É possível o agronegócio ser sustentável, gerar empregos e botar comida na mesa?
Por Iris Pacheco
Da Campanha Contra os Agrotóxicos e Pela Vida
Muitas são as conexões que podem ser construídas a partir da questão: o que o agronegócio produz? E é sobre elas que a Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida se propôs a conversar em mais um bate-papo on-line realizado em suas páginas do Facebook e YouTube na última quarta-feira (24). Para abordar o tema, contamos com a contribuição de Antonia Ivoneide (Neném), dirigente nacional do setor de produção do MST, e o professor, pesquisador da Geografia na UFPB e presidente da ANPEGE, Marco Antonio Mitidiero Junior.
O debate foi iniciado com a questão colocada na mesa: “O que o agronegócio produz?”. A cada trimestre, a cada ano, lemos nos jornais sobre a grande contribuição que o agronegócio traz ao produto interno bruto (PIB) brasileiro. No primeiro trimestre de 2020, o PIB do agronegócio
cresceu 3,3%, algo equivalente a 55 bilhões de reais, enquanto o PIB geral subiu apenas 0,9%. Por que isso ocorre?
Para Marco Mitidiero, esse fato pode ser explicado a partir da análise de diversas dimensões, mas uma das que merece destaque é que o que o agronegócio produz são toneladas de commodities para exportação. E a outra é produção de dívidas. “O que o agronegócio vem produzindo no Brasil é concentração e centralização de tudo que você possa imaginar que o envolva… De terra, de recurso, de capital industrial financeiro, de poder e
assim por diante. Produz uma criação de monopólios ou de mega-agro-oligopólios… É fiel amigo da dívida pública, a partir das isenções tributárias, dos subsídios e a partir das renúncias fiscais que governos, tanto estaduais quanto federais, possibilitam para este setor”, salientou.
Em meio a pandemia da COVID-19, a boiada tem passado cada vez mais acelerada. Reflexo disso é que mesmo com falta de recursos para combater o coronavírus, governadores de todo o país decidiram prorrogar uma isenção fiscal que beneficia a venda de agrotóxicos, deixando de arrecadar
– e as empresas deixando de pagar – mais de R$ 6,2 bilhões por ano, de acordo com estudo da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco). Essa foi a vigésima vez que a isenção foi prorrogada e está em vigor há 23 anos.
Estes dados vão ao encontro da afirmação que Antonia Ivoneide (Neném) faz de que o agronegócio produz riqueza para poucos. “Toda essa produção de soja, de milho, é para exportar. O que fica no Brasil? O agronegócio surge de uma aliança do latifúndio com o capital financeiro e vem se expropriando para se apropriar… Tirar das mãos dos povos do campo a terra, o conhecimento, os bens da natureza, consolidando cada vez mais, um campo sem gente, sem mata, sem água, sem animais e gerando um processo de produção de mercadoria e não de comida”.
O governo atual aprofunda a retirada de direitos historicamente conquistados pela classe trabalhadora e precariza cada vez mais as condições de vida de quem vive no campo. Atualmente, temos no governo figuras como a Ministra Tereza Cristina, árdua defensora dos agrotóxicos, e
Nabhan Garcia, liderança da União Democrática Ruralista (UDR). São representantes do que há de mais atrasado no campo brasileiro. Nos governos populares de Lula e Dilma, porém, a presença do agronegócio também foi bem forte.
Para Marco, nos governos do PT, o ponto em comum foi não reestruturar o agrário nacional, a começar pela estrutura fundiária. Porém, há diferenças gritantes com o atual governo. “O agronegócio também produz poder político com uma força estratosférica no Congresso. É muito difícil o tema da Reforma Agrária voltar para a pauta da Câmara. Essa bancada vem criando projetos de lei destrutivos da agricultura familiar, da Reforma Agrária, dos direitos da comunidade tradicionais, de criminalização dos movimentos. Há uma avalanche de propostas que visa destruir os direitos dos povos do campo”, afirmou.
De forma geral, o que se pode observar é que historicamente os governos têm atuado para manter a estrutura do agronegócio, principalmente, governos de extrema direita, ultra neoliberais. Pois significa radicalizar a política de concentração fundiária e ambiental sobre os territórios. Então essa perseguição à agricultura familiar e camponesa e o desmonte de políticas públicas voltada ao setor estão dentro do projeto do governo em exercício. Neném, por sua vez, avalia que há sim um diferencial entre esses governos. “Nos governos Lula e Dilma nosso questionamento era sobre ter um volume maior para o agronegócio e um menor para a agricultura familiar, agora nem isso… Existem sim dois projetos no campo, e a agricultura camponesa que traz vida, necessita de apoio e investimento para manter a produção da comida que vai para a mesa do povo. Porém o que vemos é a destruição das políticas de apoio para essa agricultura”.
Sustentabilidade para quem?
O agronegócio investe bastante em maquinário e mecanização da produção e junto a isso tem construído um discurso de desenvolvimento de um mercado de títulos verdes para o setor agropecuário, com criação de fontes de financiamento e adoção de práticas de tecnologias sustentáveis no país. No entanto, o que vemos na prática são índices gritantes, sobretudo de
impactos ambientais ligados a esse modelo. Por exemplo, as toneladas de agrotóxicos ‘altamente perigosos’ proibidos na Europa, mas que têm sido vendidos no Brasil por multinacionais.
De acordo com Marco, “a mídia propagandeia que o agro é pop, é tech… Vamos encontrar uma narrativa que intenciona produzir um consenso entre os brasileiros, que é: o agronegócio salva a nação. Mas quem paga aquilo que nós deixamos de arrecadar no agronegócio? O povo. Pra onde vai esse dinheiro? Renúncia fiscal, isenção, lucros com as vendas… Uma grande parte é evasão de divisas, os lucros vão embora. Uma parte fica no país de forma centralizada. O agronegócio direto, emprega poucas pessoas. A distribuição da riqueza no agro é uma fakenews absurda”.
Segundo dados do IBGE de 2006, 80% do trabalho empregado no rural brasileiro vêm da agricultura familiar. Nesse sentido, fica evidente que para produzir comida no campo e gerar trabalho, não são necessárias as empresas do agronegócio. A agricultura familiar e camponesa defende o desenvolvimento de tecnologias acessíveis que agridam menos o meio ambiente e auxiliem a produção de alimentos saudáveis, por exemplo.
Neném salientou que para contrapor esse modelo de agronegócio é preciso democratizar a terra e possibilitar subsídios para ampliar a produção. “Precisamos é de terra e de condições para trabalhar. Por muito menos, o Brasil avançaria muito mais. O povo não passaria fome se tivéssemos uma
reforma agrária e agricultura familiar com incentivo e apoio. Nós temos um papel fundamental de denunciar, mas também anunciar… Precisamos nos articular, a luta é pela defesa dos territórios já conquistados e em disputas. Luta que se articula com a cidade. É preciso ter a defesa da população
urbana sobre a importância de se fazer reforma agrária”, finalizou ela.
*Editado por Luciana G. Console