Artigo| Reforma Agrária já! Solidariedade e enfrentamento à pandemia estrutural
Por Djoni Roos*
Da Página do MST
O flagelo que atinge o Brasil não é recente. As raízes estruturais deste dão origem à injustiça e à desigualdade socioeconômica que assola a sociedade brasileira. Esta relação estrutural que coloca este país entre os mais desiguais do mundo precisa urgentemente ser enfrentada. A pandemia do novo Coronavírus agravou tais condições de pobreza e precariedade, marcas da extrema desigualdade geografada no espaço nacional, descortinando a crise estrutural do capitalismo que é, ao mesmo tempo, uma crise agrária, pois, o cerne das desigualdades está no chão, ou seja, na apropriação arbitrária do território brasileiro.
A ameaça à vida está consolidada no Brasil muito antes da disseminação do novo Coronavírus. Ela não é de ordem sanitária. É política, em vista de um degenerado sistema institucionalizado de grilagem e descumprimento da função social da terra alicerçado na violência e expulsão dos povos do campo. Os camponeses, indígenas, comunidades tradicionais e todos os que precisam viver e trabalhar no campo são testemunhas da histórica opressão sofrida.
Diante de tal cenário, se notabiliza que a solidariedade e partilha daquilo que se tem (não das sobras) parte das populações historicamente violentadas e injustiçadas. É este o sentido das ações desenvolvidas pelos camponeses organizados no Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) defronte a milhares de trabalhadores duplamente ameaçados: pelo vírus e pela fome. Os agricultores do MST de inúmeros acampamentos e assentamentos rurais têm multiplicado ações de solidariedade em todo o território nacional para com estas populações mais afetadas pela crise.
Chama especial atenção as ações desenvolvidas no estado do Paraná, no qual os camponeses do MST já doaram 165 toneladas de alimentos, garantindo o acesso a alimentação saudável a milhares de famílias em situação de vulnerabilidade nas áreas periféricas das cidades e em comunidades indígenas. Importante registrar que tal acolhimento é realizado a partir do fruto do trabalho destes agricultores, daquilo que eles produziram para alimentar suas famílias. Porém, com a clareza de seu papel social, partilham o bem mais precioso que possuem, o alimento.
Isso reforça o argumento central do presente texto. Na defesa da vida do povo brasileiro, a reforma agrária é ainda mais urgente nos dias atuais. Reside nela a capacidade de obstruir as estruturas sociais alicerçadas na concentração da terra, na desigualdade, na injustiça e na violência, ou seja, na barbárie como instrumento de dominação e poder que dita o ritmo da exploração capitalista no Brasil. A reforma agrária contribuirá na reorganização territorial e social da sociedade brasileira, pois significa terra para trabalho, divisão de riquezas, divisão de receitas, parcimônia no uso e trato com os bens comuns (terra, água, biodiversidade), compartilhamento do poder, educação, produção de alimentos saudáveis e condições de vida digna no campo para todo o povo. Realizar a reforma agrária é garantir também a justiça do direito ao território para as comunidades originárias e tradicionais. Portanto, reforma agrária significa a construção de uma sociedade mais justa, democrática e ambientalmente saudável.
Além da justiça social, a reforma agrária porta a condição de superação do atual e insano modelo agroalimentar, dominado pelas grandes corporações do agronegócio com objetivo único de acumulação de riquezas. Tal sistema assentado na monocultura vegetal e enclausuramento em massa de animais é fonte inesgotável de propagação de inúmeros vetores de doenças infectocontagiosas que circulam internamente nas “fábricas de grãos e proteínas”, os quais, através de mutações contagiam os seres humanos. A proliferação das principais epidemias das últimas décadas (gripe aviária, gripe suína e a própria pandemia do novo Coronavírus) possuem correlações diretas com esse modelo agrícola industrial (recomendo o artigo de “Os latifundiários da pandemia”, de Silvia Ribeiro. Além disso, tal modelo promove a destruição de comunidades camponesas e indígenas, o envenenamento do habitat, produzem alimentos que fazem mal a saúde e empobrece a dieta alimentar da população.
A reversão deste cenário só pode ser feita por intermédio da distribuição equitativa da terra, isto é, da democratização do acesso à terra. Junto a isso é preciso garantir aos camponeses as condições para que possam produzir alimentos sanos de forma agroecológica. Só os camponeses são capazes de fazer isso, pois reúnem a capacidade de produzir com conhecimentos a favor e junto da natureza, assim como eles já vem demonstrando contra tudo e contra todos. Ademais, considerando o momento atual em que a crise política econômica do Brasil é agravada com a crise sanitária, reside na reforma agrária a capacidade de promover rapidamente o abastecimento das cidades de alimentos saudáveis, gerar empregos, movimentar o comércio, garantir renda e condições de vida dignas a sociedade brasileira. Realizar a reforma agrária é de caráter emergencial!
A reforma agrária não é somente para os camponeses, ela engloba a todos, pois é um projeto de país, ou melhor, sustenta um projeto de nação para o Brasil. Um projeto soberano e independente. Urge a sociedade se juntar aos camponeses e defender a emergência da reforma agrária. A terra precisa estar a serviço da vida. Os camponeses organizados no MST vêm lutando para isso. Eles não têm medido esforços na construção de uma sociedade onde a vida valha mais do que os interesses do capital, prova disso é que se colocaram na linha de frente de combate ao atual, mas também estrutural, pandemônio, não para garantir ou ampliar lucros, mas, para partilhar e superar este momento difícil.
Oxalá! que juntos possamos fazer a reforma agrária e construir um Brasil justo e sem desigualdades sociais.
* Djoni Roos, Doutor em Geografia. Professor do curso de Graduação em Geografia e dos Programas de Pós-Graduação em Geografia e em Desenvolvimento Rural Sustentável da Universidade Estadual do Oeste do Paraná (UNIOESTE), Campus de Marechal Cândido Rondon.
**Editado por Fernanda Alcântara