Artigo: O que a atual pandemia revela sobre o 13 de Maio de 1888?

Em São Paulo, negros têm até 85% mais de chance de morrer por covid-19 do que brancos
População negra é grupo de risco permanente no Brasil. Foto: Pedro Conforte/Plantão Enfoco  

Por Coletivo Terra, Raça e Classe do MST
Da Página do MST

Justamente neste mês de maio, próximo de completar três meses de pandemia no Brasil, se torna mais evidente o desastre em curso desencadeado pelo novo coronavírus. Considerando as informações de “raça” e cor é possível ver qual a parcela da sociedade que mais está morrendo ou que têm mais chances de morrer com a pandemia. Os negros e negras somam 43,1% dos hospitalizados, mas representam mais da metade de todos óbitos, 50,1%, contra 47,7% de pessoas brancas de acordo com os dados do Boletim nº 15 da Secretaria de Vigilância do Ministério da Saúde. Desse total, 65% das vítimas apresentaram algum tipo de comorbidade associada, tendo destaque as doenças cardiovasculares (3.425 dos óbitos), diabetes (2.660 óbitos), doença renal (621 óbitos), doença neurológica (550 óbitos) e pneumopatia (544 óbitos). 

“E daí?” Respondeu Bolsonaro ao ser indagado sobre o aumento do número de casos do novo coronavírus no Brasil. As mortes causadas pela covid-19 no país ultrapassaram 12 mil casos e o número de infectados soma mais de 170 mil. Destes, pouco mais de 67 mil foram recuperados, mas infelizmente não estão imunes a um novo contágio. Os especialistas dizem que este número está longe de representar a realidade de infectados no país, considerando a baixíssima testagem da população. 

Numa pesquisa feita pelo Observatório Covid-19 e Prefeitura de São Paulo até 17 de abril, somado a porcentagem de pretos (62%) e pardos (23%), a população negra na capital têm 85% mais chance de morrer pelo vírus do que qualquer outro grupo social. Estes dados são reveladores das desigualdades raciais e de classe vigentes na sociedade, para exterminar e marginalizar pretos e pretas neste país. Sejam quais forem as crises, econômicas, políticas, ambientais ou sanitárias, pretos/as, quilombolas e indígenas são grupo de risco permanente. 

A brutal desigualdade existente nas condições de vida, de moradia ou de alimentação entre pretos e brancos, recoloca o significado do 13 de maio de 1888 em foco. O decreto ardiloso que oficializou o fim da escravatura no Brasil, reservou aos negros e às negras a pobreza, o desemprego, as doenças, o sistema prisional, a exclusão social e toda sorte de precariedades. Para os africanos e seus descendentes, a pandemia se iniciou com os primeiros navios negreiros que aportaram na África, foi intensa com a escravidão e segue matando depois de anunciado seu fim. Mas se a pandemia atinge só os negros/as, ela pode ser ignorada ou minimizada, afinal eles morrem de tanta coisa, não é mesmo? Assim funciona o pensamento racista, como demonstrou o fundador da XP Investimentos, Guilherme Benchimol, que disse em tom comemorativo: “o Brasil está indo bem no controle do Covid-19”, pois, “o pico nas classes médias e altas já passou; o problema é que o país tem muita favela”.

Há pouco mais de 100 anos, a “gripe espanhola” matou entre janeiro de 1918 a dezembro de 1920 cerca de 35 mil pessoas em nosso país. Inclusive o presidente eleito Rodrigues Alves morreu vítima da pandemia, episódio que reforçaria a ideia de ser esta uma doença “democrática”. Contudo, os estudos sobre o impacto da pandemia mostram que a imensa maioria dos infectados e mortos eram pessoas negras, da classe trabalhadora, contagiados nas fábricas, nos portos, nas ruas (classificado como “indigentes”), nos cortiços, favelas ou no cárcere, onde morriam de forma isolada e desassistida.

A interação entre desigualdade social, subnutrição e precárias condições sanitárias resulta em um terreno fértil para o espalhamento do coronavírus e mortal para quem aí vive. O organismo humano, sob estes condicionantes, apresenta uma imunidade de baixíssima resistência e pouca capacidade para sobreviver as debilitações provocadas pelo vírus.

