacre de Eldorado dos Carajás. Nas redes sociais, resgataremos a memória desses 24 anos.
O Brasil é um dos países com os maiores índices de concentração de terras do mundo e a desigualdade do campo só tem piorado, desde o golpe de 2016. Hoje, quais são os desafios mais urgentes colocados pela conjuntura para a luta pela terra no país?
A pauta da luta pela terra sempre foi desafiadora. Argumentamos que as ocupações de terras existem justamente porque não há uma política de reforma agrária que atenda a necessidade dos trabalhadores e das trabalhadoras sem terra do Brasil. A partir de 2016, a criminalização dos movimentos sociais e da ocupação de terras como forma de luta tem se intensificado. A ocupação de terra tem sido colocada como uma atividade terrorista pelo governo. Diante disso, temos o grande desafio de disputar, cada vez mais, com essa narrativa na sociedade e dizer que ocupamos a terra por que ela é concentrada nas mãos de poucos e que ela deve ser democratizada, para que possa haver justiça social no país. Essa é uma narrativa que precisamos disputar todos os dias. Outro desafio é a violência. Não podemos deixar de falar que a violência no campo tem crescido a números assustadores.
O Pará é o estado em que mais ocorrem assassinatos de militantes pelos Direitos Humanos no Brasil. Avaliamos que este é um período em que ocorrerão mais despejos violentos e que, cada vez mais, o agronegócio tem concentrado a terra em latifúndios. Quando pensamos na luta pela terra e elencamos esses elementos, compreendemos que é um desafio organizativo, mas que também tem muito a ver com o posicionamento político de um governo que ataca as populações do campo, que tem retirado direitos e nos colocado como inimigos do país. Sabemos, inclusive, que a nossa produção de alimentos saudáveis, da nossa produção proveniente da reforma agrária, tem sido determinante para manter o equilíbrio da vida da população da cidade, nesses tempos de pandemia.
*Editado por Maura Silva