Agricultores gaúchos sofrem com estiagem e governo não toma providências
Por Catiana de Medeiros e Raquel Wunsch
Da Página do MST
O descaso do governo de Eduardo Leite (PSDB) com a agricultura familiar no Rio Grande do Sul fez com que um grupo de integrantes de entidades e movimentos do campo precisasse se colocar em risco nesta sexta-feira (8).
Cerca de 30 pessoas adotaram a medida extrema de sair às ruas, diante da pandemia do novo coronavírus, para protestar em frente ao Palácio Piratini, em Porto Alegre. O objetivo foi cobrar a atual gestão sobre a gravidade dos problemas causados pela estiagem, a fim de que sejam adotadas medidas urgentes de ajuda.
Segundo Miqueli Schiavon, do Movimento dos Pequenos Agricultores, os camponeses do estado encontram-se em completo abandono. “A grande maioria dos agricultores e camponeses estão completamente desassistidos. Desde questões básicas, como acesso à água e à cestas básicas, mas também com a própria produção de subsistência por conta da seca”, contou.
O problema existe desde dezembro de 2019 e até o momento o governo não apresentou medidas concretas para ajudar os agricultores familiares e assentados da Reforma Agrária. É por esta razão que os manifestantes decidiram pela necessidade da ação. Durante o ato, eles seguraram faixas e cartazes com frases denunciando a situação de abandono.
Para Álvaro Delatorre, dirigente do MST no Rio Grande do Sul, a crise sanitária provocada pelo novo coronavírus só agravou a crise econômica e social do povo brasileiro. “A estiagem aprofundou ainda mais a situação desesperadora de milhares de agricultores familiares e assentados. Nossa luta é cobrar e propor que o governo do estado atenda a pauta para minimizar os estragos”, explicou.
Os agricultores destacam que, mesmo com inúmeras reuniões e pedidos formais de ajuda em relação aos impactos da estiagem, o governo Leite se limitou à promessas. Enquanto isso, as famílias continuam sofrendo com prejuízo econômico, perdas irreparáveis na produção, falta de água para consumo humano e animal e falta de alimentos para os animais.
Os consumidores também são afetados, pois pagam um preço mais caro pela escassez dos produtos. Segundo a Defesa Civil, dos 497 municípios gaúchos, mais de 356 já decretaram situação de emergência. “Nós estamos há dias pautando este tema com o governo do estado e a gente não percebe nenhuma ação desta gestão”, afirmou o presidente da Unicafes, Gervário Plucinski.
Para o coordenador da Fetraf/RS, Rui Valença, essa foi a forma que os movimentos encontraram para denunciar o governo Leite que, até agora, não tomou atitudes concretas sobre o tema. “Precisamos fazer essa denúncia porque estamos vivendo uma situação dramática”, afirmou.
De acordo com o presidente do Conselho Estadual de Segurança Alimentar e Nutricional Sustentável, Juliano de Sá, os agricultores exigem do governo de Eduardo Leite a adoção de medidas como compras de produtos da agricultura familiar, assim como a assistência aos agricultores que estão passando pela estiagem há seis meses.
Protesto seguiu normas de cuidados com a saúde
O protesto foi organizado com base num protocolo sanitário preparado pelo Conselho Estadual da Saúde, para garantir segurança e evitar contaminação pela COVID-19. Os camponeses usaram máscaras e luvas e mantiveram o distanciamento recomendando de, no mínimo, dois metros entre as pessoas.
Os movimentos realizaram a entrega simbólica de uma carta ao governador Eduardo Leite. Como não foi possível entregar o documento fisicamente, os movimentos irão protocolar no site do governo. O protesto também envolveu alguns moradores da periferia, que levaram panelas vazias para mostrar que há falta de comida na cidade.
Os deputados Edegar Pretto (PT) e Zé Nunes (PT) apoiam a luta dos agricultores. Eles acompanham os problemas provocados pela estiagem e, desde janeiro, buscam uma solução junto aos governos estadual e federal. Já foram mais de dez reuniões com prefeitos, governador, Secretaria Estadual da Agricultura e o Ministério da Agricultura.
Compras irregulares do Programa Nacional de Alimentação Escolar
O protesto em frente ao Palácio Piratini também foi motivado pela recente compra do governo, no valor de mais de R$ 23 milhões, de cestas básicas de atacadistas com recursos do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE).