As pandemias sintetizam as contradições de classe, raça e gênero uma vez que acentuam desigualdades. As mulheres negras, principalmente, estão na linha de frente do trabalho de enfermagem e de cuidados, exauridas pela dupla e tripla jornada de trabalho, e são as que mais buscam o serviço público de saúde, embora o número de óbitos seja superior entre os homens, em decorrência do diferente estilo de vida promovido pela sociedade capitalista patriarcal que expõe os homens a maior vulnerabilidade. Acrescenta-se aí o aumento em 9% do número de denúncias de violência doméstica no Brasil, segundo dados federais. Até março houve um aumento de 50% das denúncias no Rio de Janeiro e de 30% em São Paulo.

O momento atual acende a luz de alerta. O avanço da pandemia sobre os setores mais empobrecidos e com condições de vida mais precárias pode ser catastrófico. Estes segmentos da população vive em bairros periféricos, nas ruas, favelas, cortiços e abrigos que vivem milhares de trabalhadores e trabalhadoras negras que precisam lutar diariamente para sobreviver com os trabalhos informais, prestação de serviços ou outras formas. 

Especialistas chamam a atenção para a probabilidade do aumento do número de óbitos em domicílios, albergues e em via pública. Geralmente, vítimas do racismo institucional, muitas são aquelas pessoas que possuem os sintomas mas, diante da impossibilidade de fazer o teste da Covid-19, são orientadas a deixarem os hospitais ou mesmo há aquelas que nem buscam o serviço médico. Nessas circunstâncias, são muitos os óbitos sem causa confirmada para a Covid-19. 

Na cidade de São Paulo, por exemplo, conforme o censo da população em situação de rua, havia 24.344 mil pessoas vivendo nas ruas da capital até 2019 (número que é bem maior segundo associações do setor). Desse total, 69,3 % são pessoas pretas e pardas e a maior porcentagem dessa população é do sexo masculino, 85% contra 15% de mulheres e 386 pessoas transexuais, transgêneros e travestis. Cumpre ressaltar que essa população não tem acesso a água nem a kits de higiene pessoal, e menos ainda alimentação regular, nem a possibilidade de quarentena. Esta é a realidade que sintetiza a foto acima tirada por Pedro Conforte em uma rua na Praia de Icaraí, em Niterói no Rio de Janeiro.

Importante frisar que a pandemia da Covid-19 tem implicações distintas para a classe trabalhadora, negra, pobre e para as mulheres, ou seja, ela é demarcada pelo recorte de raça, classe e gênero. Essa desigualdade social atinge graus extremos de perversidade quando impõe sobre os (as) infectados (as) a culpa por esta condição. Como é o caso da população que se aglomera há vários dias nas filas dos bancos à espera do acesso ao chamado auxílio emergencial. 

A classe trabalhadora que lutou muito para que o SUS existisse e pela sua defesa, precisa urgentemente se levantar contra o genocídio social promovido por este Governo neofascista, que aprofunda a crise no país frente à pandemia e aproveita de forma covarde deste momento difícil e de luto para várias famílias para impor medidas contrárias ao interesse do povo brasileiro. 

Como bem tem demonstrado, as ações de solidariedade construídas entre trabalhadores e trabalhadoras para minimizar os efeitos desta crise, são exercícios de unidade e de auto-organização política. É do fortalecimento destes vínculos orgânicos, entre os mais diversos setores da classe trabalhadora, que deve surgir a força necessária para superar o coronavírus, derrotar o Governo Bolsonaro e a necropolítica que o Estado capitalista impõe sobre os povos do Brasil e do mundo.

Fontes

MST. https://mst.org.br/2020/04/24/nossa-luta-e-a-crise-cuidar-de-nos-da-vida-das-pessoas-e-da-natureza/, acesso 10/05/2020. 

JORNAL O GLOBO. https://oglobo.globo.com/celina/coronavirus-durante-quarentena-violencia-domestica-aumenta-ainda-mais-nos-paises-da-america-latina-24387467, acesso em 11/05/2020.

Lamarão e Urbinati: Gripe Espanhola, In: , acesso em 11/05/2020.
BRASIL. SECRETARIA DE VIGILÂNCIA EM SAÚDE. MINISTÉRIO DA SAÚDE; https://portalarquivos.saude.gov.br/images/pdf/2020/May/09/2020-05-06-BEE15-Boletim-do-COE.pdf acesso em 11/05/2020.

G1. https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/noticia/2020/04/28/pretos-tem-62percent-mais-chance-de-morrer-por-covid-19-em-sao-paulo-do-que-brancos.ghtm, acesso em 11/05/2020.

PREFEITURA DE SÃO PAULO. CENTRO DE PESQUISA E MEMÓRIA TÉCNICA
https://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/assistencia_social/observatorio_social/pesquisas/index.php?p=18626  acesso em 12/05/2020.

*Editado por Fernanda Alcântara