Acampamento do MST revitaliza cerrado com cultivo de 10 mil mudas
Por Janelson Ferreira
Da Página do MST
Desde o início deste ano, as 600 famílias que fazem parte do Acampamento Leonir Orback, localizado em Santa Helena de Goiás (GO), estão cultivando mais de 10 mil mudas típicas do cerrado. A proposta é que elas sejam plantadas em áreas de reflorestamento e nascentes que foram destruídas em incêndios no mês de setembro de 2019.
O principal objetivo do projeto, lançado em janeiro durante a reunião da Coordenação Nacional do MST em Minas Gerais, é a recuperação de áreas degradadas por meio da implementação de agroflorestas e quintais produtivos. A ação faz parte do Plano Nacional “Plantar Árvores, Produzir Alimentos Saudáveis”, que tem como intuito proporcionar a plantação de 100 milhões de árvores em um período de 10 anos.
Para Vitória Prado, da direção estadual do MST-GO, o Plano Nacional é tão importante quanto a produção de alimentos saudáveis. “O Plano e a produção de alimentos estão ligados intimamente, pois sem a natureza não há agroecologia, não há vida”, reflete ela. Entre as mudas cultivadas é possível encontrar pequi, baru, ipê, jatobá e outras árvores frutíferas típicas do cerrado, bioma predominante na região Centro-Oeste.
Prado conta que a discussão sobre a execução do Plano Nacional em Goiás iniciou-se em dezembro de 2019. “Começamos no nosso Encontro Estadual, que reúne toda a militância Sem Terra de Goiás, quando o Plano Nacional foi anunciado.Vimos a necessidade de plantarmos mudas para reflorestar as áreas degradadas”, explica a dirigente.
O plantio é organizado por núcleos de base, explica ela. “Cada Núcleo de Base, composto por um grupo de 10 famílias, vai plantar 700 mudas e será responsável por cuidar delas até estarem prontas para o plantio”.
Prado ainda compartilha que este processo está acontecendo em outros territórios Sem Terra em Goiás. “Durante nosso Encontro de Amigos, no Centro de Formação Santa Dica dos Sertões, em Corumbá de Goiás, fizemos um bosque com mais de 300 mudas”, lembra a militante.
Acampamento Leonir Orback tem longa história de luta
O acampamento Leonir Orback existe desde 22 de setembro de 2015 e é fruto de uma ocupação que se iniciou com cerca de 200 famílias. Em poucos dias, o acampamento alcançou mais de quatro mil famílias. Após este primeiro momento, as famílias reocuparam a área em agosto de 2016.
Antes da ocupação da área pelo MST, os cerca de 20 mil hectares eram utilizados para o funcionamento da usina Santa Helena. A empresa deve mais de um bilhão de reais para a União e para seus trabalhadores. Além disso, possui várias denúncias envolvendo crimes ambientais. Dos 20 mil hectares da área, as famílias Sem Terra reivindicam cinco mil hectares para a Reforma Agrária.
Em julho de 2019, a 2º Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Goiás cancelou a sentença que ordenava a reintegração de posse do acampamento Leonir Orback. A decisão do Tribunal também ordenou que fosse refeita toda a fase de provas.
Em novembro do mesmo ano, a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional decretou a falência da usina. Segundo nota publicada pelo MST-GO à época, o decreto é a prova cabal de que o Movimento é legítimo e que as terras em questão devem ser destinadas para a implantação de assentamento para as famílias acampadas.
A nota ainda afirmou que: “Ao mesmo tempo em que o dinheiro arrecadado com a venda dos demais ativos seja destinado para quitação dos direitos dos trabalhadores, que há anos vem sendo sonegados pela usina”.
Luta das famílias acampadas alcançou o cinema
A luta do acampamento Leonir Orback foi retratada recentemente pelas lentes da cineasta Camila Freitas, que filmou todo o processo de ocupação da fazenda e produziu o filme “Chão”, que acompanha as famílias do acampamento em diversas lutas do Movimento Sem Terra. A obra teve sua primeira exibição no 69º Festival Internacional de Cinema de Berlim, em fevereiro de 2019, entre os 12 filmes brasileiros selecionados para o evento.
Plano Nacional é ação central do MST para o próximo período
O Plano Nacional “Plantar Árvores, Produzir Alimentos Saudáveis” buscará denunciar as ações de destruição ambiental do agronegócio e da mineração, além de construir no MST e na sociedade o entendimento que Reforma Agrária é sinônimo de alimentação saudável e de cuidado com os bens comuns da natureza.
Para Bárbara Loureiro, do Setor de Produção do MST, o projeto será mais do que uma campanha de reflorestamento. “Como resultado dos acúmulos no tema da agroecologia, estamos falando em sistemas produtivos com árvores. O Plano articulará produção de alimentos saudáveis, soberania alimentar, com cuidado dos bens comuns e geração de renda para as famílias”, explica ela.
Além disso, a militante ressalta: “O Plano Nacional também é uma forma de denunciar a crise estrutural do capital na sua dimensão ambiental, que é acelerada pelo governo Bolsonaro”.
Cerrado sofre com degradação e violência do agronegócio
O cerrado hoje é um dos biomas mais afetados pela ação do agronegócio. Com apenas 7% da sua área protegida, apresenta os maiores índices de desmatamento do país, superando até a região Amazônica. Segundo dados do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM), entre 2000 e 2015, a perda de cobertura vegetal no Cerrado avançou 236 mil km². No mesmo período, a Amazônia, com uma área duas vezes maior, perdeu 208 mil km².
De acordo com dados da plataforma MapBiomas, entre 2000 e 2016, o cultivo de soja, milho, sorgo e grãos similares passou de 7,4 milhões para 20,5 milhões de hectares, uma área duas vezes maior que Portugal e a cana-de-açúcar saltou de 926 mil para 2,7 milhões de hectares. Com relação à pecuária, a atividade avançou de 76 milhões para 90 milhões de hectares, território equivalente à Venezuela.
De acordo com dados do Relatório “Conflitos no Campo – Brasil, 2019”, da Comissão Pastoral da Terra, em 2019 houve 152 casos de conflitos por terra no Centro-Oeste, região do Brasil onde se localiza maior parte do bioma, o que representa um crescimento de 63,4% em comparação ao ano anterior. Com relação às tentativas de assassinato, a região liderou os índices em 2019, com 12 ocorrências, representando 40% do total no país.
*Editado por Luciana Console