Segundo os manifestantes, o estado não adquiriu nem o mínimo de 30% da agricultura familiar, conforme determina a lei. Eles também destacaram que em nenhum momento foram consultados se teriam condições de fornecer alimentos ao programa e se a compra dos produtos seria uma forma de amenizar os problemas.
No final de abril, entidades apresentaram uma representação ao Ministério Público e ao Tribunal de Contas do estado, solicitando a investigação do caso.
Confira a carta entregue ao governador Eduardo Leite:
O estado do Rio Grande do Sul passa por uma grave estiagem, considerada a maior em décadas, com grande redução da produção agropecuária e forte impacto econômico e social, de ampla repercussão geográfica. Até o dia 06 do corrente, 356 municípios gaúchos já tinham decretado situação de emergência.
Dados da Emater e de outras instituições mostram a dimensão das perdas dos cultivos e criações, que repercutem em toda a economia dos municípios, pois a base da economia do Rio Grande do Sul está na agropecuária.
Enquanto entidades representativas da agricultura familiar e camponesa, dos assentados da Reforma Agrária e das cooperativas da agricultura familiar, manifestamos, desde janeiro, aos governos do estado e federal, a preocupação com os impactos da estiagem no meio rural e apresentamos as nossas pautas, que gostaríamos de vê-las atendidas.
No entanto, considerando a urgência e a realidade dramática, expressamos, por meio deste documento, alguns pontos que consideramos prioritários e emergenciais, diante da situação que estão passando as famílias agricultoras. São estes:
1. Anistiar as dívidas dos agricultores no programa Troca-Troca de Sementes, considerando que houve frustração da safra;
2. Prorrogar as parcelas dos financiamentos junto ao Funterra e Feaper, procedendo como os demais agentes que estão prorrogando as dívidas dos produtores;
3. Aplicar recursos no Programa de Aquisição de Alimentos – PAA (Convênio FPE 2040/2014, que ainda conta com mais de R$ 25 milhões, incluindo rendimentos), aliando a comercialização da produção da agricultura familiar ao fornecimento de alimentos para a população em situação de vulnerabilidade social;
4. Adquirir produtos da agricultura familiar para a alimentação escolar, como estabelece a lei federal nº 11.947/2009, a qual determina que, no mínimo de 30% do valor repassado ao Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) deve ser utilizado na compra direta dos produtos da agricultura familiar;
5. Contribuir para resolver o problema da alimentação animal com doação de sementes forrageiras e subsídio ao milho balcão (política do governo federal, operacionalizada pela Conab, que neste caso, teria contribuição por parte do estado para diminuir o custo);
6. Efetivar ações para abastecimento de água no meio rural nos municípios com maior escassez de forma urgente, mas também com plano estrutural com açudes, poços e redes de distribuição para solucionar o problema e dar segurança hídrica;
7. Dar continuidade ao chamado Plano Camponês (Projeto Atividade 6759 -Apoio à Agricultura Familiar e Camponesa), cuja primeira etapa foi iniciada em 2014, com a execução de R$ 25 milhões (em valores nominais) como contrapartida aos recursos do Fundo Social do BNDES (II/SA 19/2013 e Carta Consulta encaminhada através do Ofício OF.GG/SJL/UAJ – 035, de 11 de junho de 2014);
8. Criar um Comitê Emergencial para tratar da Estiagem, no centro do governo e responsável pelas ações de enfrentamento aos impactos da estiagem, tanto para responder com ações emergenciais como para elaboração de propostas de políticas públicas estruturantes visando preparar o estado para a convivência com fenômenos climáticos;
9. Empenhar-se junto ao governo federal, tanto para captação de recursos emergenciais de proteção social para as famílias dos produtores atingidos pela estiagem, como para interceder nas negociações das dívidas dos agricultores familiares e assentados.
Por fim, reiteramos que a agricultura familiar e camponesa e os assentados da Reforma Agrária esperam do governo do estado medidas efetivas para minimizar os danos causados pela estiagem. Além de justa, a atitude ajuda a impulsionar toda a economia dos municípios.
Da mesma forma, esperam que o governo estadual some forças para exigir do governo federal que efetive ações nesse sentido, pois até agora não existe nada de concreto, embora tenha sinalizado com medidas. A população do campo espera dos governos o apoio necessário para superar este momento de dificuldade e voltar a produzir e contribuir para o desenvolvimento do Rio Grande do Sul.
Assinam: Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), Federação dos Trabalhadores na Agricultura Familiar (Fetraf), União das Cooperativas da Agricultura Familiar e Economia Solidária (Unicafes)
* Editado por Luciana Console