O 25 de maio e o futuro da África
Por Gerson Brandao*
De Por Dentro da África
No dia 25 de maio de 1963, chefes de Estado, com ideias contrárias ao regime colonial a que o continente africano estava submetido durante muitos séculos, reuniram-se na cidade de Addis Abeba, capital da Etiópia, com o objetivo de definir ações para libertar a África do colonialismo e assim promover a emancipação dos povos africanos. Nessa reunião, nasceu a Organização da Unidade Africana (OUA).
O encontro do dia 25 de maio representa o sentido mais profundo da memória coletiva dos povos do continente africano e demonstra a verdadeira luta contra o colonialismo e a favor da soberania e do progresso dos países africanos.
Em 1972, a Organização das Nações Unidas (ONU) deu um caráter global à decisão tomada em 1963 pela então Organização de Unidade Africana. Assim, foi instituído o dia 25 de maio como o DIA DA ÁFRICA ou Dia da Libertação da África. Em julho de 2002, a Organização de Unidade Africana (OUA) foi renomeada “União Africana (UA)”. Porém, o DIA DA ÁFRICA permaneceu o mesmo, por ter sido a data em que se deu o passo inicial para a afirmação de novos tempos no continente.
De 1960 à 2020: a continuação de um ideal de prosperidade e estabilidade
O ano de 2020 é quando 17 países do continente africano celebrarão 60 anos de independência. Também neste ano, 22 países da África organizarão ou já tiveram eleições. Treze das vinte e duas disputas eleitorais serão para os cargos de presidente ou primeiro-ministro. Cabe lembrar que as eleições poderão ter seu cronograma alterado por conta da COVID-19. Assim sendo, o sonho de transformação positiva que poderia advir da eleição de novos líderes poderá ser adiado.
A combinação de uma pandemia com restrições de movimento e falta de perspectivas futuras pode ser letal para campanhas políticas e mesmo para a democracia em si. Em vários países, essas medidas restritivas para conter os efeitos negativos da COVID-19 ameaçam se sobrepor ao tempo de alguns mandatos, sem meios claros para prolongar os atuais mandatos ou convocar novas eleições. Isso poderá criar uma lacuna propícia à instabilidade em alguns países do continente africano.
Como aconteceu em 1963, espera-se que a União Africana forneça orientações aos governos africanos sobre como lidar com a instabilidade política que poderá ser desencadeada pela pandemia atual, caso contrário as consequências de não fazê-lo poderão minar os ideais de prosperidade de 60 anos atrás.
60 anos de independência com alguns desafios ainda pendentes
Obviamente, não será uma batalha fácil. Podemos acreditar que o continente africano vem demonstrando experiência para conter o impacto da COVID-19. Entretanto, deve ser realçado que a disponibilidade de recursos financeiros suficientes será um elemento-chave dentro desse processo.
O trabalho do Fundo Global de Combate à Aids, tuberculose e malária mudou a trajetória das pandemias anteriormente existentes no continente. A incidência de novas infecções pelo HIV diminuiu 28% nas regiões mais afetadas da África desde 2010, com as mortes diminuindo 44% no mesmo período em que milhões de africanos obtiveram acesso à terapia anti-retroviral. E alguns países, como Nigéria, Libéria e Uganda, que lidaram recentemente com o ebola, desenvolveram, com muito esforço, estruturas e estratégias para combater doenças infecciosas de maneira eficaz.
O funcionamento do hospital central de Buchanan, a terceira maior cidade da Libéria, depende do apoio financeiro da comunidade internacional. Essas experiências de saúde bem-sucedidas oferecem à resposta contra a COVID-19 em redes estabelecidas de gestores capazes, cadeias de distribuição de suprimentos, organizações não-governamentais ágeis assim como profissionais de saúde na linha de frente que já estão trabalhando para combater a pandemia.
À medida que os brasileiros estão aprendendo, com tristeza e preocupação que não levar o assunto suficientemente à sério tem consequências catastróficas. Dessa forma, atrasar o início da resposta à pandemia significa muito mais mortes e maior perda de recursos financeiros, sobre em um momento de crescimento econômico para o continente.
No final de 2019, as três economias que mais cresceram no mundo estavam na África (Ruanda, Etiópia e o Senegal); porém, com a pandemia, segundo o Fundo Monetário Internacional, o produto interno bruto da África Subsaariana deverá reduzir 1,6% já neste em 2020, mergulhando a região na primeira recessão em 25 anos.
Enquanto isso, embora os efeitos negativos da atual pandemia do novo coronavírus não possam ser minimizados, especialistas ao mesmo tempo alertam que o impacto da falta de tratamento a outras doenças negligenciadas devido à pandemia pode ser igualmente significativos nos próximos meses e anos.
Líderes comprometidos com o bem-estar da população são indispensáveis
Neste momento, todos estão sendo forçados a fazer escolhas difíceis, desde os ministros e ministras da saúde, até os profissionais que trabalham na linha de frente. Como manter os tratamentos de rotina a doenças infecciosas e serviços de imunização, quando recursos significativos e as infraestruturas existentes são voltados para o enfrentamento da COVID-19?
O mapa interativo da Universidade Johns Hopkins, que rastreia a COVID-19, mostra que, na verdade, esse vírus ainda não afetou tanto a África, em comparação com outros continentes. Em 24 de maio, existiam mais de 112 mil casos e 3316 mortes registradas no continente africano, dentre 5.4 milhões de casos e 345 mil mortes no mundo.
Entretanto, também é certo que se as medidas que vêm sendo tomadas não forem reforçadas e expandidas, o continente pode vir a sofrer não só com a Covid-19, mas com outras doenças infelizmente bem conhecidas como a malária, a tuberculose ou a febre amarela.
É fácil e às vezes até um lugar-comum ser pessimista sobre o futuro da África, contudo, apesar do desconhecimento de muitos, o que perdura no continente é a incrível capacidade dos africanos, e sobretudo das africanas ,de enfrentar dificuldades, sobreviver e trabalhar com dignidade por dias melhores. Como tem sido feito não somente nestes últimos 60 anos mas desde antes da chegada de colonos que exploraram e não indenizaram a África.
*Gerson Brandao é mestre em Direitos Humanos e doutorando em Direito Internacional pela Universidade de Estrasburgo. As opiniões expressas neste texto pertencem exclusivamente ao autor, e não necessariamente ao empregador ou qualquer outra organização, comitê ou grupo.
**Editado por Luciana Console